Cúmplices Pelo Sangue
Sete horas da manhã, um dia como outro se não fosse à dor e as lágrimas. Que descem na face misturando-se ao creme de barbear que adorna um rosto. Acompanhando no reflexo, os olhos seguem pelo espelho a lâmina afiada contornar a face de orelha a orelha. Deixando para trás barba e espuma. Revelando uma pele dura - vítima da idade - neste semblante em fúria. Um olhar cuidadoso, uma loção, uma mão que tateia um rosto, até chegar ao gosto de quem pratica a ação. Rogério inspira fundo, navega em pensamentos: “Será então o momento? De confrontar quem amo e seu amante. Deverei eu destruir quatro vidas: Da minha companheira, minha filha querida, a minha e de meu opositor. Serei eu então algoz de tantas existências. Toda simplicidade é complexa na cachola de quem participa da peça, coisas de um mundo que junta duas pessoas como uma em um palco, mas numa realidade em que dois nunca terão uma única cabeça. E se tivesse seria então das duas uma cortada, de uma forma errada, num modo que um corpo se arrastaria amarrado à vontade de outro que padeceria pela ambição de não ser apenas um toco, loucura.”.
Saindo do banheiro, caminhando pelo corredor, chega-lhe a dor quando se aproxima de seu quarto. Onde percebe sua bela adormecida enrolada num cobertor ao seu gosto, veludo cinza. Após colocar a roupa de trabalho um trago, uma bebida que lhe inclina, a continuar com seu plano. Carteira, relógio, uma pasta com documentos e uma arma ao lado. Seguindo atentamente sua sina, matar sua menina e seu amante. Rogério caminha até a porta de saída, olha para trás, confere se deveria levar algo mais, observa por todos os cantos da casa até chegar à porta do quarto de sua filha Inez, que quando adormecida não aceitava a entrada de qualquer alguém em seu espaço. Seu pai encostado na porta de seu quarto soluçava, engasgado pelo fato que no final do dia tudo teria seu fim. Rogério sai de casa.
Raquel observa atenta, com a cabeça coberta, mas os olhos a perseguir seu amor, em sua dor. Levanta assustada, imagina como evitaria uma chacina. Por um momento de fraqueza, sem se entregar ou amar, um beijo selou o desconforto, do tanto conforto de seu lar, por apenas o toque em outros lábios que não de seu marido. O tempo passa e Irene acorda e lhe abraça. Preparam um desjejum, seria o último ou mais um. Sorridente Irene vai para o seu dia e Raquel fica em sua cozinha fria, que guarda nas paredes as lutas em cada tijolo, posto pelo esforço, do trabalho que só as noites em frangalhos traduziam o amor pela fortaleza que construíam com muita dor. Um telefonema e um dilema, acertar o fim do que nunca começou, mas foi alimentado com a esperança de mais um dia para gerar uma lembrança do que se passou. Tudo acertado, aquele que desejava ser namorado, combinou o local, onde tudo acabaria antes mesmo de começar e o telefone foi desligado. Raquel se preparou e foi para o trabalho em frangalhos, esperando à noite onde terminaria sem complicação ou uma ação que poderia atrapalhar todos os seus dias.
Vinte horas e Márcio entra em casa, atravessa a sala e segue para o seu quarto, sente uma forte pancada em sua cabeça, desmaia.
Marcio acorda atordoado. O sangue descia pela sua testa, sua boca tampada inibia-lhe a voz. Rogério, armado, observava sentado em uma cadeira. Não deixava transparecer o seu temperamento. Apenas aguardava em silencio, deixando Marcio em tormento. Ele conhecia muito bem quem estava a observar atento.
Um rangido na porta, de olhos arregalados Marcio quase sufoca. Quando em passadas curtas, escuta uma figura que caminha sem culpa em direção ao quarto onde um destino estava traçado. Ela abre a porta do quarto, entra e sente uma mão ao seu pescoço a sufocar. Rogério observa a figura e na sua loucura grita um sonoro: - Não!
Rogério chega em sua casa, sua mão trêmula deixa a chave cair no chão. Em um segundo momento abre a porta. Caminha até a cozinha e uma figura o incomoda. Sentada na cadeira da copa o observa enquanto ele chora. Em suas mãos sua mala, dentro dela documentos e uma arma. Ele se ajoelha e implora perdão.
Uma mão toca no seu ombro, uma lágrima cai no chão, Rogério olha para trás e comenta: - Desculpe filha.
- Não precisa se desculpar Pai, tudo realmente deveria se acabar hoje.
- Do que vocês estão falando. – Levantou Raquel da cadeira da copa visivelmente intrigada.
Rogério explica que se metera na vida de sua filha, mas antes que ele entrasse em detalhes Irene completou dizendo que seu pai a seguira acreditando que ela estaria numa situação que a incriminaria. O pai olhou para filha que com um breve balançar de cabeça deixou claro, que o assunto estava terminado e o que ocorrera ficaria eternamente em suas mentes, para a segurança da família e fala ao pai em tom de brincadeira: - Você me deve.
Raquel não perguntou muito, apenas escutou tudo em sentimento profundo. Rogério seguiu para o seu quarto, olhando para trás e sussurrando seu amor pelos seus sempre ao seu lado. Irene olhou para a sua mãe, que virou a cabeça em outra direção em vergonha até sentir um carinho em seu ombro e uma voz suave ao ouvido:
- Sangue de meu sangue, nada é de graça. – Raquel olhou horrorizada para Irene.
Fim...
(Sugestão para leitura)
Morra, Mas Morra Lentamente Nada além que Amor Inferno de Sangue