Às nove horas
Nove horas. Arthur acabava de ser enterrado em nosso porão, como ele havia pedido poucos minutos antes de partir.
Era uma tarde comum de novembro, eu estava sozinha em casa, havia chegado há pouco do trabalho e resolvi me distrair vendo TV.
Naquele dia, estava bastante despreocupada e nada de diferente tinha acontecido. Assistindo a um programa sem graça, acabei adormecendo no sofá. Fui acordada pelo toque do telefone. Ao retirar o fone do gancho, senti uma estranha brisa gélida entrar pela janela da sala e, ao aproximar o fone do ouvido, tudo o que ouvi foram sussurros incompreensíveis e de repente, um grito que me fez deixar o telefone cair no chão.
Fiquei alguns segundos perplexa, mas logo me recompus, envergonhando-me por ser tão medrosa. Coloquei o telefone em seu devido lugar e subi.
Já no andar de cima, fui tomar banho e ouvi o telefone tocar novamente, dessa vez não atendi. Apenas fiquei escutando aquele som agudo e insistente ecoar pela casa.
Ao sair do banho, senti mais uma vez aquela brisa estranhamente fria me envolver, que desta vez veio de nem sei onde.
Fui me vestir. Logo após, olhei no relógio, eram 19hrs43ms. Ainda estava cedo para dormir de novo, então desci, fui para a cozinha, sem muita fome, e só tomei um copo de leite. Ouvi o telefone tocar pela milésima vez. Percebendo que não iriam desistir de ligar, atendi.
Mais sussurros e um grito mais aterrorizante ainda. Dessa vez, simplesmente pus o fone no gancho e tornei a subir.
Fui ao banheiro, escovei os dentes e me olhei no espelho, como de costume, e pensei ter visto algo atrás de mim. Virei-me, não vi nada, passei uma água no rosto e me dirigi ao quarto. Logo após sair do banheiro ouvi um barulho forte vindo debaixo. Desci as escadas enquanto o barulho continuava e percebi que vinha do porão. Uma lembrança terrível subitamente me veio à mente: Arthur no caixão.
Desesperada, em poucos segundos já estava em meu quarto. Por algum motivo, fechei a janela, tranquei a porta, me deitei e cobri-me dos pés a cabeça. O barulho ficou cada vez mais alto até que se cessou e senti o som gritante do silêncio me engolir. Tive a imprensão de ouvir meu nome sendo chamado por uma voz conhecida mas, que não ouvia há um tempo.Tirei o cobertor de cima de mim e fiquei a olhar para os lados, tentando entender o que estava se passando em um lugar que sempre foi muito calmo e tranquilo. Jurei a mim mesma que o acontecido não passara de um pesadelo, mesmo vendo que ainda eram 20hrs55ms e não teria dado tempo de já ter adormecido. Tentei dormir. Em vão. Logo ouvi passos que pareciam vir da escada; senti o medo se apossar de todo o meu ser. Então, quis
provar a mim mesma que não era nada demais. Desci, fui até o porão, mas há alguns metros de lá, parei assombrada ao ver que a porta estava partida em muitos pedaços. Saí correndo como uma louca pelos cômodos da minha casa, procurando o que não iria encontrar nunca mais: paz.
Nove horas. Ouvi a porta do meu quarto se abrir cuidadosamente. Não tive coragem de ver o que era. Adormeci na sala-de-estar.
Ao abrir os olhos, nova surpresa, a meu lado se encontrava um bilhete escrito à mão com letras vermelhas que dizia:
“Minha amada, lhe telefonei e você me ignorou. Fui até seu quarto e não te encontrei. Te procurei em cada canto da nossa casa até lhe encontrar aqui, adormecida. Não quis te acordar. Mas agora quero que você vá a meu encontro. Estarei sentado a sua espera em meu túmulo, às nove horas da noite de amanhã.
Beijos, Arthur.”
Claro que nunca fui ao encontro de meu marido morto. Depois disso enlouqueci, tudo o que tenho para contar é essa história e só um nome faz parte de minhas memórias: Arthur.