A Toca

No âmago de seus pensamentos, o desenhista Mateus se espanta com a incrível ideia que teve para mais um de seus trabalhos, mas algo o incomoda. O cigarro que acabara de acender já estava quase queimando seus dedos e o copo de whisky, que sempre tomava quando as coisas não iam bem – um costume que começou a se tornar um vício –, já estava quase nu de sua cor original, seu dourado líquido estava se perdeu devido a enorme quantidade de gelo que se desfizera no copo. Uma situação estranha para Mateus, já que tudo estava normal há um minuto. Conseguia se lembrar perfeitamente de pegar aquela velha lapiseira, uma folha em branco para começar a rabiscar alguma coisa, preparando sua bebida e acendendo o cigarro. Por algum estranho motivo varias horas se comprimiram e um minuto.

Não há tempo a perder, antes que sua ideia o abandone, ele a coloca no papel, mas algo o incomoda. Entre um rabisco e outro, Mateus tentava buscar alguma explicação para o ocorrido, de qualquer maneira o relógio não mente para ele, sabia que havia começado a trabalhar às 14 horas, no entanto já passava das 15. O que teria acontecido nesse espaço de hora que não conseguia se lembrar, porém de alguma forma a resposta parece sussurrar em seus ouvidos, mas antes que pudesse ter um lampejo de raciocínio para tentar entender o estranho clima que se formava o telefone toca.

Mateus se levanta com um pouco de dificuldade para atender a ligação, suas articulações pareciam enferrujadas, ao que tudo indica ele esteve imóvel por muito tempo, uma situação extremamente estranha, mas por algum motivo – que posso adiantar, que de fato tudo isso pertença a um cunho de algum plano sinistro de forças que estão fora da compreensão¬ – Mateus se sentia muito bem.

- Alô...

A ligação que atendeu continha uma esperança que há muito Mateus já havia perdido, um projeto que realizou há cinco anos, uma proposta que iria lhe render um bom dinheiro, mas ate então nunca obteve uma resposta, pelo menos ate aquele momento. Na época Mateus apostou todas as suas fichas nesse projeto, precisava muito do dinheiro, não só para pagar suas contas, pois ele e sua namorada, ou melhor, ex-namorada, estavam fazendo planos para encontrar uma casa e finalmente se casaram. Ao se lembrar disso sente uma angustia, como se tivesse levado um soco no meio do peito, ele se recorda desses últimos cinco anos onde sacrificou muito tempo para juntar o dinheiro necessário e finalmente alcançar seu objetivo, uma jornada que gerou muitos conflitos entre ele e a amada. O último, há três dias, que resultou num termino repentino.

Agora com a ligação que tanto aguardara e o novo trabalho que está manchado na folha de papel com o grafite da lapiseira – antes do estranho ocorrido –, Mateus se sente vazio, ficou perdido por um bom tempo, tudo estava desabando, porém só agora as coisas estavam começando a melhorar, se ao menos...

Antes que pudesse terminar o pensamento seu Celular, do outro lado da sala, brilha trazendo uma mensagem. E nesse instante Mateus se encontra agradecendo, seja lá o que tivesse feito com que tudo voltasse a ter sentido, pois na mensagem Ana, sua namorada queria encontra-lo para falar de sua atitude impulsiva de três dias atrás.

Era inacreditável como as coisas estavam dando certo.

Enquanto Mateus estava se arrumando no banheiro, para sair com Ana, ele se emocionava com que uma ideia, um telefonema e uma mensagem o tiraram do fundo do poço que esteve caindo durante esses cinco anos e lá do fundo foi que percebeu que a única saída era para cima, mas algo ainda o incomodava. Ainda se pegava pensando, sentindo a cabeça palpitar sobre aquele período de uma hora que ficou sentado sem perceber o tempo passar, o que teria acontecido. De alguma forma parece que alguém está querendo lhe contar, no entanto simplesmente não consegue escutar. Não importa agora.

Enquanto se encara no espelho para fazer a barba ele se sente diferente, uma pessoa nova, nem parece que viveu aqueles cinco anos de dor e angustia, não consegue se reconhecer direito no espelho, será que foi naquele momento que por um instante foi empurrado no tempo, “não importa agora” pensa ele, enquanto sai pela porta.

Se ao menos Mateus conseguisse ver a estranha figura humana entocada dentro de sua orbita ocular, gritando e batendo desejando ter sua vida de volta, saberia que ele não passava de um impostor vivendo a vida de outro.

Mateus volta a se sentar no escuro espaço fechado com uma única tela a sua frente que mostra uma pessoa vivendo os melhores momentos de sua vida. No fundo da toca escura ele se recorda da persona sinistra que apareceu no momento em que ele estava disposto dar tudo só por uma ideia para aquele trabalho que o estressava há dias. Mateus se lembra da oferta:

“Eu lhe darei o que precisa, em troca quero que você aprecie a sua vida”.

Tales H C Souza
Enviado por Tales H C Souza em 22/09/2013
Reeditado em 03/10/2013
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