Corvos

Pela janela ela via os corvos nos galhos da árvore. Eles caminhavam pela madeira de lá para cá, crocitavam e brigavam entre si. Um ou outro olhava de volta para a garota na janela. "Saiam daí!" Pensou. "Deixem a minha árvore em paz!" Tentou dizer.

Lembrou-se do dia anterior. Tinha podado as folhas, trocado as cordas do balanço, regado as plantas. Ocupara-se o dia inteiro para deixar tudo perfeito, apesar de saber que o motivo real daquele trabalho era outro.

Uma corrente de ar passeava por suas costas, gelando os seus pulmões, e ela sentiu um certo incômodo na garganta.

O resto do finalzinho da tarde se passou. Depois de horas, não soube dizer quantas, o sol se pôs e o céu ficou vermelho por uns minutos até que as estrelas dessem as caras. A moça não se moveu. Lembrou-se de anos atrás, quando era criança e brincava à sombra da árvore até que ela desaparecesse junto da luz do dia.

Agora estava escuro. Via-se somente a silhueta preta da árvore. Mas, mesmo em meio ao farfalhar das folhas, escutava-se ainda o crocitar dos corvos. Algo caiu na cozinha e chamou a atenção da menina, mas ela não se virou. Não poderia. Não deixaria de vigiar sua árvore. Aquela em que agora corvos faziam a festa. Aquela que fora seu refúgio nos últimos meses.

A quantidade de pássaros agora dobrara e uma janela se escancarou para o vento em algum cômodo da casa. A corrente de ar que passava pelas suas costas ficara mais intensa por isso, gelando o resto dos seus órgãos. O incômodo no pescoço piorara e ela se lembrou de oito meses atrás, quando a tristeza apareceu e as coisas perderam o sentido.

Ela quis chorar, mas nenhuma lágrima desceu. Mais corvos apareciam a cada hora e sua árvore ficava cada vez mais cheia. Enquanto isso, a lua escorregava pelo céu e o vento invadia a casa, congelando seus ossos.

Mais corvos pousaram, mas desta vez no balanço de cordas novas. "Saiam daí!" Pensou. "Essa árvore é minha!" Tentou dizer.

A noite gélida arrastou-se devagar, mas a garota não notou. Encarava os pássaros com uma frustração inquietante. A árvore... sua árvore. Infestada por corvos sem nenhum motivo, sem o menor cuidado. "Aqueles pássaros malditos vão estragar a minha árvore", pensou. "Saiam daí!" Tentou dizer.

Lembrou-se, então, do dia em que ele partira. O dia em que tudo piorara. Sua tristeza aumentara e suas lágrimas escorreram com mais facilidade. Aquele foi o dia em que sua árvore ficou mais bonita. Foi o dia em que decidira que a tristeza é que não tinha significado. Foi o dia em que as coisas voltaram a ter sentido. Foi o dia em que comprara cordas novas para o balanço.

Quando o sol se mostrou novamente, uma mulher passou pela rua. Ao ver os pássaros, levou a mão ao rosto e fez uma careta. "Tire esses demônios daí!" Pensou a menina. "Essa árvore não é deles!" Tentou dizer.

Depois de horas, não notou quantas, um homem fardado apareceu. Saiu de dentro de uma viatura barulhenta e bateu na porta da casa. "Os corvos estão na árvore, não aqui dentro", pensou a garota. O homem, então, bateu o pé na porta e a derrubou. Mesmo assim a menina não conseguiu tirar os olhos da janela. Não conseguiu deixar de ver aquela crueldade com a sua árvore. Suas folhas, tão bem podadas, à mercê de corvos sujos e mal educados. Seu balanço, recém reformado, infestado de penas sem respeito.

"Vá tirá-los de lá!" Pensou. "Aquela não é a árvore deles!" Tentou dizer.

Mas o homem não percebeu sua angústia. Ele não observou que ela estava com frio desde a noite passada. Que passara a madrugada inteira vigiando o bem estar de seus galhos e de suas folhas. Não viu que as janelas estavam escancaradas e muito menos soube que sua garganta doía.

De repente ela sentiu uma corda ranger em uma das vigas do teto. Seu pescoço rilhou junto àquela corda e ela finalmente teve paz. Seus olhos deixaram os corvos para trás e giraram da janela, dando meia volta na sala de estar, até encontrar o olhar preocupado e assustado do homem fardado. "Os corvos saíram", pensou ela. "Obrigada", tentou dizer.