A Besta na Janela

A Besta está lá fora.

Está esperando o meu descuido, para que ela me pegue assim que eu sair de casa, e me ataque. Não vou sair para a rua. A Besta também poderia entrar se quisesse. Mas não o faz, fica sentada na sombra de uma árvore, me esperando. Vigiando.

“Se você não se comportar, a Besta vai te pegar! ”

Da janela, eu a posso ver, com os dentes pontudos, esperando eu colocar o pé para o outro lado da porta. Fiapos de baba escorrem pelo canto da sua boca. Seus olhos enormes com um brilho amarelo, sobre o seu focinho peludo. Farejando meu medo no ar.

“Menino mau, Jamie!”

Ainda ouço a sua voz, me assustando mamãe. Depois de tanto tempo…

A Besta continuava lá… Passavam dias e noites, mas ela continuava lá. Embaixo da mesma árvore. À espreita.

Durante a noite é pior, seus olhos brilham no escuro.

— A senhora fica aí sentada, sem fazer nada, enquanto a Besta está lá fora, esperando para me pegar. Desde que eu era criança.

Ouvi o som de um rosnado. Era o som que ela fazia quando estava com fome. Rosnava e arregaçava a sua bocarra, faminto.

— Nunca fui um menino mau! – disse ainda segurando o martelo — Mas a Besta quer me pegar.

— Deixe a mamãe levantar, Jamie! – disse a senhora ontem.

A Senhora estava esperando o papai chegar, mas eu sei… Eu sei, que ele foi pego pela Besta. Eu a vejo pela janela, com seus pelos e patas sujas de sangue.

Já estava anoitecendo, e Ela continuava lá. Um brilho assassino nos seus olhos.

A Besta me acompanha para cada lado que eu vá. A vejo me seguindo pela movimentação na janela. Se eu a vejo parada na rua, então também posso ser visto dentro de casa.

Caminhei até a janela, de onde a avistava se aproximando da vidraça. Baixei a cortina para não vê-la. Não passei a chave na porta. Ela nunca tentou entrar de casa, nem quando eu era criança, nem mesmo agora depois de adulto. Mas poderia entrar, com suas garras e patas ensanguentadas, se assim desejasse.

Não vou apagar as luzes. Vai ficar uma luminária na janela, para que Ela saiba que não baixei a minha guarda.

Fui até a mesa onde mamãe estava sentada, imóvel, a cabeça pendendo para baixo.

“Jamie, você não presta!” – ela havia gritado comigo aquela vez, quando criança — Menino malvado! A Besta vai vir buscar você!”

E assim, me arrastou até o velho armário, no fundo do porão escuro. Fechou a porta comigo lá dentro, rindo do meu desespero, e chaveou. Sufocado, com falta de ar, assim mesmo a senhora ria do meu desespero, e não abriu a porta. Me assustava, contando histórias sobre a Besta, que arrancava os pedaços das crianças malvadas, para me apavorar ainda mais.

— Mas a Besta não vai me pegar, mamãe! — gritei — Eu quem vou acertar ela!

Ouvi ao longe o barulho de um carro chegando. Estava passando pelo portão da fazenda. O ronco do motor se aproximava e logo estacionou ao lado da árvore. A Besta o pegaria.

O suor frio escorria no meu rosto e na minha nuca, grudando a camisa no meu corpo. Eu ofegava segurando o martelo, sentindo os nós dos meus dedos doerem.

“A Besta vai comer os meninos maus, que maltratam os animais!” – dizia mamãe, enquanto juntava os pedaços do coelho espalhados no celeiro. Mas ela nunca me deixou ter amigos ou brincar com as crianças das fazendas vizinhas.

— Anne! Venha depressa! – gritou meu pai, ouvia seus passos correndo lá fora. — Eles já estão chegando!

Foi quando fui rápido até a janela, e vi através da vidraça Ela se aproximando. Sedenta.

Os meus dedos seguravam firme o cabo do martelo, meu coração batia descompassado. Cada passo que eu dava, Ela dava outro igual no outro lado da parede. Se aproximando, pronta para caçar.

Tinha certeza que atacaria meu pai antes dele entrar, e ficaria espreitando até o momento que a porta se abrisse.

Quando a maçaneta girou e a porta abriu lentamente, rangindo suas dobradiças enferrujadas, me escondi numa sombra atrás dela.

— Anne! – era a voz do meu pai, gritando horrorizado.

Mas não era ele quem havia entrado.

Era aquela criatura bestial. Caminhava sobre as duas pastas traseiras, estalando as tábuas do assoalho.

Parou em frente a mesa, com o peito arfando, olhando para a minha mãe.

— Oh! O que foi que fizeram com você?

A Besta estava com sangue escorrendo nas suas patas, na sua pelagem reluzente.

Mas antes que a criatura concluísse seus pensamentos, saltei do meu esconderijo segurando o martelo. Urrando como um lobo, golpeei a Besta na sua cabeça, fazendo com que caísse no chão.

Sentia no meu corpo os efeitos da adrenalina descarregada pelas minhas glândulas suprarrenais. Ainda urrando, segurava o martelo ensanguentado, que deslizava entre os dedos.

A Besta zonza com o primeiro golpe, remexia-se no assoalho enquanto subi sobre ela. Cada golpe desferido, fazia esguichar jatos mornos e viscosos de sangue nas paredes e na minha roupa, sujando-a ainda mais.

De repente, braços me seguraram com firmeza e me puxaram com violência, fazendo com que o martelo escapasse das minhas mãos mãos e caindo na soleira da porta. Tentei me safar, mas meus sapatos escorregavam, na poça de sangue que estava formada no chão, banhando-me ainda mais naquele lago brilhante e vermelho.

Extasiado por matar mais uma besta, não ouvi o som do outro veículo que chegou lá fora.

— O senhor e a senhora Freeman estão mortos! – falou um velho com roupas brancas. — Vou chamar a polícia!

Rosnando como um lobo furioso, tentava me soltar, mas era preso nos braços por dois homens vestidos de branco.

— A Besta está lá fora! – gritei.

— Acalme-se, Jamie! – falou o velho – Tudo ficará bem! Você será levado novamente para o sanatório de onde fugiu! O Sr. Freeman foi nos avisar assim que você apareceu aqui na fazenda…

— A Besta estava lá fora! – eu tentei falar, mas que diabos, aqueles branquelos não me ouviam – Ela entrou… eram duas… e tinha outra, que ficava o tempo inteiro… Vigiando! Espreitando ferozmente… Cada vez que eu chegava na janela, a via no reflexo da vidraça…

As duas bestas estavam mortas na sala. Uma delas sentada na cadeira. Outra no assoalho, imersa em uma poça de sangue.

— Ela também foi atingida pelo martelo!– Falou o velho — Deus do Céu, que horror! – olhou com uma expressão de nojo para mim — Levem-no!

No momento que os homens iam me puxando, apertando meus braços com suas garras fortes, ouvi o velho falar um palavrão, seguido de um grito sufocado:

— Isso é repugnante! – falou enquanto erguia a cabeça da besta morta na cadeira — Que houve com a boca dela?

Abri um sorriso de orelha a orelha, orgulhoso do meu feito espetacular.

— Costurei para que ela nunca mais chamasse a Besta!!!

Os brutamontes de branco me puxaram com ainda mais força. Pareciam estar com muita raiva de mim, por eu ter liquidado com as criaturas bestiais.

Enquanto eu ia sendo carregado, passei em frente a janela.

A Besta ainda estava lá, ávida. A vi pelo reflexo do vidro, segurada nos braços pelos homens brancos.

Rosnava assim como eu.

No reflexo da vidraça, minha fisionomia se fundia à dela. Os pelos dela, misturavam-se com minha barba, e por instantes pareciam, formar uma criatura híbrida. Eu e a Besta éramos uma única pessoa, afinal. Era o meu instinto animal, que eu via projetado na vidraça da janela.

Apesar de os meus esforços para me safar, me enfiaram uma camisa de força, pensando que iam controlar uma besta enfurecida somente assim. Deitei na maca dentro da ambulância.

O sangue no meu corpo era pegajoso e já estava começando a secar. As amarras da camisa de força nas minhas costas, eram desconfortáveis. Mas algo ainda me trazia alento à alma…

Era o reflexo de uma besta assassina, rugindo à minha frente, refletida nos vidros da janela da ambulância.

FIM

Amigo Leitor,

Espero que tenha gostado do conto acima.

Solicito que após a leitura, deixe nos comentários o seu feedback, pois ele é muito importante para mim.

Agradeço sua visita,

Abraços!

Rangel Elesbão
Enviado por Rangel Elesbão em 13/08/2018
Código do texto: T6418418
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