ROMANOS CAPÍTULO 12, VERSÍCULO 19.

Dezembro de 1944, segunda guerra mundial, em algum lugar da Europa.

O tenente Joe Costa comandante da Cia Fox encontra-se encurralado num beco sem saída. Um terrível tanque alemão com seu enorme cano e aquele orifício negro na ponta parecendo um olho a procurar por uma vítima, varre todo o campo de visão. O tanque avança pelo beco estreito da cidade ocupada por tropas alemãs destruindo tudo à sua frente, enquanto o Tenente Costa força a maçaneta de uma porta para abri-la e fugir. Apesar do esforço a porta não abre e, pior que isso, a maçaneta lhe sai na mão. Com a aproximação, o Tenente jogou uma granada de mão dentro do tanque mas não evitou que antes de parar o mesmo o derrubasse e parasse sobre o lado direito do seu corpo esmagando-lhe o braço e algumas costelas. Preso sob a esteira de tração o Tenente gritou e urrou como um animal, mas, ninguém o ouviu pois os homens da sua tropa haviam se dispersados ante o ataque inimigo, sendo que alguns foram capturados e outros, mortos. O Tenente precisava sair daquela situação e num esforço sobre-humano, com a outra mão passou a cavar sob a esteira retirando pedras, pequenos pedaços de concreto e terra até se ver livre. Seu estado era grave mas, ele precisava sobreviver pelo menos até que pudesse se vingar do Capitão Erskine Cooney, o único culpado pela situação em que se encontrava naquele momento. Durante os últimos dias de guerra a companhia de infantaria Fox liderada pelo Tenente Joe Costa recebeu a missão de tomar postos de observação de artilharia em posições estratégicas, numa missão que se poderia chamar de suicida, a mando do Capitão Cooney. O Tenente argumentou que partiria para a missão mas deixou claro que se um dos seus homens fosse morto, apenas um, já seria motivo suficiente para que na volta ajustasse contas o Capitão Cooney, um covarde sem capacidade de liderança que só ocupava o cargo devido aos seus contatos com o pessoal do governo. Com grande esforço o Tenente conseguiu sair debaixo do tanque, se arrastar e pegar um veículo que dirigiu até onde fora montado o QG do Exército, numa zona fora de perigo. Devido ao grande esforço para chegar até lá as condições do Tenente que não eram boas, se tornaram ainda piores. Desceu as escadas até onde ficava a sala do Capitão mas o mesmo não se encontrava. Sabendo que ia morrer o Tenente Costa sentou-se numa cadeira e ficou no escuro a espera. Depois de algum tempo o Capitão entrou na sala sem perceber a presença do Tenente mas, quando acendeu a luz e o viu naquela situação compreendeu o que tinha acontecido e começou a tremer. Com muito esforço o Tenente Joe Costa sacou sua pistola mas não teve forças para levantá-la, então começou a rezar pedindo que naqueles últimos momentos de vida o Senhor lhe desse forças para ao menos empunhar a arma com firmeza suficiente para atirar mas, o Senhor lhe negou o pedido e o Tenente caiu ao solo, morto, numa posição grotesca com a arma na mão, a boca e os olhos muito abertos. Com um suspiro de alívio o Capitão Cooney deixou o local amparando-se nas paredes, olhando o corpo do Tenente Joe Costa estirado no chão.

Novaes remexeu-se inquieto na cadeira do cinema, não gostava daquele tipo de filme em que o herói morre. Para ele, bons eram os faroestes com aqueles enredos simples em que o mocinho acaba com todos os bandidos e no fim ainda casa com a mocinha, no mais das vezes filha de um rico rancheiro. Nada desse negócio de jogadas psicológicas e personagens complicadas em que o espectador precisa se concentrar muito para entender o filme. Nada disso! Além do mais, aquela dor de cabeça que ultimamente o atormentava voltou a se manifestar, desta vez com uma intensidade bem forte, por isso resolveu sair do cinema. O filme que estava assistindo era Morte Sem Glória, um clássico de 1956 onde o carismático ator Jack Palance vivia o Tenente Joe Costa numa das mais brilhantes interpretações da sua carreira e, Eddie Albert fazia o Capitão Erskine Cooney, também de forma brilhante. Novaes levantou-se e se dirigiu ao banheiro onde fez uso do mictório, lavou as mãos e colocou água fria nas têmporas com o intuito de aliviar a dor. No final do corredor um jovem fumava um cigarro enquanto o observava com algum interesse. Deve ser gay, pensou Novaes. Ao sair do cinema caía uma chuva fina já que o tempo mudara enquanto estivera lá dentro, o que fez com que se abrigasse debaixo de uma marquise a espera de que o mau tempo passasse. Durante o tempo em que ali permaneceu passou a observar as pessoas que passavam com suas capas ou guarda-chuvas. Primeiro foi uma senhora bastante idosa que com muito carinho protegia um menino debaixo do seu guarda-chuva. Deve ser seu neto, pensou Novaes. Passaram várias outras pessoas e quando a chuva já havia parado e Novaes se preparava para deixar o local, surgiram três meninas em uniforme escolar caminhando muito juntas e falando baixinho porém, logo em seguida explodiram numa gargalhada escandalosa partilhando o final de uma piada obscena. Novaes, um homem solitário que trabalhava na venda de aparelhos e componentes eletrônicos encaminhou-se para o lugar onde estava hospedado havia dois dias. Era um local conhecido como Hotel dos Viajantes embora fosse na realidade uma pensão e, também porque a clientela na sua grande maioria era formada por vendedores e viajantes que ali pernoitavam aproveitando os bons preços e a localização estratégica do estabelecimento que facilitava a entrada ou saída da cidade. Não havia luxo mas era limpo, aconchegante e quem o conhecia sempre voltava ou o indicava para algum amigo. Novaes seguia naquela direção enquanto do outro lado da rua um homem olhava as vitrines de uma loja de artigos masculinos. Distraidamente os olhos de Novaes pousaram-se sobre ele e logo em seguida seu coração bateu mais forte. Meu Deus! é ele, pensou. O que estará fazendo aqui? Perguntou-se. Ato contínuo passou a seguir o homem resguardando uma distância segura e para sua grande surpresa viu o homem dirigir-se ao mesmo local onde estava hospedado. Por ser uma cidade pequena havia poucas opções para pernoite, daí a coincidência em ambos se encontrarem no mesmo local. Depois de esperar um pouco dando tempo para que o homem entrasse e possivelmente se acomodasse no seu quarto, Novaes também entrou e foi ter com a mulher da portaria que recepcionava e entregava as chaves para os clientes. Era uma mulher obesa e dorminhoca que vivia com uma dessas revistas de fofoca nas mãos e quando não estava lendo algo sobre a vida de algum artista, estava cochilando. Sem muito esforço ficou sabendo que o homem era representante de uma firma de seguros e que ocupava um quarto no andar superior, assim como o número do mesmo. Naquela noite Novaes não dormiu, sabia que aquela história de representante de Companhia de Seguros era balela. Conhecia aquele homem e tinha quase certeza de ele estava na cidade fazendo levantamento de alguma loja, firma ou mesmo de um banco que pretendia roubar. E assim, deitado na cama com os olhos pregados no teto e o ódio consumindo sua alma, passaram pela sua mente os vários acontecimentos dos últimos anos. Jamais imaginaria que pudesse encontrar novamente o homem que o traiu e o fez passar anos na prisão mas, o destino o trouxe até aqui para que pudesse se vingar e mata-lo. Lembrou-se da noite em que praticaram aquele assalto em São Paulo, de como foi preso e dos anos que passou na penitenciária. Haviam acabado de assaltar uma joalheria e estavam de saída quando se viram cercados pela polícia. Houve um intenso tiroteio no qual Novaes foi ferido com gravidade enquanto Matheus, esse era o nome do seu comparsa, saiu ileso. O produto do roubo estava dividido em duas sacolas de nylon, uma com Novaes e a outra com Matheus. Com Novaes no chão sem condição de reagir já que seu ferimento era grave, Matheus esgueirou-se até o carro que haviam roubado especialmente para o assalto e trouxe-o até onde estava Novaes, ferido mas, com a sacola. Para sua surpresa Novaes viu Matheus pegar somente a sacola com as joias e o dinheiro e jogá-la dentro do carro. Depois parou indeciso, pensou um pouco e logo entrou no carro abandonando Novaes à própria sorte. Antes de sair em disparada ainda efetuou um disparo em direção à Novaes mas, errando o alvo logo desapareceu em meio ao transito louco de São Paulo. O que se seguiu à esses acontecimentos foram as semanas que passou no hospital para se recuperar do ferimento e os anos que passou na cadeia pagando a pena que lhe foi imposta. Quando se viu em liberdade passou a ter os problemas que todo ex-presidiário tem para encontrar emprego, até que através de um anúncio conseguiu trabalho como vendedor de aparelhos e componentes eletrônicos. O emprego podia não ser muito bom mas, também não era dos piores já que oferecia a oportunidade de viajar e conhecer outras cidades. Além disso agora o emprego deu-lhe também a oportunidade de se vingar do homem que mais odiava neste mundo.

O sol já ia alto sobre o telhado das casas quando Novaes acordou sentindo na boca o gosto de uma noite mal dormida. Não se sentindo bem tomou banho e saiu à rua onde tomou café numa padaria. Depois, sabendo que naquele horário a gorda da portaria estaria cochilando, voltou ao “Hotel dos Viajantes” e, como havia previsto, a mulher estava realmente dormindo debruçada sobre o balcão de atendimento. Aproximou-se e com cuidado para não acordá-la esticou o braço e com facilidade pegou a cópia da chave da porta do quarto de Matheus, que ficava na parede ao lado da gorda. Depois foi até seu quarto, pegou o revolver 38 que costumava levar em suas viagens, subiu as escadas, parou em frente ao quarto de Matheus, olhou para os lados, colocou a chave, abriu a porta e entrou. Neste momento a dor de cabeça aumentou muito. Sua artéria cerebral esquerda estava contraída por uma grande camada de colesterol, ou arteriosclerose como dizem os médicos. Suas dores de cabeça cada vez mais frequentes eram devido à pressão arterial crescente contudo, Novaes desconhecia isso. Aguardava a chegada de Matheus enquanto a dor de cabeça aumentava. De repente ouviu passos do lado de fora que se aproximaram e pararam. Viu pela fresta sob a porta a sombra dos pés de Matheus, percebeu que a chave foi introduzida e logo ouviu-a girando na fechadura. Cada vez mais excitado empunhou a arma com energia mas, sua artéria já muito pressionada nesse momento arrebentou lançando um jorro de sangue no tecido cerebral. No mesmo instante em que a porta se abriu e Matheus entrou, Novaes ainda segurando a arma acabou ficando imóvel enquanto a função do cérebro começou a parar. À medida que a visão escurecia e a vida escoava, ele teve a última sensação de terrível dor e rumor na cabeça. Seu corpo ficou ereto por mais um instante, depois tremeu espasmodicamente e caiu pesadamente no chão numa posição grotesca, morto, com a arma na mão, a boca e os olhos muito abertos.

JotaCF
Enviado por JotaCF em 12/10/2012
Reeditado em 08/12/2014
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