A musa inspiradora
O homem encapuzado atravessou dois prédios, e caiu sobre um carro, cujos vidros estilhaçaram-se e cujos pneus estouraram. Uma mulher de longos cabelos brancos presos com uma tiara dourada, embrulhada em um colante prateado reluzente, surgiu do céu, desceu sobre o carro, e estudou o corpo que ali caíra uma fração de segundo antes.
Dentre as pessoas que compunham a multidão, uma se destacou, fascinada com a beleza da mulher, e clamou, eufórica:
- A Mulher de Prata!
Ouviu-se um prolongado “Oooh” misto de admiração e espanto.
A Mulher de Prata inclinou-se para a frente, segurou, pelo pescoço, o homem encapuzado, ergueu-o como se erguesse uma folha de papel, manteve-o suspenso, elevou-se no ar, como se flutuasse, e, como um raio, desapareceu, deixando atrás de si um rastro de luz prateada.
Dispersou-se a multidão.
Na manhã seguinte, os principais jornais do país estamparam, na primeira página, a foto da estupenda Mulher de Prata.
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O relato que se leu nas linhas anteriores é a síntese da cena final de uma história em quadrinhos de super-heróis, cujo autor – também o criador dos personagens, o roteirista e o desenhista - era um jovem de vinte anos, Josué Souza de Lima e Silva, apaixonado por histórias em quadrinhos, sendo as de super-heróis americanos as suas prediletas. Ambicioso, almejava criar os mais famosos super-heróis do Brasil. Não carecia de talento. E todos os que conheciam o seu trabalho anteviam-lhe uma carreira bem-sucedida.
Josué desenha desde os cinco anos. Cursou escolas de artes e estudou as obras dos célebres mestres da pintura; com mais dedicação, as de Michelângelo, Leonardo da Vinci, Goya e Caravaggio, os gênios que ele mais admirava. Idolatrava-os. Reverenciava-os.
Gosta de desenhar corpos humanos. Não se interessa pela pintura moderna, concentrada, segundo Josué, em figuras geométricas, cenários esvaecidos, e obcecada por manchas e borrões. Reproduziu, a partir de fotos publicadas em revistas de arte, as pinturas: de Botticelli, A Primavera e O Nascimento de Vênus; de da Vinci, a Dama do Arminho; de Tiziano, Vênus de Urbino; de Rubens, O Rapto das Filhas de Leucipo, As Três Graças, Diana e Suas Ninfas Surpreendidas pelos Sátiros; de Rembrandt, A Lição de Anatomia do Doutor Tulp; de Boucher, Diana Saindo do Banho; de Murillo, Menino Despiolhando-se; de Goya, Maja Desnuda; de Ingres, O Banho Turco; e dezenas de outras pinturas.
A partir de fotos, reproduziu, em desenhos, de vários ângulos, as esculturas que mais o encantam: Poseidon do Cabo Artemision; Discóbolo; Apolo Sauróctono; Suicídio de Gálata; As três Graças; O Bom Pastor; Davi (o de Michelângelo e o de Bernini); Pietá; Moisés; O Gênio da Vitória; O Rapto das Sabinas; O Gigante dos Apeninos; Persepo; Êxtase de Santa Teresa; Apolo e Dafne; O Rapto de Perséfone; Cupido e Psiquis.
As mulheres representadas por alguns dos gênios da pintura não desagradam Josué; embora não correspondam ao seu ideal de beleza feminina, servem de contrapeso ao ideal de beleza feminina difundido pelos estilistas e pela mídia. O rosto da Dama do Arminho encanta-o sobremaneira. Deslumbra-o. Fascinam-no o seu sorriso cativante e o seu olhar celestial, mais, até, do que o sorriso enigmático de Gioconda. Transportaram-no para além da matéria a moça sorridente de Os Felizes Azares do Balouço e as duas meninas angelicais de As Filhas do Pintor Caçando Uma Borboleta. O rosto da Conceição do Escorial, o mais encantador, mais belo de quantos Josué jamais presenciou, fá-lo transcender aos céus, a crer nos poderes celestiais, e confere-lhe paz de espírito. Josué recortou uma reprodução desse belíssimo quadro de Murillo, emoldurou-o, e conserva-o, à parede, no seu estúdio, diante de seus olhos, e admira-o, todos os dias. Tal quadro tem o poder de inspirar-lhe belas personagens e histórias fascinantes.
O ideal de beleza feminina de Josué é um composto do rosto da Conceição do Escorial e do sorriso da Dama do Arminho. E o corpo? Os das mulheres de Goya, Ingres, Rubens, Honthorst, Tintoreto, Tiziano e Botticelli não correspondem ao seu ideal de beleza feminina, que não é o grego, nem o renascentista, tampouco o das passarelas dos desfiles de modas e o das capas de revistas e o das novelas e o do cinema.
Além de estudar os gênios da pintura, Josué estudou modelos vivos e os criativos traços de Will Eisner, Earl Norem, John Buscema, Neal Adams, Frank Cho, Milo Manara, Barry Windsor-Smith, Collonese, Alex Ross, John Byrne, Bryan Hitch, Hal Foster, Ivan Reis, Winsor McCay, Ed Benes e Serpieri. Possui vários gigabytes de memória com desenhos dos seus artistas e personagens prediletos.
Para criar a Mulher de Prata Josué buscou inspiração em modelos, atrizes, atletas e nas mulheres que conhece, mas nenhuma delas correspondeu ao seu ideal de beleza feminina. Das mulheres desenhadas pelos melhores desenhistas, Josué, para a concepção de Mulher de Prata, extraiu, das mulheres desenhadas por Manara, os lábios; das desenhadas por John Buscema, o busto; das desenhadas por John Byrne, as pernas; das desenhadas por Frank Cho, os quadris; das desenhadas por Collonese, os olhos; das desenhadas por Hitch, o nariz; das desenhadas por Ivan Reis, os cabelos. O conjunto, entretanto, não o agradou.
Josué acreditava que jamais encontraria uma mulher que correspondesse ao seu ideal de beleza feminina; para a sua surpresa, encontrou-a: Uma prodigiosa morena cor de jambo de pernas compridas, coxas firmes e busto bem feito. Atraído por tão extraordinária formosura, Josué andou na direção dela. Ela entrou em uma banca de jornais. Pouco depois, retirou-se, e passou por Josué, que andava em sua direção, e dele se afastou.
Josué desejava segui-la, queria falar-lhe, mas sua língua petrificou-se e seus pés enterraram-se no chão.
Recompôs-se assim que a lindíssima moça dobrou a esquina. Sua cabeça era um turbilhão caótico de pensamentos desordenados. Andou, lentamente, para a sua casa. Iria, no dia seguinte, andar pelas proximidades da banca de jornais, para, se a sorte o favorecesse, encontrar a bela morena.
Em seu estúdio, eufórico, inspirado, concebeu dezenas de personagens para as suas estórias de super-heróis. Sem perceber, emprestou ao rosto da Mulher de Prata as feições da bela jovem que havia admirado.
Nos dias seguintes, caminhou pelas ruas próximas da qual encontrara a bela morena. Foi à banca comprar gibis. Assim que conquistou a simpatia da mulher que lá trabalha, perguntou-lhe da bela morena, mas ela não a conhecia.
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Mulher de Prata, com uma rajada de energia cósmica, anulou o campo de força que protegia o Homem-Molécula, que, numa velocidade surpreendente, atacou-a pela retaguarda, e arremessou-a contra um prédio. Mulher de Prata atravessou-o, recompôs-se imediatamente e, antes que o Homem-Molécula percebesse o que se passava, envolveu-o em um estreito abraço, e disparou, pelas mãos, gás tóxico, que o pôs desacordado. Ato contínuo, conduziu-o à prisão especial para super-vilões, na ilha artificial AA-35 - na qual encarceraram em uma cela dotada de mecanismos que lhe anulavam os poderes -, e rumou para a sua casa. Pouco depois, desfazendo-se da vestimenta prateada e da tiara dourada, assumiu a sua identidade original, Karen Sylvia Rodrigues Lacerda, astrofísica de renome internacional.
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Os leitores da revista Mulher de Prata notaram que Karen Sylvia Rodrigues Lacerda e Mulher de Prata, nas duas edições mais recentes de Mulher de Prata, foi representada com características físicas distintas das originais, e de Josué exigiram explicações a respeito. Por que o cabelo de Karen não é mais branco? Por que ela está um pouco menor? Por que ela está mais esbelta? Por que suas sobrancelhas estão mais finas e menos arqueadas? Por que seu pescoço está mais curto? Por que suas coxas estão mais grossas? Por que sua cintura está mais fina? Por que seus lábios estão mais carnudos? Por que as maçãs de seu rosto estão maiores? Por que seu rosto está mais arredondado? Por que seus pés e suas mãos estão menores? Por que seus quadris estão mais largos? Por que seus cabelos estão mais compridos? Por que suas nádegas estão maiores? Por que seus peitos estão menores e mais empinados? Os leitores não admitiram tergiversações. Josué teve de dar as devidas explicações. Ele percebeu que não era coincidência que a elevação das vendas do gibi Mulher de Prata dava-se na proporção com que Karen (Mulher de Prata) assumia as feições e o tipo físico da bela morena que o fascinara. Ao perceber isso, insistiu nas mudanças da figura da personagem, e tais mudanças mereciam uma explicação plausível. E ele a deu, nas aventuras, e agradou aos leitores; os mais exigentes não a engoliram - desconfiavam que havia outras razões, inconfessadas, por trás das rápidas mudanças no aspecto físico de Karen (Mulher de Prata).
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Durante uma batalha com a Rainha das Trevas - feiticeira demoníaca que assolava, havia dias, com seu poder hipnótico, a cidade de São Paulo -, Mulher de Prata, acometida de uma síncope, retirou-se de São Paulo, e voou, por duas horas, até o laboratório do doutor Abdul, localizado em Hyderabad, Índia. Assim que o doutor Abdul saudou-a “Karen, que prazer em revê-la.”, ela se lhe largou aos braços. O doutor Abdul conduziu-a, imediatamente, à câmara tonificante. Ao recompor-se, Karen dele ouviu as explicações concernentes à síncope que a acometera: Karen sofrera modificações em sua estrutura genética, decorrentes, suspeitava o doutor Abdul, de alterações, provocadas por raios cósmicos, na composição da atmosfera terrestre.
- Norrin Radd nunca enfrentou problemas similares - comentou Karen, bem-humorada.
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Mulher de Prata fazia mais sucesso à medida que Josué modificava-lhe a figura. A sua nova aparência agradou ao público masculino, que correspondia a noventa e cinco por cento dos leitores da revista.
Certo dia, Josué vislumbrou a bela morena, em meio à multidão, na praça Central. Acelerou os passos. Controlando a ansiedade, que o avassalava, perguntou-lhe o nome: Jussara. Dias depois, convidou-a para trabalhar com ele, como modelo das personagens das suas revistas em quadrinhos. Jussara hesitou. Aceitaria ou não o convite? Ela conhecia o gibi da Mulher de Prata e admirava Josué, mas receava expor-se.
Josué, com sua lábia irresistível, convenceu-a a trabalhar para ele.
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Em Júpiter, Mulher de Prata entrou em colapso. Fragmentou-se em milhões de partículas minúsculas. Poucas horas depois, seu corpo recompôs-se, maior do que antes. Mulher de Prata sentia-se mais poderosa. Seus cabelos estavam pretos; sua pele, morena. Com fúria incontida, rumou, à velocidade da luz, à esquadra dos kxwys, povo guerreiro oriundo de Andrômeda, destroçou-a, e evitou a destruição da Terra.
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Esta saga, cujo título era A Fênix de Prata, estendeu-se por quatro edições da revista Mulher de Prata, que, ao final da saga, teve o seu título modificado para Fênix de Prata. O sucesso, estrondoso. E as comparações com Jean Grey e a Saga da Fênix foram inevitáveis, e as perguntas a respeito das semelhanças entre as duas sagas, incontornáveis. Josué, não podendo esquivar-se delas, apontou as dessemelhanças entre as duas personagens e as duas sagas. Karen Sylvia Rodrigues Lacerda não era uma mutante; não integrava nenhum grupo de super-heróis; os seus poderes provinham das forças cósmicas; não tinha poderes telecinéticos; e não morreu: seu corpo dissipou-se - os átomos que o compunham desagruparam-se e, ao reagruparem-se, deram-lhe outra forma. E, o mais relevante, Fênix de Prata não sucumbiu ao seu lado negro, que, aliás, não possuía.
Alguns leitores compararam Fênix de Prata, no que diz respeito a altivez, à Lara Croft. Outros diziam que Karen Sylvia é tão bela quanto Sara Pezzini. Não foram poucas as comparações feitas entre Karen e Druuna, Sonja, Ororo, Wanda Maximoff, Elektra, Diana Price, Jessica Drew, Jeniffer Walters, Dinah Laurel Lance, Felícia Hardy, Selina Kyle e Mary Jane. Qual delas é a mais bonita? O site ***.com promoveu concurso para eleger a mulher mais bonita dos quadrinhos. O resultado foi surpreendente: Karen Sylvia Rodrigues Lacerda e Fênix de Prata, o seu alter-ego, desbancaram as belíssimas Felícia Hardy, segunda colocada; Diana Price, terceira; Lara Croft, quarta; e Sara Pezzini, quinta.
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Amazonas.
Iaci, a moça-lua, embrenhou-se na floresta, no encalço de um contrabandista de animais, que, certo de que das garras dela não escaparia, deteve-se, revólver em punho, e virou-se para a direção da qual, acreditava ele, Iaci dele aproximava-se, premiu o gatilho, e disparou. O projétil riscou o ar, e foi alojar-se em uma sumaumeira. O estrondo ecoou pela floresta. Pássaros voaram, aterrorizados. O contrabandista, olhar assustado, olhos arregalados, coberto de suor, as mãos trêmulas, mal conseguindo segurar o revólver, olhava em todas as direções à procura de Iaci. Um vulto passou à sua direita, atraindo-lhe a atenção. O contrabandista premiu o gatilho. O projétil alojou-se em um galho de uma árvore pequena. Assustado, o contrabandista esgoelava-se. Descarregou o revólver. No momento em que premiu o gatilho, e ouviu-se um estalo surdo, Iaci apareceu à frente dele, como um espírito fantasmagórico, de olhar severo, cravou-lhe as unhas afiadas no peito esquerdo, e arrancou-lhe o coração. O contrabandista tombou, pesadamente, no chão juncado de folhas e de insetos. Os insetos devoraram-no. Iaci abraçou uma árvore, e desapareceu.
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Com o sucesso de Fênix de Prata, Josué criou outras personagens, todas inspiradas em Jussara, e lançou, com sucesso, outros títulos de revistas em quadrinhos. O número um de Iaci, a moça-lua, vendeu, em uma semana, cinquenta mil exemplares. E a primeira saga, concluída na edição 7, vendeu, em média, cada edição, duzentos e vinte mil exemplares.
Josué assinou contrato com um estúdio de animação para produzir dois longa-metragens, um protagonizado por Fênix de Prata; o outro, por Iaci, a moça-lua. Para cada longa, o estúdio comprometeu-se a investir vinte milhões de reais.
Os leitores de Fênix de Prata e Iaci, a moça-lua, perguntavam a Josué quem era a sua musa inspiradora. Josué sonegava-lhes informações. Com o lançamento de outros dois gibis, A Maravilha de Júpiter e Diamante, ambos de autoria de Josué, cujas protagonistas eram mulheres belíssimas, os leitores intensificaram o assédio. Quem era a musa inspiradora de Josué? A protagonista de A Maravilha de Júpiter, Diana, era uma jupiteriana de quatro metros de altura e cabelos avermelhados; e a de Diamante, Laurën, usava uma vestimenta ultra-resistente munida de armamentos dotados de inteligência artificial. Os leitores mais atentos notaram que Diana e Laurën tinham muitas semelhanças físicas com Iaci e Karen, e exigiram crossovers entre as personagens. Josué prometeu uma saga com as suas quatro principais personagens, mas não estabeleceu um prazo para a publicação. Mãos à obra, deu início à concepção da saga Matéria Escura, na qual apresentaria atuais conceitos sobre multiuniverso, viagem através do tempo, passagens interdimensionais, extravagantes concepções do nascimento e da morte e teorias sobre múltiplas personalidades. Nos quatro títulos de sua editora, Josué, como preâmbulo para Matéria Escura, criou uma trama extraordinariamente complexa na qual interligavam-se as aventuras de Iaci, Fênix de Prata, Diamante e Maravilha de Júpiter. Dezenas de outras personagens, todas concebidas por Josué, foram introduzidas neste universo. Uma delas, Superpoderosa, de coadjuvante logo passaria a protagonizar as suas próprias aventuras em sua própria revista.
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Para a felicidade dos fãs, o primeiro número de Matéria Escura chegou às bancas de todo o país. Foram vendidos cinquenta mil exemplares em quatro horas. Três novas tiragens foram impressas nas duas semanas seguintes. Cada uma com cem mil exemplares. Em dois meses, esgotou-se a décima quinta tiragem, perfazendo dois milhões e quinhentos mil exemplares vendidos.
No número um, no primeiro capítulo, quatro vilões e Fênix de Prata digladiam-se; no segundo capítulo, Superpoderosa depara-se com distúrbios sociais provocados por um fanático religioso de talentos hipnóticos; no terceiro capítulo, Diamante enfrenta uma criatura incorpórea composta de matéria desconhecida; no quarto capítulo, Diana regressa a Júpiter para evitar o extermínio dos jupiterianos, cujas cidades estavam sendo arrasadas por fenômenos desconhecidos; e no quinto capítulo, Iaci enfrenta criaturas compostas de elementos desconhecidos, mas tão fabulosos, tão extraordinários, que passaram por sobrenaturais.
A saga Matéria Escura estendeu-se por quinze edições, cada uma com cento e cinquenta páginas; as dez primeiras edições estão divididas em cinco capítulos; da décima primeira edição em diante - todas as cinco personagens (Iaci, Maravilha de Júpiter, Fênix de Prata, Diamante, Superpoderosa) atuam em grupo -, cada edição compõe-se de um capítulo. Na edição final dá-se o derradeiro confronto entre super-heróis e super-vilões. Os leitores acompanharam, com interesse, encantados, o desenrolar da magnífica saga, e surpreenderam-se com as revelações, as reviravoltas, a violência explícita, o erotismo e a sensualidade intensas.
E Superpoderosa sobrepujou todas as outras personagens, assumiu o primeiro plano, e converteu-se na personagem central da trama.
O sucesso de Matéria Escura foi retumbante. A saga, revolucionária. Josué Souza de Lima e Silva amealhou todos os principais prêmios distribuídos pela Academia dos Quadrinistas: Melhor roteiro, melhor desenhista, melhor saga, melhor arco de estórias, melhor arte-finalista, melhor colorista, melhor capa, melhor super-herói, melhor super-heroína, melhor super-vilão, melhor super-vilã, melhor roteiro original, melhor concepção artística de personagens, melhor concepção de cenário original e melhor personagem coadjuvante.
Os leitores desejavam, agora mais do que nunca, conhecer a musa inspiradora de Josué.
- Vocês querem saber quem é a minha musa inspiradora? - perguntou Josué, em uma noite de autógrafos, no pátio da sua editora, para os seus fãs alvoroçados. - Vocês querem conversar com ela? Daqui uma semana darei a resposta para vocês.
Ouviram-se assobios altissonantes.
Assim que chegou na sua casa, Josué foi tratar do assunto com Jussara. Antes de lhe falar do desejo insaciável dos seus admiradores, admirou-a, alumbrado.
- Jussara, os admiradores da Superpoderosa, da Iaci, da Fênix de Prata, da Maravilha de Júpiter e da Diamante querem te conhecer - disse Josué, com voz suave, tímido, silabando as palavras. Ele vivia um drama inconcebível para o comum dos mortais. - Eles querem que eu te apresente para eles. Não podemos ignorá-los. Eles merecem te conhecer. Nosso sucesso se deve aos leitores dos gibis. Eles adoram a Fênix de Prata. Eles adoram a Maravilha de Júpiter. Eles adoram a Iaci. Eles adoram a Diamante. Eles adoram a Superpoderosa. A paixão dos leitores pela Superpoderosa é maior do que a que sentem pela Laurën, pela Iaci, pela Karen e pela Diana. A Superpoderosa é o teu retrato. Iaci, Karen, Diana e Laurën são inspiradas em ti. A Superpoderosa, não. A Superpoderosa és tu. E os admiradores dela desejam te conhecer. E merecem te conhecer, afinal eles fizeram a nossa fortuna. Hoje possuímos esta casa imensa, com todo o conforto que o mundo pode oferecer, porque nossos leitores te adoram. E eles querem te conhecer - coçou o nariz, e prosseguiu: - Estou pensando em uma entrevista coletiva. O que tu achas? Ou poderemos promover uma feira de quadrinhos - interrompeu-se, atraído pelo vôo de um beija-flor, e prosseguiu: - Para os leitores, tu és uma deusa. Os leitores te reverenciam. Tu és cultuada. Tu és reverenciada. Os leitores querem te conhecer. E eles merecem te conhecer. Ficamos assim: Tu responderás à vinte perguntas. Ficarás, durante duas horas, à disposição dos nossos admiradores. Na feira de quadrinhos haverá debates, palestras, apresentações de vídeos sobre os novos projetos da editora. E programarei a entrevista para o último dia do evento.
Na manhã seguinte, Josué reuniu promotores de eventos, comunicou as emissoras de televisão e editoras de jornais e revistas sobre a feira de quadrinhos e a entrevista coletiva que Jussara concederia, e deu a notícia no site oficial da sua editora.
Na inauguração, esgotaram-se os ingressos em quarenta minutos. O evento, concorrido, atraiu a atenção de profissionais da área artística, em especial de roteiristas e desenhistas de revistas em quadrinhos, e de apreciadores da nona arte. Os admiradores de Fênix de Prata, Iaci, Diamante, Maravilha de Júpiter e Superpoderosa lotaram a sala especialmente preparada para a entrevista com Jussara.
O organizador do evento, Silvio Ulisses Riachuelo, popular entre leitores de revistas em quadrinhos, apreciadores de games e rpg, fez, eufórico, o discurso de recepção a Jussara e a Josué Souza de Lima e Silva.
- Hoje é o grande dia! Hoje, o dia em que o mundo conhecerá a musa inspiradora de Josué. Jamais o mundo conheceu mulher tão bela. Nem os antigos gregos, gênios da beleza, nem os romanos, nem os nórdicos, nenhum povo antigo, jamais conheceu tão imensa maravilha. Esqueçam Angelina Jolie! Esqueçam Brigitte Bardot! Esqueçam Marylin Monroe! Esqueçam a garota de Ipanema! Esqueçam Cleópatra! Esqueçam Aishwarya Rai! Esqueçam Aki Ross! Esqueçam Jessica Rabbit! Esqueçam Jasmin! Esqueçam Betty Boop! Esqueçam as sereias! Esqueçam as deusas do Olimpo! Esqueçam as deusas de Asgard! Esqueçam Mary Jane! Esqueçam Lara Croft! Esqueçam Gong Li! Esqueçam as deusas de Hollywood! Esqueçam as deusas de Bollywood! Lembrem-se da deusa, a deusa suprema, a musa inspiradora de Josué.
Abafaram-lhe a voz ovações ensurdecedoras. Abalaram a estrutura do prédio os aplausos estrondosos. Silvio pediu silêncio; assim que o silêncio foi restabelecido, retomou o seu discurso inflamado:
- Meus amigos! Minhas amigas! Hoje teremos o prazer de conhecer a musa inspiradora de Josué, o nosso querido Josué, que nos ofereceu, com as suas brilhantes sagas quadrinísticas, horas e horas e horas de alegria e prazer. Pudemos sonhar com a Fênix de Prata, com Iaci, a moça-lua, com Diamante, com a Maravilha de Júpiter, e com a Superpoderosa. Daqui a pouco, conheceremos a musa inspiradora de Josué, nosso querido Josué, o gênio brasileiro dos quadrinhos. Paciência, amigos impacientes. Paciência. Tenham um pouco de paciência, meus amigos. Logo, logo, admiraremos a musa inspiradora de Josué.
O público berrava. Por mais de cinco intermináveis minutos, Silvio mal pôde proferir uma palavra, e as que proferiu ninguém as ouviu. Insistiu em pedir silêncio; enfim, teve êxito. E ele prosseguiu:
- Chegou, meus queridos amigos, o momento pelo qual todos ansiávamos. Com vocês, para a felicidade geral da nação, Josué e a sua musa inspiradora!
Elevaram-se à alturas que vozes humanas jamais alcançaram os gritos altissonantes. Apagaram-se as luzes, e um cone de luz foi projetado no centro do palco, iluminando Josué e a sua musa inspiradora. Silêncio opressivo tomou conta de todos, que, estupefatos, surpreendidos pela fascinante aparição, emudecidos, perguntavam-se:
- Por que Josué está abraçado a um bloco de mármore?