Ímpetos e Alentos

"A coaptação da sua triste ineficiência humana aos vastos ciclos de atividade sideral esfriava-o. Tinha de esquecer a sua própria situação que, sendo humana, era, no entanto, ineficaz".

James Joyce - Retrato do artista quando jovem

Virgínia morreu fazem seis semanas, mas todos os dias ainda ouço os barulhos melodiosos de seus instrumentos de pintura deslizarem sobre a folha em branco. No entanto, o que mais me intriga nesse fato é que não morei com Virgínia ou mesmo tive um relacionamento de anos para estabelecermos qualquer residência juntos; não posso me esquecer também que não possuía nada fisicamente que pudesse remeter a ela. Esse foi o motivo me causou uma certa indagação durante dias – sendo mais sincero, o último pensamento foi hoje de manhã após um gole no vinho que sobrou da bebedeira do dia anterior – “eu não possuo nenhum objeto que represente ela em meu cotidiano, porém eu tenho lembranças constantes e cada gesto minucioso travado por ela em alguma atividade importante está gravado nitidamente em meu cérebro”. Comentei esse início de delírio a minha psicóloga, ela foi curta e direta na resposta: você está em processo de aceitação e superação da morte dela. Discordo. Como aceitar e superar uma morte que não compreendo e que me deixou um enigma? Pois, na noite anterior a sua morte, enquanto eu estava sentado no divã de seu boudoir a observando desenhar, ela me fitava com seus olhos castanhos de pálpebras um pouco baixas, hora fazendo alguns traços simétricos hora me encarando com um sorriso, mas em um determinado momento ela parou seus movimentos e me dissera em tom suave

– Alex, irei pintar minha Magnum Opus, mas andei pensando... quero conseguir transmitir todo o sentimento humano em uma única obra de arte. Por um único momento eu quero passar uma maior proximidade para aqueles que sentem mais do que pensam. Sinceramente, eu me submergi em alguns autores recentemente que em longos ensaios formularam em escrita uma pintura sobre a natureza. Sabe o que é isso? Eles transformaram e teorizaram a natureza em longas palavras científicas e nos deu uma concepção das leis naturais que regem esse planeta. Não obstante em criar princípios científicos, eles simplesmente nos firmaram como seres artistas, mostrando-nos que até a forma que vemos toda a natureza é uma simbologia artística. Veja só: quando eu observo esse pincel de madeira e pergunto-me “o pincel é o que sei sobre ele ou ele é algo em si?”, para exemplificar pense em uma árvore no seu jardim “ela é uma ideia do que é arvore ou realmente existe um árvore?”. Sei que tudo isso parece um pouco confuso, mas uma vez Kant disse que a coisa em si jamais pode ser verdadeiramente conhecida. Dessa forma, nós seres humanos interpretamos enquanto indivíduos com nossos mundos internos repleto de experiências esse mundo externo. Entendido essa parte, quero conseguir transmitir algo ao ponto de todos sentirem a mesma sensação, uma uniformidade nessa arte... quero chegar ao ponto de todos enxergarem a si mesmo enquanto humanos, olharem o quanto eles são os criadores da própria realidade, das bondades aos males do ser mais injustiçado da civilização.

Falta terminar.

Breno Aurélio
Enviado por Breno Aurélio em 03/12/2019
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