O Homem da Bolsa Preta

Era tudo escuro. Uma escuridão densa e que não permitia nem o brilho das estrelas viajar pelo espaço. Então, após uma eternidade de trevas, uma partícula de luz conseguiu emergir e iluminar um pouco tudo o que havia escondido ali. A luz espalhou-se, envolveu lugares e objetos, mas ainda não tinha força para envolver permanentemente tudo o que existia. Mas as trevas tinham essa força, e usaram ela para fazer a sua vontade suprema.

Não sei dizer exatamente, mas era alguma data entre os anos de 1939 e 1940. Eu havia entrado na guerra totalmente despreparado. Acho que na segunda grande guerra ninguém realmente estava preparado. Foi assustador fazer parte daquilo tudo, ver os massacres, as explosões, a maldade humana exalando por cada poro de cada pessoa ali presente. Eu fazia parte das divisões finlandesas na época, e jamais esquecerei do que vi naqueles dias.

Eu passava maior parte do tempo em trincheiras ou nos grupos que usavam esquis para atacar. Quando jovem, acho que pelo impulso e pelo sangue quente, eu não tinha piedade dos meus inimigos. Talvez também por saber que eles eram em um número bem maior e as minhas ações ajudariam a evitar que massacrassem nossa população. Nossos soldados eram inteligentes, mas o exército sofreu no início por falta de armamentos e fardas. Praticamente tínhamos que derrubar o inimigo para utilizar as suas armas. Resistimos bravamente frente ao gigantesco número das tropas vermelhas, aproveitando as falhas presentes em suas estratégias para agir.

Foi num dia muito violento e um dos mais frios da história, que eu vi pela primeira vez aquele estranho homem. Ele usava um chapéu de aba longa que cobria parte de seu rosto, um casaco escuro e pesado, de um tecido que não sei dizer qual era. Usava luvas desse mesmo tecido e botas de cano longo. Eu estava preparando os canhões naquela manhã, e quando olhei para frente ao mirar o último deles, avistei esse homem parado bem onde eu havia ajustado a mira. Não sei dizer exatamente a quantos metros ele estava, mas parecia me olhar nos olhos fixamente, mesmo de uma distância tão grande. Ele segurava na mão direita uma bolsa preta, de algum material que parecia couro. Parecia um diplomata perdido em meio ao inferno. Será que eles haviam enviado alguém para tentar algum acordo de paz? Mas enviar alguém sozinho era loucura. Alertei todos os homens e mandei ficarem preparados para um possível ataque.

Preparei minha arma, peguei meu esqui e me aproximei de onde havia visto o homem. Quando cheguei lá, onde achava que era a posição, ele não estava mais. Olhei para os lados e vi que ele estava fora do gelo, perto de umas árvores, onde começava um bosque. Fiquei com receio de cair em uma armadilha. Fiz um sinal para meus companheiros ficarem atentos e voltarem a atenção para o bosque. Caminhei cuidadosamente, pois sabia que aquela área havia sido escolhida propositalmente e por um motivo. Não queria cair na própria armadilha.

Ao me aproximar do início do bosque, olhei para entre as árvores e o homem estava lá, me esperando. Cheguei mais perto com cautela, e ele notando meu medo, falou calmamente e com uma voz muito acolhedora:

— Meu jovem soldado, você deve vir comigo. O destino não reserva uma coisa muito boa para seu futuro.

Perguntei o que ele quis dizer com aquilo, e se não estava com medo de estar ali sozinho. Ele me respondeu com a mesma frase. Pediu-me para ir com ele e falou aquela baboseira de destino. Ao ver que não respondi nada, ele disse:

—Eu só posso te ajudar agora. Se você não vier comigo, estará perdido.

—Então acho que ficarei perdido meu caro senhor. Não lhe conheço, e mesmo que conhecesse, não sei qual o seu propósito comigo, ou se está somente louco. E tenho que honrar meu compromisso com o meu país.

O senhor pareceu ficar triste com a minha resposta. Levantou a bolsa preta e fechou os botões que haviam nela. Virou as costas e foi embora.

Estava voltando para a trincheira quando olhei para a direita e vi, a mais ou menos uns 300 metros, um destacamento do exército vermelho se aproximando por entre as árvores. Calculei que estava a uns 400 metros da trincheira, e no caminho só havia gelo. A ansiedade e o medo tomaram conta de mim. Nessas condições, o inimigo me alcançaria muito antes que eu pudesse chegar nas trincheiras. E mesmo que pudesse me aproximar, ficaria entre os tiros, pois o meu destacamento já estava a postos. Será que o velho tinha razão? O destino havia me pregado uma peça?

Corri desesperadamente, tentando ficar a esquerda para fugir dos disparos dos nossos canhões. Quando faltavam uns 100 metros, começou o bombardeio. Me joguei ao chão e coloquei as mãos sobre a cabeça, com um medo que não permitia que eu me movesse. Então olhei por baixo do braço e vi que a esperança já não adiantava mais. O exército vermelho já estava a uns 50 metros de mim, e eu estava na zona da armadilha que havíamos preparado. Lembro-me vagamente de olhar para cima e ver a última bomba caindo a uns 30 metros do meu lado direito. Depois disso, só lembro de sentir um estalo no gelo abaixo de mim, e depois de um tempo que pareceu uma eternidade, senti a água fria me envolver. Sim, eu havia caído na nossa armadilha. Escolhemos uma região de água congelada, para quando o destacamento inimigo atingisse aquela área, explodíssemos o gelo e assim nos livraríamos de todos eles de uma só vez. Só que eu entrei no grupo dos atingidos. Que ironia do destino. Lembro que olhei para cima da água e vi o rosto dos meus amigos se aproximando e tentando me retirar da água fria. O resto da história eu não lembro, peço que me desculpem. Depois do incidente, minha memória ficou igual uma peneira, só os fragmentos maiores permaneceram.

Hoje completo 98 anos. Não sei como suportei até essa idade. Meu corpo foi quase todo danificado depois de mergulhar naquela água gelada. Mas aqui estou eu para contar essa breve história até hoje. Estou inquieto, pois faz alguns dias que meu neto diz que um senhor de idade, vestindo um casaco preto, um chapéu de aba larga e carregando uma bolsa preta, veio me procurar.

Luan T Mussoi
Enviado por Luan T Mussoi em 18/03/2018
Reeditado em 22/07/2019
Código do texto: T6283927
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