Culpado
Apoiado na cerca da ponte, sua mão tremia e ardia quando o suor caia no corte. Mal conseguia segurar na cerca para permanecer de pé, olhando a nevoa que tampava sua visão. O suor em seu rosto também ardia ao escorrer para os arranhados na sua bochecha e queixo, além da dor a cada respiração, uma pontada que queimava em seu pulmão. Sentia gosto de sangue na boca e alguns dentes da frente mole, prestes a serem arrancados no menor dos esforços.
Da nevoa surge uma figura, ele cerra seus olhos para tentar enxergar, até tenta dar um passo a frente, mas ao quase cair, volta a se apoiar na cerca e apenas chama por um nome conhecido, Loren.
A figura se aproxima, uma mulher para e sorri ao ver o homem. Uma gota de sangue escorre pela testa dele e cai em seu olho, ele tenta limpar com a manga da camisa verde suja e continua com a cabeça abaixada.
__Desculpe, pensei que fosse outra pessoa.
__Quem?
__Não sei… –ainda esfregava o olho, lidando com a dor em seu rosto-
__O que está fazendo aqui, sozinho nessa neblina?
__Não sei… Eu deveria encontrar alguém.
__Quem?
__Não sei. –levantou os olhos para aquela mulher de rosto limpo e claro e a viu em uma visão avermelhada- Você se parece com ela.
__Eu me pareço com quem? Sua irmã?
__Não, não minha irmã… Outra pessoa. Alguém que eu…
__Quem é você? –ela se aproximou, ele pode ver que suas mãos estavam sujas assim como seu terno branco-
__Me chamo… Olavo.
__Você precisa me ajudar, houve um acidente ali em cima. –apontou para a curva antes da ponte- Meu celular não pega e… –agarrou a sua mão machucada e o puxou- Venha, venha comigo, eu preciso de sua ajuda, você precisa me ajudar.
__Ei! Espere! Eu não consigo andar…
Tropeçou e caiu no chão, amortecendo a queda com as duas mãos que aumentou ainda mais a dor que sentia. Viu o sangue gotejar de seu rosto e cabelo, suas mãos arranhadas e cortadas, a direita ainda com cacos de vidro cravados nela.
__Eu estava lá… –disse se sentando- Eu estava lá…
A mulher se abaixou e disse nervosa e apreensiva.
__Você precisa me ajudar, eu sozinha não vou conseguir.
__Ninguém lá precisa de ajuda, o que aconteceu, aconteceu. Não tem mais volta, não tem mais remédio.
__Mas você pode ajudar! –ela pegou novamente em sua mão e o forçou a levantar, ele resistiu-
__Não tem volta, e é tudo culpa minha.
A mulher sentou ao seu lado, um filete de sangue começou a escorrer do topo da testa, passando pelo nariz. Ela tocou o sangue e olhou os dedos molhados.
__Você não pode fazer nada? –mostrou os dedos ensanguentados para o homem-
__Poderia ter feito. Agora não posso mais.
A mulher agora tossiu e deitou no colo do homem, com o sangue minando de um corte em sua testa.
__Quem você estava esperando?
__Não sei… Acho que vou ter que esperar mais.
__E se ela não vier? Houve um acidente ali em cima.
__É verdade… Eu não pude fazer nada, deveria ter feito, mas não fiz.
A mulher tossiu novamente, cuspindo sangue no chão.
__Não pôde ajudar?
__Não.
__Mas você poderia?
__Sim.
__E porque não ajudou?
O homem olhou para a mulher pálida e ensanguentada no seu colo, depois levantou os olhos para a nevoa que tampava a visão do resto do mundo.
__Eu não tive coragem.
__Foi culpa sua?
__Foi.
__Foi culpa sua.
O homem se levantou e a deixou no chão, caminhando e se afastando da mulher.
__O acidente é na outra direção.
__Eu sei.
__Não vai esperar ela?
Ele parou, olhou para trás e a mulher estava de pé, encurvada e segurando um dos lados do seu corpo, com uma expressão de dor em sua face suja.
__Não.
__Posso ir com você?
Ele abaixou a cabeça e ponderou por um momento, depois voltou a encara-la.
__Não está esperando ninguém?
__Ele deveria estar aqui, mas não está. Não preciso ficar aqui.
__Quem? Seu irmão?
__Não. Alguém mais…
__Tudo bem, se quiser vir, venha.
__Para onde vai?
__Não sei. Para longe.
__Não vai ajudar a pessoa no carro?
__Já disse que não! Se quiser vir, venha.
O homem voltou a caminhar, mancando, sentindo dor a cada passo, a cada respiração. A mulher o acompanhou, de longe, tentando o alcançar.
A mulher estava lá, depois de uma longa caminhada.
E nos dias seguintes, como uma sombra, sempre presente, tentando o alcançar.