Filho da dor - fragmento 2

Este é um fragmento do livro "Filho da dor", uma releitura aterrorizante do folclore brasileiro e da mitologia indígena, ambientada numa sombria Floresta Amazônica.

Só lembrava de estar correndo, atravessando as mãos na relva em frente, perfurando a floresta negra apavorado, correndo de algo. Algo grande, maior que ele. Trombava em árvores como se estivesse dopado, vendo turvo as folhagens a diante, afundando seu pé a cada passo que dava. A floresta estava gemendo, espreguiçava, quanto mais corria mais ela se agarrava a ele, o barro em seus pés afundava e podia jurar que eram pequenas mãos de graxa negra comendo sua perna enquanto raízes aéreas o seguravam e sufocavam pela garganta. Escutava o trombar de um animal atrás dele, tentou acalmar sua respiração pesada, percebendo que ao parar de movimentar a natureza dava uma trégua — Eu te peguei — soava como uma criança, mas eram várias vozes em uma. Tomado pelo terror tentou se desvencilhar, correu alguns metros ao som da risada da fera e caiu numa campina, tropeçando no escuro. A luz do luar era mais forte, mas era como se estivesse num círculo cercado de sombras intransponíveis, no centro havia uma árvore, muito larga e muito grande, estava tão tonto que apenas caiu no chão apontando para a imensidão que não conseguia medir. Colocou a testa no barro frio, apalpando rochas e raízes para se levantar, fez esforço para pôr-se de pé, mas algo estava nas suas costas —Ela vai te queimar vivo agora— avisaram as crianças.