Sombras da traição
Rebeca era uma mulher íntegra, atraente, inteligente, manipuladora e apaixonante. Casou-se aos 25 anos com o advogado, Max Rebello, bem sucedido e completamente apaixonado por ela. Até então, tudo era perfeito.
Dia 21 de Novembro, o casal arrumava a casa antecipadamente para o Natal, quando Rebeca sentiu um enjoo, uma tontura e um tremendo medo de morrer. Apesar dos sintomas, não procurou ajuda médica de imediato.
Após uma semana de contínuo mal-estar, fora ao médico acompanhada de seu marido. Estava grávida. A felicidade foi tanta, que não conseguiu conter as lágrimas e pôs-se a chorar nos ombros de Max.
- Precisamos comemorar! – Exclamou o marido.
Felizes, saíram pelas ruas movimentadas da grande São Paulo. Já havia escurecido e garoava. O barulho dos carros era ensurdecedor. Rebeca foi ficando tonta. Tapava os olhos com as mãos, mas só piorava. Ficou enjoada e ameaçou vomitar. Max, assustado com o movimento brusco da mulher, tentou socorrê-la, enquanto isso, sem se dar conta, passara o sinal vermelho do farol.
Aconteceu tudo em câmera lenta; o caminhão veio de encontro, do lado do passageiro, o carro capotou e o feto teve a companhia de seu último batimento cardíaco. Max e Rebeca ficaram gravemente feridos. No interior do hospital, o resultado dos exames: Ele quebrara o braço direito e ela abortara.
Ao receber a notícia, Rebeca viu seu mundo desmoronar, odiou o marido no mesmo instante. Na cabeça dela, o culpado era ele. Max, por sua vez, manteve a calma, amava-a tanto que valia a pena ter paciência, aliás, a mulher estava transtornada.
Cinco meses se passaram, a terapia de casal parecia ter surtido efeito. Estavam decididos a tentar outro bebê. Certa noite, Rebeca decidiu fazer uma surpresa.
Comprara velas aromáticas, fizera comida italiana, preparara um ambiente agradável na varanda da casa. Almofadas espalhadas sobre o tapete persa ao chão, pilhas de livros aos cantos sustentando as velas, em suas diversas cores, formatos e aromas; o cenário perfeito. Só faltava Max.
Sua chegada estava prevista para as 18 horas, assim como de costume. O relógio marca o horário e nem sinal do marido. Dezoito e quinze, Dezoito e vinte, Dezoito e trinta... A comida esfriara, assim como Rebeca.
Max aparece 19:15h, Rebeca já havia tomado uma garrafa inteira de vinho e encontrava-se no chão da varanda, rímel escorrendo pelo rosto, chorando, telefone na mão, após várias tentativas inúteis de busca. Ao encontra-la daquela maneira, espantou-se e ao aproximar-se, ela se afastou bruscamente.
- Tira essas mãos imundas de mim!
- O que aconteceu Rebeca?
- Onde é que você tava? Por que não me atendeu? Olha o que eu fiz pra você! Agora já tá tudo frio, sem gosto – Gritava Rebeca, parando apenas para tomar fôlego.
- Pare de gritar! – Disse ele, já nervoso – Eu estava trabalhando, você sabe disso. Não sabia que você ia fazer isso. Já cheguei esse horário ou até mais tarde em outras vezes.
- E por que não me atendeu? Estava com outra por acaso?
- Claro que não! Eu estava em reunião com o casal Fernandes. Vai ficar duvidando de mim agora?
Ela não respondeu, deixou a varanda, abriu a geladeira, pegou uma barra de 500g de chocolate se trancou no quarto.
Os dias seguintes foram estressantes, ambos não se falavam. Apenas no final da semana voltaram ao normal, após muito esforço da parte dele.
Terça feira, duas horas da tarde, o telefone toca.
- Alô?!
- O Max está? – Indagou uma mulher.
- Quem é que tá falando? – Perguntou Rebeca já com voz de “poucos amigos”.
- Uma amiga dele, pode chamá-lo, por favor?
- A amiga tem nome?
- Oh, desculpe. Adriana. Já trabalhei com ele e preciso de uma consultoria, quem é que tá falando?
- Se você realmente precisasse de algo profissional, ligaria para o escritório e não para casa dele.
- Ah obrigada então, querida. Ligarei para o escrit...
Rebeca bateu o telefone, com raiva, antes mesmo de a mulher terminar de falar. “Amiguinha” é? Já estava falando sozinha. Ficou desconfiada do marido, mas não poderia ser nada, não, não era nada. E balançou as mãos sobre a cabeça, como se isso espantasse os problemas ruins.
Fez o jantar e foi escrever um pouco, gostava muito disso, deixava-a calma e sempre saíam boas histórias. Escreveu dois contos e começara um romance, quando olhou no relógio. Já era 19h, Max estava, novamente, atrasado. A primeira coisa que veio a cabeça foi aquela mulher. Tentou não se desesperar, tomou um calmante seguido de uma dose de Jack Daniel’s, escreveu mais um pouco e foi dormir.
Quando acordou, o marido não estava ao seu lado. Levantou-se depressa. Encontrou-o na sala com a TV ligada, ainda de roupa social e dormindo, uma Long neck ao chão, provavelmente caíra de sua mão. Rebeca, no fundo, sentiu-se culpada, bateu um remorso. Afinal, ele deveria estar mesmo trabalhando - pensou. Pegou a garrafa e colocou sobre a mesinha de centro da sala, sentou-se no canto do sofá e sussurrou no ouvido de Max. Ele acordou num pulo.
- Calma, sou eu – Disse Rebeca – Que horas você chegou ontem?
- Umas nove horas. Você já estava dormindo, não quis te acordar, vim assistir televisão e peguei no sono aqui mesmo – Disse ele, um pouco assustado.
- Por que você tá assim? Parece nervoso.
- Impressão sua – Disse ele já caminhando rumo ao chuveiro.
Max tomou um café forte, comeu duas torradas e foi trabalhar. A noite chegou no mesmo horário do dia anterior. Rebeca estava, definitivamente, desconfiada dele. Ele, nem se quer, dormia mais com ela.
Sexta feira de manhã, ela apareceu na porta da cozinha, bem vestida e com uma mala nas mãos, colocou-as no chão e sentou-se para tomar café.
- Não tá esquecendo de me dizer algo? Perguntou o marido, medindo as palavras.
- Vou viajar – Disse ela, indiferente.
- Como assim viajar? Com quem? Pra onde? Por quanto tempo?
- Vou com a Marina passar uns dias no chalé de Florianópolis. Você está sempre trabalhando mesmo, nem vai sentir minha falta.
- Mas...
- Me deixa comer, tenho que ir logo.
Eles comeram em silêncio. Mal sabia ele que tudo fazia parte de uma estratégia dela para ver como ele se comportaria na sua ausência, pois na realidade, ela não iria viajar.
Ao sair, Rebeca foi direto para casa de uma amiga, como já haviam planejado, dormiu lá.
No sábado, o marido trabalharia até às duas da tarde, ela esperou até as quatro e foi para casa, sem malas, apenas ela. Quando estava procurando sua chave na bolsa, em frente à porta, a maçaneta girou e de lá saiu uma mulher, alta, loira, devia ter uns 20 anos, ela ria. Estava de saída, olhou Rebeca de cima a baixo, fechou a porta atrás de si e simplesmente foi embora. Rebeca ficou imóvel, não sabia o que fazer, se voltava para casa da amiga, se entrava e matava o marido, se chorava ou se ia embora de vez.
Entrou na casa, cega de ódio, sabia que o marido portava uma espingarda, deixava a mostra como enfeite, “idiota” - pensou ela. Rebeca não sentia mais nada, estava isenta de sensações e emoções, pegou a arma, verificou se havia munição, foi para o quarto, mas deixou a arma escondida do lado de fora. Ele estava deitado lendo um livro.
- Oi amor – Disse ela, o mais forçado possível.
- Oi querida! Que surpresa! Desistiu de viajar? – Ele parecia nervoso.
- É, não aguentaria ficar longe de você por muito tempo.
Ela se aproximou e arranhou “carinhosamente” o seu rosto, ele cedeu, por mais que estivesse confuso e farto de tanta especulação da mulher, ele ainda gostava dela, sorriu. Até que ela pegou o seu queixo e com força apontou para ela, com raiva.
- Quem era aquela vadia que acabou de sair daqui?
- Onde? Não tinha ninguém aqui! – disse ele com medo, confuso, nervoso e com um turbilhão de sentimentos indecifráveis.
- Pare de mentir! – gritava. Suas unhas entravam na pele dele vagarosamente, mas com toda força. – É a Adriana ou outra vadia? Uma por semana? Fala idiota! Esperou que eu fosse viajar pra trazer esse bando de mulher aqui? – Soltou o rosto dele, com violência.
- Para de ser louca! Eu vou te internar agora mesmo - e passando a mão no queixo ensanguentado, pegou o telefone sem fio.
Ela o encarava de cabeça baixa, levantava apenas os olhos, afastava-se, lentamente, quando chegou à porta, ordenou:
- Larga o telefone! – Disse num sussurro, mas com um olhar de morte a mirá-lo.
Ele já estava digitando. Ela pegou a arma, ele parou, largou o telefone, que se espatifou no chão do quarto.
- O que você vai fazer com isso? Me matar? - deu uma gargalhada, deprimente – Claro que você não vai me matar, sou seu marido! Você me ama!
Ela se aproximava cada vez mais.
- Você não vai me matar! Se fizer isso vai ficar sozinha, ou pior, acabar presa!
Ela abriu bem os olhos, e falou:
- Prefiro morrer a ter um hipócrita sujo dormindo na mesma cama que eu.
O tiro foi certeiro, bem no meio da testa, ele caíra no meio da cama, braços abertos, posição de Cristo, o sangue escorria pelos lençóis, seus olhos permaneciam abertos. Ela se aproximou e fechou-os. Deixou a arma no chão, saiu do quarto, fechou a porta, sentou-se no sofá e ligou a tevê. Não conseguia digerir tudo aquilo.
Vinha um barulho do lado de fora, pensava ser a polícia, mas não conseguiu mexer um músculo. Os “homens” entraram, correram pro quarto, tentaram socorrer, mas ele já estava morto. Ela foi levada presa, não disse uma palavra, foi sem protestar.
Um mês na cadeia, quase não comia, estava fraca e magra. Sentia-se sozinha, conversava apenas com uma mulher, mais velha, mas que sabia se defender. Rebeca a tinha como escudo, pois como era nova, tinha medo de tudo e de todos.
Caminhando pelo pátio do presídio, encontrara certa manhã, a loira, a vadia, estava com a mesma roupa, um vestido branco, estilo Marilyn Monroe; como podia estar tão radiante andando pela prisão? Rebeca foi seca falar com ela.
- Quem é você? Veio me acusar por ter matado seu querido amante? Pois matei mesmo! E mataria novamente, só não te mato porque não quero ficar mais tempo ainda enfiada nesse lugar!
A mulher sorria, apenas sorria, estava calma. Rebeca foi ficando ainda mais alterada e começou a berrar. Sua colega de cela aproximou-se.
- Ô doida, o que tá fazendo?
- Foi por causa dessa mulher que matei meu marido, e nem é tão bonita, olha só.
- Que mulher?
- Essa loira aí do seu lado, sua idiota!
- Não tem ninguém aqui não sua louca, cheirou um dos bons né? – saiu gargalhando.
Quando se deu conta, as mulheres do presídio estavam caçoando, rindo feito loucas, do papelão que ela fizera no pátio.
Fora ao exame médico, estava confirmado: Esquizofrenia. Nunca mais se perdoou, matara seu marido sem motivo algum. Agora estaria condenada, não só por 20 anos de crime, mas por toda eternidade por decreto de sua consciência.