Rua Vinte e Dois

O som abafado da chuva se mistura com o tão pesado choro de uma desesperada mãe, que não se deixaria ser consolada por qualquer um que estivesse naquela sala de estar. Em uma mistura de emoções, todos os parentes simplesmente não acreditam no que aconteceu. Uma trágica tragédia, misteriosa como nunca, pairava sobre a pequena cidade de Tupiraí. A mãe simplesmente não conseguia acreditar que seu magicista havia desaparecido. Aquela casa abafada comportava quase todos os membros da família. Tios e tias, irmãos e irmãs, primos e primas permaneciam no lar, dando o apoio necessário para Carla, que desabava como uma chuva de verão.

Concentrados na sala, não podiam perceber a presença de um choro tímido, tentando ser escondido. Sentado nos degraus da escada de madeira rangente, um rapazote, no auge de sua adolescência, se lembra de tempos mais simples.

Correndo pela rua, atrás do pequenino, o mais velho gargalha ferozmente, enquanto sua mãe observa ao longe, do portão. A felicidade é aparente em seus rostos, e nunca poderiam imaginar o horror que um dia pairaria sobre suas vidas. Em um piscar, o futuro desaparece e nada mais é certo. Aquele garotinho, apaixonado por mágica, voltava de mais um dia letivo, quando já não foi mais possível, ouvir o som de seus sorrisos. Que desastre outrora caiu sobre essa família.

Cidade Nova, fora este o local em que o magicista foi visto por último. O rapazote sabia disso, tinha visto nos noticiários. Pela primeira vez na história, Tupiraí estava sendo notada por todo o país. O que é necessário para se ter atenção? Paz e amor? Tragédia e aflição? Que mundo é esse que anda na contramão? Sua mente se embaralha, não consegue entender. Como que uma catástrofe pode se tornar o símbolo da atenção?

Devaneios e devaneios atormentam a mente do adolescente, que já não se encontra mais dentro de casa. Na nova Cidade Nova, ele adentra. Seus olhos semicerrados pela densa chuva, apenas veem seu caçula correndo pacificamente, com suas suaves passadas, que mais parecia dançar do que correr. O luar passa a iluminar a noite que jazia sombria, juntamente com as estrelas que chamam por seu nome.

— Lucas, cadê você? — Elas dizem.

— Me encontre! — A voz do magicista ecoava pela mente colapsada

de Pedro, que corria intensamente pelas ruas do bairro.

Cercado por casas não-planejadas, pisando no lamacento barro sendo marcado por seus passos pesados, Pedro se apronta. Passa pelas ruas principais, entrando por becos e vias nunca antes vistas. Quem iria atrás de mim? – se perguntava.

— Lucas, cadê você!? — Elas insistiam.

— Eu tô chegando! — Gritava ao fim da rua vinte e dois,

deparando-se com um rio.

Seu olhar busca por todos os lados e sua cabeça começa a esquentar. O que é real? – se perguntava. Logo, em espasmos o chão começa a se quebrar e seus dias passam a ser contados: momentos, horas, minutos e enfim, Pedro se depara com o denso laranja jogado à várzea do rio. A chama alaranjada se apagava aos poucos, conforme se aproximava mais e mais. O fogo já não existe mais. A ferocidade da noite preenche aquela carne e o luto de quem já se foi, acaba por começar novamente.

Em seus braços, carrega o sorriso que um dia ecoou em seu coração. Rindo, bate na porta de casa e tudo se apaga. Um grito desesperado com a visão com que se depara ressoa pela cidade. O que é real? – ela se perguntava.