Nachtwind

O vento frio de uma noite de inverno é algo que me acalenta e me leva pelos mais distantes confins de minha mente. É através dele que os melhores momentos de minhas madrugadas solitárias me são trazidos. Acompanhado por uma boa garrafa de whisky, então, o sopro da noite me inunda ainda mais, e me desperta os mais diversos e tentadores pensamentos. Foi num dia aproveitado como esse, que venho lhes relatar com o encontro com um dos seres mais estupendos e intrigantes que já conheci em minha vida.

Deitado em meu sofá, eu estava desfrutando do álcool, quando uma lufada breve, suave, mais firme, adentrou pela minha janela. No susto, derramei meu copo no chão, o quebrando e espalhando toda a bebida. Confuso, olhei mais uma vez para a janela, e lá a vi. Empoleirada como uma ave noturna, me observando, e talvez ainda mais confusa do que eu, uma garota. Aparentava ter seus vinte e poucos anos e estava vestida com uma espécie de lençol branco com mangas. Sua pele era branca como a lua, e seus olhos azuis demais para serem reais. Longos cabelos negros lhe caíam por toda a extensão de seu corpo. Adicionado a tudo isso, um rosto, no mínimo curioso: ela não possuía nariz.

Me olhando, ela parecia desconfiada, como um gato que não confia num humano porque já sofreu abusos deste. Pessoalmente, eu estava assustado, mas tentado, curioso... O que era aquela exótica e bela criatura, afinal? Sem fazer movimentos bruscos, me levantei e comecei a arrumar a bagunça que meu copo fez. Ela, vendo que eu não me espantara tanto e nem tentara correr, se aproximou lentamente. Se endireitou ao sair da janela, e seus longos cabelos tocaram o chão, sujando-se de whisky. Percebendo que havia molhado o cabelo (não sei como, talvez o cabelo fizesse mais parte dela do que o nosso fizesse para nós), aproximou as pontas de seu rosto. Dois buracos se abriram aonde deveria estar o nariz, e ela cheirou a madeixa cuidadosamente, o cheiro forte da bebida fez com que ela fizesse uma careta e fechasse os olhos, mas logo em breve ela cheirou novamente, e até apreciou o aroma, creio.

Enquanto eu limpava o chão, ela sentou próxima de mim, mas afastada da sujeira, e ficou me observando, quieta. Depois da limpeza, enchi mais dois copos de whisky. Vendo como ela apreciou o cheiro da bebida, tentei dar a ela um dos copos. Assustada, ela recuou até o canto da sala quando tentei me aproximar. Deixei o copo no chão, e voltei à minha poltrona. Ela se aproximou vagarosamente e pegou o recipiente com uma das mão, então, me observando, tentou beber igual a mim. O primeiro gole sempre é difícil... Ela teve a ânsia de cuspir, mas se refreou ao ver o local que eu acabara de limpar, e engoliu o líquido, com uma das expressões mais engraçadas que eu já vira em minha vida. Após alguns momentos, ela fez cara de feliz e voltou a beber, mas dessa vez, rápido demais. Olhei, esperando qual seria sua reação, mas ela ficou normal por um tempo, depois botou a mão na cabeça e pareceu tonta. Tentou levantar, mas cambaleou para frente e bateu na minha perna. Quando ela se deu conta de que estava tão perto de mim, deu um pulo para trás, mas não um pulo qualquer. Ela voou para o outro lado da sala! E se encolheu no canto. Olhando para mim, vi sua face se tornar um pouco mais vívida e ela riu, mostrando duas fileiras de dentes afiados.

Meu coração pulou na garganta. Foi a risada mais inocente, mais contagiante, mais alegre e simplória que eu tinha visto. Apesar de todas aquelas presas, eu me sentia alegre. A emoção saltou para fora de mim, e não pude deixar de sorrir. Ela olhou para mim e inclinou a cabeça, como se achasse intrigante que um ser corado como eu pudesse rir também. Ela então riu mais uma vez e deu mais um salto, dessa vez para fora da janela. Não queria que ela se fosse, mas não podia simplesmente saltar de um prédio de 5 andares como se fosse natural. Me inclinei no parapeito e olhei através das luzes da cidade, através da escuridão. Mas não havia sinal dela, como se ela tivesse se tornado uma só com a noite. E eu sabia, em parte, que isso era verdade. Ainda podia sentir o cheiro de seu cabelo molhado de whisky pelo ar frio...

Não faço ideia de porque, mas eu sabia que aquela não seria a única ocasião que eu veria ela...