Memória
1/6/2019
A cadeira estava disposta em um ângulo conhecido, diário. O sol morno batia já às cinco horas, horário comum, luzia um turbilhão de cores, todos avermelhando-se no horizonte, num ritmo planetário, mostrando que tudo se movia e nada poderia ser parado, trazendo logo mais a noite, as estrelas, a constelação de Orion, e cintilante Betelgeuse! Como era agradável ver essa constelação.
- Já está sentada aí? Gosto de chegar e encontrar você pronta! – dizia sempre Lino.
Dinah apenas sorria para ele, com o corpo todo. Ela nem fazia menção de falar, já que era ele que ia contar como foi o dia na escola, menino esperto que adorava estudar! Estudava de tudo, porém, quando era para falar de coisas que eram mágicas, como as ciências, ele queria contar tudo!
- Aquelas três que a gente chama de “Marias”, são o cinturão de Orion, Dinah!
Dinah só queria ouvir seu primeiro amor. Sim, Lino era seu primeiro amor. Eles eram vizinhos, e ela adorava passar um tempão com ele, cada um de um lado do muro, até a hora de dormir, já que estava tarde demais para ficar na rua sozinhos.
Ah, ela passaria a vida toda ouvindo seu amor.
Nesse instante ela começou a chorar levemente, pois não podia fazer muita coisa além de deixar as lágrimas caírem, mesmo que seu sorriso não se desse modificado. Estava triste.
Havia um som que tilintava e reverberava, alguém o interrompeu e pôs-se a falar:
- Está na varanda. Pronta. Sim, banhei e vesti. Ah, que pena.
Som de click.
A mesma voz:
- Dinah, que é isso? – toalha no olho, Lino fica indignado:
- Volte aqui, onde você vai?
- Acalme-se, Lino não vem hoje, Linah não poderá trazer seu marido! - A velha senhora se chacoalha respirando ofegante, na cadeira de rodas. – Vamos trocar de roupa. Vamos dormir. Acalme-se.
Lino grita:
-Mas ainda não deu a hora de dormir, Dinah, volte aqui! Vou me casar com você!
Ele ficava na varanda, mas na verdade, era uma despedida. Uma despedida de memória. Logo, a enfermeira falava com ela, já nos trajes de dormir:
- Seja boazinha e beba, para poder dormir calma e esperar sua família na semana que vem, D Dinah! – mas ela não era uma senhora, e as saudades que apertavam-na tinham formas de laços cor-de-rosa no cabelo, som de risos, um despertar concreto, uma memória de uma promessa:
- Vou casar com você!
(texto de "Obra Perturbadora 2")