Padre ventrilóquo
E, vindo de trem da cidade, o padre chegou na estaçãozinha do povoado, num fim de tarde, onde já estava um garoto de seus doze anos a esperá-lo numa charretezinha. Era um bom estirão para se chegar dali ao casario, coisa duns vinte minutos...
A visita paroquial incluía atos como confissões, celebração de missa, benzeções, catecismo. Era a primeira vez que Adroaldo realizava aquela nobre função de apanhar o vigário, padre Evaristo. Geralmente era seu pai
que dela se desincumbia.
Adroaldo era um menino da roça, olhar esperto, umas espinhas já nascentes e outras particularidades já mais precoces. A voz é que ainda oitavava, misturando sons graves aos esganiçados agudos.
Ele, sentado no banquinho da frente, e padre Evaristo aboletado no banco da carroceria, mal deu início à marcha, quando seus acurados ouvidos, estarrecidos, distinguiram uns latidos falados cumprimentando a cachorrada vadia que rondava a charrete e ia ficando para trás. Padre Evaristo era ventrilóquo. Conversava com os animais...
Um pouco mais adiante, o papo foi com umas vacas, esse bem mais distinguível, trocado ideias sobre o preço do leite, o medo de passar na frente açougue, a falta de sensibilidade do touro com aquela sua afobação pra fazer seu serviço...
Depois vieram um cumprimento, e consequente resposta, a um burro que girava em torno de um moinho de cana, e um animado papo com um urubu que das alturas dava as boas vindas ao colega de batina preta...
Extasiado com aquela habilidade do cura, o menino até reduziu a marcha
da charrete para encompridar a viagem, tão aprazível aos seus ouvidos e conhecimentos daquela revelação: os bichos falavam sim...era um milagre...e transportado naquele embalo foi que se deu conta, de repente que o próximo alvo de circunlóquio seria o curral das cabras...
Aí, caladão que era, mais que depressa veio-lhe o estalo, meio gaguejante, mas bem firme:
- Oh, sô padre, o sôr num dá cunversa praqués cabrita não, ès é tudo mintiroooosa....!