Horas mortas

Eu trabalhava no turno da noite na recepção de um hostel, e tudo estava calmo e silencioso naquela quarta-feira, os poucos hóspedes todos acomodados e quase nenhum ruído de tráfego vindo da rua lá fora. Eu assistia um vídeo no computador usando fones de ouvido, quando senti que havia mais alguém no recinto; ergui os olhos da tela e vi o homem, parado junto à escada que levava para os quartos do andar superior da casa. Estava de pijama, me encarando, Deus sabe lá há quanto tempo. Senti um arrepio na espinha.

- O senhor deseja alguma coisa? - Indaguei, removendo os fones de ouvido.

- Oh... desculpe... não queria perturbá-la - redarguiu ele, com um sorriso forçado. - Você parecia tão... absorta...

- Nenhum problema, já pausei o vídeo - repliquei erguendo-me, mãos apoiadas sobre o balcão da recepção.

- Eu gostaria de saber... se você não teria uma extensão para me emprestar - declinou o hóspede, num tom de quem não tinha muita certeza sobre o que estava falando. Achei-o ainda mais estranho.

- Uma extensão... uma extensão elétrica, o senhor diz? - Indaguei.

- Sim... uma extensão de uns... 3 metros, talvez - murmurou ele, pensativo.

- Bem, vou ver. Um momento - respondi.

Me abaixei para vasculhar as prateleiras debaixo do balcão. Havia algum material elétrico ali para eventualidades como aquela: adaptadores de tomada, cabos de celular, uma lanterna, pilhas, esse tipo de coisa. E uma extensão redonda com três tomadas, que provavelmente teria um comprimento maior do que o solicitado pelo hóspede. Ergui-me com ela na mão e meu coração quase parou: o homem estava praticamente encostado no balcão.

- Jesus! - Exclamei, levando a mão ao peito.

- Perdão... lhe assustei novamente! - Exclamou ele, com outro sorriso forçado, o olhar fixo.

- Aqui está - repliquei, estendendo-lhe a extensão com o braço esticado e trêmulo. - Qual o seu quarto, por favor?

- O 206 - informou, deixando cair o braço com o objeto ao longo do corpo.

- O senhor pode devolver aqui mesmo, quando sair - informei.

- Sim... com certeza. Muito obrigado, senhorita.

- Não há de quê - redargui, querendo encerrar a conversa.

O hóspede virou-se e começou a caminhar em direção às escadas. Antes de pisar no primeiro degrau, voltou-se uma última vez, e com seu horrível e característico sorriso, desejou-me boa noite. Depois, subiu lentamente para o andar superior.

Respirei fundo quando ele desapareceu, e, pelo resto do meu turno, não me atrevi a recolocar os fones de ouvido. Aquela aparição me dera nos nervos.

Quando minha colega do turno da manhã chegou, para me render, contei-lhe sobre o acontecido e alertei sobre o empréstimo do objeto.

- Se ele pedir para fechar a conta, não esqueça de cobrar a devolução.

E fui embora para casa, dormir um pouco.

Na noite do dia seguinte, novamente meu turno, a primeira coisa que fiz foi perguntar sobre a extensão. A recepcionista do turno da tarde, que estava de saída, me deu um olhar estranho.

- Ah, então foi você?

- Eu o quê? - Retruquei, mãos nas cadeiras, já imaginando que o hóspede não havia devolvido o objeto como prometera.

- O gerente disse à polícia que parecia ser a nossa extensão, mas que não tinha certeza...

- Polícia?! - Exclamei, estupefata.

Foi só então que ela me esclareceu o ocorrido.

- Aquele cara, do 206... ele se enforcou.

- [12-11-2019]