Desbloqueado
O celular, de vidro arranhado, foi depositado sobre a bancada do laboratório dentro de um saco plástico, usado para coleta de evidências. O agente encarou o técnico de plantão e perguntou, num tom tranquilo:
- Quanto tempo leva para desbloquear?
O interpelado segurou o saco com as duas mãos e ergueu-o, para olhar o conteúdo mais de perto.
- Um iPhong 8... esse é casca-grossa, tem ativação biométrica.
E bateu com um dedo sobre um retângulo abaixo da tela, na parte inferior do aparelho, com cerca de 5 cm².
- Se a digital não for reconhecida, o celular nem liga.
- Quanto tempo? - Insistiu o agente.
O técnico coçou a cabeça.
- Volte amanhã de manhã... vamos ver se eu dou sorte.
* * *
Na manhã seguinte, o agente retornou ao laboratório. A primeira coisa que percebeu foi o celular ligado sobre a bancada.
- Como conseguiu? - Indagou, surpreso.
- Coletei todas as impressões digitais preservadas na superfície, fiz moldes de silicone e testei uma a uma... tive sorte - resumiu o técnico com um sorriso.
- Você é bom mesmo nisso - disse o agente, à guiza de cumprimento.
E como quem lembra de algo importante:
- Você olhou o que havia dentro?
O técnico balançou a cabeça, em concordância.
- Tive que olhar... até para ver se havia funcionado.
- E o que viu?
O técnico deu de ombros.
- Eu não entendo chinês.
E, braços cruzados:
- Pode me dizer do que se trata?
O agente fez uma pausa, como se ponderasse se deveria ou não dar uma resposta.
- Você desativou o bloqueio por impressão digital?
- Naturalmente.
- Então, creio que posso lhe dar uma dica... lembra daquela acusação de que o presidente era um fantoche dos russos?
- Naturalmente.
- Bom... não eram os russos.
Pôs o celular num bolso do paletó, e retirou-se tranquilamente do laboratório.
- [16-01-2018]