O último dia

O céu anunciava a chegada de um novo dia. A luz começava a penetrar por aberturas no allto das paredes, iluminando lentamente nossos corpos e dando o sinal de que já era hora de despertar. A claridade deixava à mostra toda a imundice em que éramos obrigados a viver. O odor fétido se juntava às moscas que passeavam pelo ar. Era o começo de mais um dia que para nós, presos aqui, não fazia diferença.

A porta se abriu quando todos já estavam acordados. Por ela um homem barbudo atravessou com a nossa comida. Fixei meu olhar na porta como sempre fazia, observando toda a luz que se encontrava do lado de fora e imaginando se um dia caminharia sob ela. O homem foi de cela em cela servindo a mistura e todos se excitavam prestes a encher a barriga, normalmente essa era a única hora do dia em que tínhamos contato com alguém de fora e só comeríamos de novo no dia seguinte. Depois de servir todas as celas, ele fechou a porta e meus pensamentos foram fechados com ela.

Algumas horas passaram e a porta se abriu novamente. Por ela entrou um homem diferente daquele que nos serve a comida. Ele caminhou entre as celas observando rapidamente cada um de nós e parou na frente da minha. Não pude acreditar quando ele começou a abrir a grade. Será que finalmente eu seria libertado? Outros três também foram soltos. O homem nos enfileirou e nos guiou pela porta. Poder andar livremente era uma sensação nova, já que nas celas mal havia espaço para nos mexermos. Quando atravessamos a porta, finalmente conheci aquilo que almejei dia após dia, a luz quente cobriu meu corpo enquanto o ar limpo entrava em meus pulmões. Pela primeira vez eu sabia o que era ser feliz.

Fomos levados para um lugar onde o homem nos banhou com uma mangueira. A sujeira se juntava à água gelada enquanto nossos pelos perdia a cor marrom e se tornava claro novamente. Aproveitei para beber, já que nunca havia tomado uma água tão limpa. A mangueira foi fechada e fomos levados para outro lugar. Assim que entramos no local, fomos recebidos pelos latidos raivosos de um cão acorrentado. Outro homem apareceu e conseguiu acalma-lo, dando-lhe carinho com mãos grossas que não combinavam com o gesto. Ele tentou nos guiar pelo lugar mas ainda estávamos paralisados de medo. Logo, as mãos que outrora faziam carinho no cão nos machucava com golpes violentos nas costas e no focinho, nos obrigando a obedece-lo.

Atravessamos um corredor guiados pelo medo que sentíamos. O mal cheiro aumentava a cada passo que dávamos. A felicidade que antes tomava conta de mim agora era consumida pela dúvida sobre o que me esperava no fim do corredor. Quando a porta se abriu, pude avistar o chão pintado de vermelho. Os gritos eram altos. Dei mais alguns passos e pude ver um corpo que se debatia pendurado pela pata, enquanto o mesmo homem que nos bateu cortava-lhe o pescoço com uma lâmina afiada. O sangue jorrou. Meus cascos tremiam. Minha vez estava chegando e eu não tinha para onde correr. Minha mente estava confusa. Eu me perguntava o porquê de eu estar destinado a isso depois de uma vida inteira aprisionado. Não consegui achar uma resposta.

Tentei correr e fui atacado novamente pelas mãos pesadas daquele homem. Minha vez havia chegado. Pendurado de cabeça para baixo, meu corpo se debatia em desespero, eu gritava. Quando fiquei cara a cara com ele, a imagem do cão recebendo carinho daquelas mãos que agora me maltratavam não saía da minha cabeça. A lâmina ultrapassou o meu pescoço e eu já não conseguia gritar. Enquanto a escuridão tomava conta da minha visão, uma voz disse "Esse vai dar um ótimo pernil". A risada do meu assassino foi a ultima coisa que ouvi.

yanrbr
Enviado por yanrbr em 30/09/2014
Reeditado em 16/12/2016
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