Morra, Mas Morra Lentamente


       Entranhas deslizando pelas ancas, banhadas num vermelho sangue. Faca que picota e rasga. Desdenhando da decência. Se firmando na certeza de que o ser não se importa, apenas importa toda a sua indiferença nos cortes precisos nas juntas que se separam em um toque cirúrgico.
     Marcelo se levanta, olha pela janela e observa um dia em que o sol parece-lhe destruir todas as estruturas com uma forte rajada de luz. Ele caminha até a sala, observa uma foto na estante. Empoeirada, guardando toda a história de uma existência nas fotos perdidas entre os vícios da vida. Vinho e cigarro, de qualquer forma um trago. Que desviam virtudes, numa noite mal dormida acompanhada de um vício, sem mimo ou tino, apenas devaneios primos.
     A sua frente um jornal. Jogados no lamaçal dois corpos mutilados, anunciava a manchete. Marcelo se veste, coloca um coldre, a arma, se prepara com sua última veste, um colete que se preste a assegurar que não atravesse um cartucho que lhe preste. Caminha até o banheiro,
na espelheira pega e ingere  um antipsicótico, quetiapina, resmunga: - Mais um dia!
    Ele sai com calma de sua casa, hoje não iria para a Delegacia que o acalma, deveria seguir para uma avaliação, devido a uma ação. Estirado em um tapete um cadáver retinha no peito um projétil lançado da arma de Marcelo. Em uma troca de tiros que lhe valia a vida, tirou uma.
     Na sala da psicanalista ele é convidado gentilmente a se sentar. Na mão da Doutora um laudo: Psicopata, indivíduo clinicamente perverso que tem personalidade psicótica, portador de neurose de caráter ou perversões sexuais. Ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios. Trauma sociopsicológico decorrente do trabalho. A profissional olha para Marcelo, sorri e lhe apresenta os fatos:
     - Senhor Marcelo, eu lhe avaliei e entreguei o seu laudo para o seu chefe. Ele me incumbiu de lhe dar a notícia de que o senhor esta em condições de voltar ao serviço. O que acha?
      - Eu só quero que esse dia termine!   
    Marcelo se levantou, olhou para a profissional e balançou a cabeça em consentimento. Ajeitou o cinto e a arma, se retirou da sala. A psicanalista, entre seus pensamentos conjecturou: Se me dizem que é saudável, é saudável. Qual o objetivo de meu diagnostico se não garantir o meu sustento. Melhor um louco em nosso controle, que nós no controle de um louco. - Ela se levantou e caminhou até uma gaveteira. Sobre ela se encontrava uma jarra com água e um copo. Abriu uma gaveta e pegou um tranquilizante,  benzodiazepínico. Colocou a água no copo e ingeriu o sedativo - Síndrome do Pânico.
     Marcelo entra em sua viatura. A tarde estava terminando e a noite chegando. Em seu rádio uma chamada. Ele atende por nada. Em uma rua próxima ao seu percurso acreditavam que haviam cercado o responsável pelas mutilações. A casa estava cercada, todos aguardavam Marcelo, ele fala entre os dentes: - FDP.
     Do lado de fora da casa um grupo de policiais observavam uma novata em negociações falar com o agressor. Dentro da casa um homem, sociopata, trabalhador em construções civil. Perdido em sonhos impossíveis que entregava todo o seu esforço para tentar atingir condições de vida que nunca iria atingir, surtava. Ameaçada com uma faca a sua amada, ninfomaníaca, com problemas no lobo frontal ela se entregou a venda do corpo. Ao descobrir as atividades da esposa, o marido começou a matar pelas ruas para esquecer o que passava em casa, mas por algum motivo ele resolveu acabar com o que lhe acabava a vida, sua amada.
     Marcelo chegou, observou o que acontecia. À sua frente à negociadora tremia. Seus chefes mandaram-lhe tomar as rédeas da situação - por sinal todos estavam sem ação. Ele perguntou os nomes dos ocupantes da casa, murmurou: - QSF. Avançou em sua direção, assustando a todos que se encontravam. Arrombou a porta e apontou a sua arma para o opressor.
      - Largue está faca agora Rogério!
     - Você sabe o que está acontecendo aqui. Você sabe quem é esta pessoa. Sou humilhado todos os dias no trabalho, na rua. Todas as pessoas me olham, me observam me julgam!
     - Sim, eu sei quem é está pessoa, é a Raquel e a situação pode se resolver de outra forma, resolverei todos os seus problemas em um minuto. – Marcelo sabia que Rogério estava em um surto psicótico.
    Rogério largou a faca, Raquel correu para fora da casa. Marcelo pegou uma arma que guardava no tornozelo, colocou no chão e empurrou para Rogério:
     - Eu vou sair e saiba que todas as pessoas que estão lá fora são aquelas que atormentam a sua vida. Para que perder a oportunidade de atirar contra tantos que te humilham. Uma saída à mexicana, conte até sessenta e saia atirando para todos os lados e acredite que todos os seus problemas estão solucionados.
    Marcelo saiu correndo da casa, gritava para os seus amigos: - Ele vai sair. – Todos se encolheram por traz de uma viatura. A negociadora esticara o tronco e estava preparada para a sua ascensão. Rogério saiu.
    O primeiro tiro atingiu a cabeça da negociadora, lentamente seu corpo foi se lançando para traz, interrompido por outro tiro que lhe atingiu o abdômen fazendo-lhe curvar. Outro tiro desferido por Rogério varou o colete a prova de balas do chefe de Marcelo, fazendo-o expelir sangue proveniente de um pulmão perfurado. Uma saraivada de balas partiu ao encontro de Rogério fazendo-lhe tombar.
       ...
     Marcelo se levanta, olha pela janela e observa um dia em que o sol parece-lhe destruir todas as estruturas com uma forte rajada de luz. Ele caminha até a sala, observa uma foto na estante. Empoeirada, guardando toda a história de uma existência nas fotos perdidas entre os vícios da vida. Vinho e cigarro, de qualquer forma um trago. Que desviam virtudes, numa noite mal dormida acompanhada de um vício, sem mimo ou tino, apenas devaneios primos. Ele
resmunga: - Mais um dia!


Fim ...

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