O senhor da discórdia: Capítulo 7 e 8
Mais dois capítulos. Leiam e comentem.
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CAPÍTULO 7
Pedra e Rocha estavam dentro de uma Kombi estacionada a poucos metros da mansão. Esperando.
- Já passam das oito e esses otários ainda não saíram. – resmungou Pedra, que era um rapaz branco e careca. A exemplo de seu colega tinha um corpo musculoso e uma força sobrenatural. Era o motorista da Kombi.
- É só esperar. – sussurrou Rocha tentando observar cada movimento na mansão.
- É melhor a gente descer e esperar ali perto do portão. Assim que eles saírem a gente dá o bote. – disse Pedra.
Assim eles desceram e caminharam lentamente e atentos até perto do enorme portão de metal. A casa ficava isolada do movimento da cidade e quase não passava ninguém por ali. Ainda mais naquela hora da noite, em que os bandidos entram em expediente.
Rocha, que era um rapaz de cabelo preto e com rabo-de-cavalo, espreitou cuidadosamente lá dentro.
- Estão conversando no jardim. – disse. – Parecem estar vindo.
- Então se prepare. Tem que ser um golpe certeiro.
Rocha riu.
- São dois velhotes. Com um sopro fraco a gente os derruba.
- É melhor remediar do que prevenir errado.
- O que você tá dizendo? – repreendeu Rocha.
- Que é melhor...
- Eu sei. – interrompeu baixando um pouco a voz. – Só que não é assim o ditado.
- E como é?
Rocha assumiu um tom sério.
- Não estamos aqui pra falar de ditado, estamos?
Pedra negou com a cabeça.
Claro que não estavam.
Os dois tinham a fácil tarefa de sequestrar Almir e Ézio. O porque eles não sabiam. E não faziam questão de saber. Já haviam recebido pela tarefa, então era só executar tranquilamente. Depois de feito, era só levar no lugar destinado.
Eles não cobravam barato por sequestros. Eram fortes e habilidosos, então cobravam caro pelo serviço. Sequestrar sem deixar machucados graves era uma arte. A arte da qual eles faziam muito bem.
Já haviam realizados as mais diferentes formas de sequestros com diferentes pessoas. Sequestraram pessoas famosas e até mendigos. Sequestrar crianças era a tarefa que eles cobravam mais, pois exigia deles uma forte condição emocional. Mas era a mais pura ladainha. Eles sequestravam para matar a sede e a fome. E matavam a sede e a fome com dinheiro do sequestro.
Um dia antes haviam ligado para Pedra pedindo um serviço muito importante, que exigia muito cuidado e cautela, para que as vitimas não saíssem machucadas.
- Isso é o que a gente faz de melhor. – afirmara Pedra.
- Então ouça o que tem que fazer...
Deram as coordenadas da mansão e o destino que seriam levados. Mas antes desse já haviam realizado outros. Para a mesma pessoa. Aquele era o último e aparentemente o mais fácil.
- Eles estão vindo. – alertou Rocha. – Se prepare.
Ouviram o portão ser aberto e Artur saiu por ele. Era a hora de atacar.
Esperaram que Artur se afastasse e chamaram pelos velhos.
- Ei, vocês! Podem nos dar uma informação? – perguntou Rocha.
Almir e Ézio pararam e encararam os dois homens extremamente musculosos. Mas os dois não esperaram que uma resposta fosse dada. Cada um deu uma pancada forte na cabeça de um. Foi o mínimo para eles caírem desacordados.
- Vamos lá, temos que levar eles muito rápido para a Kombi. Presta atenção se não tem ninguém vindo. – alertou Rocha.
Pegaram os velhos no colo e foram a passos lentos e atentos até a Kombi. Felizmente não tinha ninguém. Jogaram eles no banco de trás do veículo e os amarram bem forte.
- Quando acordarem vão ter uma surpresa e tanto. – disse Pedra.
.....
Dentro da mansão, Silva observou a atuação dos dois rapazes atentamente. Tinham se saído bem.
Agora tinha uma importante ligação a fazer.
CAPÍTULO 8
O taxi ia deslizando pelas sempre perigosas ruas de São Paulo. Mas ainda estava longe de seu destino.
Lá dentro o motorista ia conversando com o rapaz que minutos atrás pegara o taxi apavorado e dera as informações do local aonde queria ir.
- E por que vai até lá uma hora dessas? – perguntava o taxista sem tirar os olhos do movimentado trânsito.
- Porque sim. Tenho algumas coisas pra resolver.
Gabriel sentado no banco traseiro desejava que o motorista ficasse em silêncio e parasse de fazer perguntas. Precisa pensar, raciocinar. Ia olhando atento para os carros que iam e voltavam apressados. Um carro preto passou rapidamente por seu olhar preocupado. ‘’Talvez esse carro sofra um acidente daqui a pouco’’, pensou enquanto o motorista tagarelava coisas indistinguíveis naquele momento.
Ele sentia seu coração pulsar acelerado, e parecia que o sangue nas suas veias não circulavam, deixando ele gelado. Talvez estivesse até tremendo demais.
Quando pegara o taxi minutos antes, o motorista desconfiou do seu desespero e relutou em leva-lo até o local desejado. Gabriel inventara qualquer desculpa que já tinha esquecido e o taxista concordara.
Agora estava ali sentado, desejando que chegasse logo em seu destino. Se desse sorte chegaria antes de Artur.
Queria que sua irmã estivesse com ele, o ajudando nessa loucura. ‘’Será que ela estava certa?’’, se perguntava lembrando do pai e das atrocidades que ele havia cometido em sua vida miserável. Talvez ele estivesse queimando no inferno agora.
- Qual é seu nome? – o taxista não parava de falar.
- Gabriel Bastos.
O taxista assumiu uma expressão duvidosa. Tinha a impressão de que conhecia aquele nome.
- Você é filho de Manoel Bastos?
- Sou. ‘’Infelizmente’’.
Gabriel percebeu mesmo estando escuro que os olhos do motorista estavam lacrimejando.
- Seu pai foi muito importante na minha vida. – disse com a voz embargada. – Ele salvou a vida do meu pai, e não se apressou em receber.
- Ele tinha esse dom de salvar vidas. – murmurou Gabriel secamente. ‘’E também tinha o dom de tira-las’’.
- Imagino que você sinta-se orgulhoso por ter um pai assim.
Gabriel ficou silencioso. Queria que o homem parasse de falar, para então analisar a loucura que estava prestes a cometer.
Percebendo que Gabriel não estava dando muita bola para a conversa, o taxista resolveu mudar de assunto, falando agora em um tom mais áspero.
- Esse trânsito infernal. – resmungou quando o semáforo fechou. – A essa hora da noite fica impossível trabalhar.
- Imagino. – disse Gabriel com a voz baixa.
Ainda olhava para fora, observando os fantasmas de carros, pessoas, prostitutas, bêbados e muitas outras coisas que fazia parte da vida noturna. Ele queria estar junto deles, livre de tudo isso. Livre de seus problemas, suas preocupações. Queria reencontrar os amigos, dar risada, zombar.
E então pensou de quando o advogado atabalhoado revelara o testamento. Logo que ele dera a primeira pista, Gabriel sabia de quem se tratava. Seu pai só chamava uma pessoa de ‘’velho’’. Literalmente era um velho mesmo. Se fosse quem estava pensando, ele sabia que a noite ia ser longa. Com certeza ele deveria ser um velho esquecido, que não tinha amigos e adorava falar sobre sua vida e o tempo. Talvez falassem até de cachorros.
Mas, em algum lugar escondido do seu peito, ele se sentia culpado por ter saído da mansão sem avisar seus irmãos. Como Adriana havia dito, seu pai só queria promover a discórdia. ‘’O senhor da discórdia’’, dissera Artur. Ele não ia admitir, mas havia caído no jogo do seu pai. Pensou em voltar atrás e chamar seus irmãos, mas era tarde demais. E o dinheiro... era muito dinheiro.
- Você vai fazer uma visita? – o taxista perguntou tirando Gabriel do seu mundo, vai saber de qual galáxia.
- Sim, sou muito amigo dessa pessoa. Faz tempo que não o vejo. – claro que era uma mentira, mas isso deixava o taxista com algumas perguntas a menos.
- E que assassinato repentino e estra...
- Não quero falar nisso. – interrompeu Gabriel se irritando.
Enfim viu a casa que ele imaginava ser a que ele esperava que fosse. Sentiu um alivio tremendo sabendo que ia descer daquele carro e se livrar daquele motorista chato.
- É logo ali. Pode me deixar aqui mesmo.
O taxista parou e Gabriel desceu em seguida. Pagou a corrida e olhou bem o movimento a sua volta. Era um lugar isolado, onde tinha algumas casas caindo aos pedaços. A melhor, pelo que parecia, era a casa em que ele estava indo. Olhando melhor viu uma mulher fazendo sexo oral em um homem mais a frente. ‘’Como eu quero isso agora’’, pensou tirando logo aquele pensamento da cabeça. Tinha uma coisa melhor pra fazer. Em seguida viu o que parecia ser uma Kombi, estacionada logo um pouco a frente.
Parou em frente ao portão enferrujado da pequena casa e bateu palmas.
Ele não sabia que ia se arrepender completamente de ter feito isso.
....
Pereira estava novamente na mansão, sentado no confortável sofá, e ao seu lado estava Adriana. Ela havia ligado para ele poucos minutos atrás porque tinha algumas coisas pra dizer.
Mesmo estando com um compromisso marcado, Pereira voou até a mansão. Talvez ela dissesse tudo o que havia escondido mais cedo naquele dia.
Ele percebeu que já passavam das nove da noite e o dia fora completamente longo. Quando saíra da mansão, mais cedo, fora atrás do corpo de Manoel mais uma vez. Mas ele teve um susto quando disseram que o corpo havia sido cremado. Ele pensava que Manoel merecia um enterro digno.
- Eu tenho algumas coisas pra te dizer, Pereira. – estava dizendo Adriana com a voz trêmula.
- Fique a vontade.
Ela suspirou profundamente antes de começar.
- Quando você me perguntou mais cedo se eu soubesse de alguém que tivesse motivo pra assassinar meu pai, eu disse que não sabia. Eu ainda não sei... mas acho que talvez ele tivesse sim.
- Por que?
- Pereira, ele pode ter salvo a vida da sua mulher e de milhares de pessoas, mas o que ninguém sabe é que...além de salvar vidas... – parou de falar e sua voz assumiu um tom de choro – ele também tirava.
- Tirava? Como assim?
Ela olhou para Pereira e o encarou bem antes de falar.
- Ele... matou a minha mãe.
Adriana começou chorar e Pereira ficou remoendo em sua cabeça aquela frase, antes de se levantar, sentar ao lado de Adriana e dar um abraço reconfortante nela.
- Ele a maltratava todo dia. Quando chegava nervoso em casa, descontava tudo nela. E descontava na gente também. – falou com a voz um pouco mais calma, mas ainda chorando.
- Adriana, eu sei que por mais difícil que seja pra você me contar isso, é de grande ajuda. – disse Pereira. – Eu achava que ele fosse uma pessoa boa, todo mundo acha isso. Devo dizer-lhe que estou abismado.
- Desculpe não ter dito aquela hora. Eu ainda vivo com esse trauma até hoje. Vejo a minha mãe apanhar em todos os meus sonhos.
A atmosfera ficou pesada e Pereira não sabia o que dizer. Adriana ainda chorava, mas agora era mais discreta.
- E também depois do testamento...
- O que tem o testamento? – interrompeu Pereira curioso.
Ela o encarou.
- Ele deixou uma espécie de caça ao tesouro.
- Uma caça ao tesouro? Acho que isso não é uma coisa normal.
- E não é. Eu tentei convencer meus irmãos a não caírem no joguinho dele, mas eles são cabeças duras, não me ouvem. Meu pai, mesmo morto, os está controlando.
Pereira se levantou e parecia estar refletindo. Aquelas informações pareciam não valer de nada, mas ajudam e muito. Pelo menos dava pra saber que Manoel bastos era um homem ordinário e... assassino.
Ele pensava, calculava, mas tudo era escuro. A luz que ele esperava não aparecia. Quem? Quem poderia ser?
Um pouco antes de ir até a mansão, ele pesquisou em jornais, pesquisou na internet, mas não tinha nada sobre alguma briga ou algo do tipo. O homem parecia não ter inimigos.
Tinha mais uma coisa que queria saber.
- E, Adriana, por que vocês mandaram cremar o corpo dele?
Ela sorriu pela primeira vez desde que Pereira chegara.
- Resolvemos que ele não merecia um enterro. Ele já atormentou muitas almas enquanto estava vivo, então resolvemos não dar descanso pra sua.
- E vocês acham que o cremando seu espírito não vai estar em paz?
- Talvez não, quem sabe? – perguntou irônica.
Pereira só assentiu.
- Bem, ele é seu pai. Vocês decidem o que fazer com o corpo, ou melhor, com os pedaços do corpo.
Ela sorriu mais uma vez.
- Você disse que seus irmãos caíram no joguinho dele?
- Sim. Eles foram atrás dessa primeira pista que o advogado deu pra gente. Eu vou ficar aqui só pra descansar um pouco, espero ir embora logo de manhã. Vou deixar eles fazerem o que bem entenderem.
O lugar ficou silencioso.
- Você está tendo dificuldades, não é? – perguntou Adriana enquanto Pereira se sentava novamente.
- Muitas. – concordou Pereira. – Jamais poderia imaginar que ele fosse capaz de uma atrocidade dessas. Como sabe que ele, bem... matou sua mãe?
Ela dessa vez não chorou.
- Ele não a matou de uma vez. Como eu disse, ele a maltratava, deixava ela trancada, sem comer, sem beber. Ela viveu um inferno nas mãos de meu pai.
Pereira estava perplexo.
- Eu começo achar que o assassinato dele foi uma coisa normal. – murmurou com a voz baixa, e olhando pra baixo.
- Eu posso te sugerir uma coisa? – perguntou Adriana com a voz um pouco mais alegre.
- Depende...
- Não encontre o assassino. Meu pai mereceu.
Pereira riu e se levantou mais uma vez. Era uma sugestão que ele não poderia acatar.
- Eu não posso, Adriana. Por mais que ele tenha sido um assassino e tenha... matado a sua mãe, muitas pessoas não sabem que ele fez isso. Se ligar a televisão, verá a comoção que esse caso está causando. Estão me tratando como um herói. O Brasil todo quer justiça.
Ela refletiu e afirmou com a cabeça.
- Você tá certo. É o seu trabalho. – se rendeu com a voz triste.
Pereira suspirou.
- Bem, eu tenho que ir. Tenho um compromisso com uma pessoa ligada ao seu pai, talvez ela ajude.
Se virou e encaminhou-se para a porta, mas antes de sair olhou para Adriana mais uma vez.
- Eu sinto muito. E... obrigado pelo desabafo. Foi muito útil.
Ela sorriu e Pereira saiu em seguida.
Adriana ficou sozinha mais uma vez e pensou ter visto um vulto. ‘’Preciso dormir um pouco’’.
Saindo da mansão mais uma vez, Pereira já tinha um destino. Ele marcara um jantar com uma amante de Manoel Bastos. Ela dissera que tinha algumas coisas de grande importância pra dizer a respeito dele.
Mesmo assim ele não conseguia raciocinar claramente. Pelo que havia pesquisado, Manoel Bastos parecia um santo. ‘’Manoel Bastos visita hospital e faz caridade... ’’, ‘’Manoel Bastos investe muito dinheiro em hospitais públicos...’’, ‘’Manoel Bastos faz festa de aniversário para criança deficiente...’’. Era impossível acreditar que esse homem fosse um assassino.
Dirigindo seu carro a toda velocidade, Pereira se sentiu cansado pela primeira vez naquele dia. Mas ele sabia que ainda tinha muito chão pela frente, e não poderia desistir no meio do caminho. Aquele era o caso do ano. Talvez da década.
Pelo que a mulher lhe disse no telefone, ela convivia diariamente com Manoel. E ele sempre lhe confiava seus segredos. Pereira não sabia que tipo de mulher era essa, mas pela sua voz e pelo jeito de falar, parecia ser jovem. E também parecia ser uma vagabunda.
Ela não dera grandes detalhes do que ia dizer, só marcara o local para eles conversarem sossegadamente. ‘’Quem sabe ela não se torna a minha fonte principal?’’, pensava Pereira que mantinha a concentração no volante, mas a cabeça nos últimos acontecimentos.
As revelações de Adriana e o provável testamento ainda ecoavam em seu cérebro sempre ágil, mas agora cansado. Exausto.
‘’Uma caça ao tesouro?’’, se perguntava Pereira duvidoso. ‘’Ele não poderia simplesmente deixar claro para quem ia o dinheiro?’’.
As perguntas perturbavam sua cabeça. Mas isso fazia parte do seu árduo trabalho. Já tivera casos piores, bem mais complicados. E ele aprendera que se você vai por um caminho convicto de que está certo, é o caminho errado. Ele era experiente demais pra cair nessa novamente. Por isso tinha se tornado uma pessoa meticulosa e seca. O seu trabalho exigia isso.
Estacionou o carro frente a um barzinho pequeno e quase vazio, a não ser por dois bêbados cantando e chorando.
Quando desceu do carro, uma mulher que ia passando o reconheceu.
- Detetive Pereira!
Ele olhou para a mulher e tentou disfarçar andando apressadamente em direção ao bar. Mas ela sabia que não havia feito nenhuma confusão, era ele.
- Ache o assassino! – gritou a mulher.
‘’Eu vou achar. Eu vou achar’’.
Quando entrou, avistou um bar pequeno, com um grande balcão forrado de azulejos brancos, pegando quase todo o espaço destinado aos fregueses. Em cima do balcão tinha alguns potes de doces e do lado um antigo baleiro abarrotado de balas, chocolates, chicletes e pirulitos. Mais a frente, do lado de dentro do balcão, ficava uma pia de mármore bem cuidada e acima dela tinha dois suportes de madeira com várias bebidas de dose. Pereira não sabia muito bem de bebidas, mas deduziu que ali devia ter conhaques, pingas brancas, amarelas e outras coisas mais. Ele também percebeu que o freezer que ficava do lado da pia, estava brilhando e entupido de cerveja e refrigerantes. Mas o que mais chamou a atenção de Pereira, era a mulher sentada em um banco encostada no balcão. Pelo pouco pano que usava no corpo e o batom vermelho exagerado, Pereira soube em qual time ela jogava.
Ele pegou um banco e sentou-se ao seu lado, enquanto o dono do bar olhava para os dois com olhar desconfiado. Como o bar era pequeno, o dono e os fregueses ficavam bem próximos.
- Vamos lá fora. – sussurrou Pereira.
Ela olhou para ele de cima a baixo, e pela sua expressão parecia ter gostado da presença de Pereira. Ela desceu do banco e o acompanhou até lá fora.
Sentaram-se em uma cadeira de plástico amarela com uma mesa no meio os separando.
- Não quer tomar alguma coisa, detetive? – perguntou a mulher com uma voz sensual. Se Pereira não fosse forte, ficaria excitado.
Ela era uma morena com os cabelos lisos e brilhantes e com uma pequena franja. Seus olhos eram os mais negros possíveis, e ali no escuro da noite, eles brilhavam. Sua boca cheia de batom era sensual e pequena, e quando sorria exibia dentes branquinhos. Mas o seu corpo foi o que mais despertou a atenção de Pereira. A barriguinha de fora era perfeitamente definida, além de ter belas coxas que ela fazia questão de deixar a mostra. ‘’Manoel Bastos não era nada bobo’’, pensou analisando a moça.
- Não, eu só bebo uísque e pelo que percebi, aqui não vende. – respondeu Pereira com um pouco de excitação na voz. ‘’Não misture trabalho com prazer’’.
- Ah, esqueci que você é rico. Desculpe. – zombou ela rindo.
- Não sou rico. Aliás, isso não vem ao caso. Você não marcou um encontro para falarmos quanto dinheiro temos e o que bebemos, não é? – enfim assumiu uma postura firme em sua voz.
- Não. Pelo que vejo, está sendo um caso difícil.
Pereira assentiu.
- E pode me chamar de Bruninha. – brincou ela mudando de assunto.
- Te chamarei de Bruna.
- Tudo bem, como quiser. Como ia dizendo, vi que você está com sérios problemas. Manoel é adorado por todos. Como ele pode ter inimigos a ponto de assassina-lo? – ela era esperta.
- Você está certa. É isso que venho me perguntando. E pode acreditar, não achei nenhuma resposta ainda.
Ela riu e olhou para o céu cheio de estrelas.
- Está uma noite linda. Eu poderia estar trabalhando, mas escolhi estar aqui com você. Quero te ajudar. – sua voz era macia e doce. Pereira sentia-se quase seduzido por ela.
- E pode me ajudar?
- Talvez eu possa. – olhou para Pereira e o encarou. – Talvez não.
- Talvez não? – perguntou Pereira desconfiado.
- Claro. Estou perdendo uma noite de trabalho. Sabe quanto eu posso estar perdendo?
Ele negou com a cabeça.
- Então, - continuou Bruna – se você pagar bem, eu posso ajudar.
Pereira riu e deduziu que era bom demais pra ser verdade. Uma pessoa entra em contato dizendo que sabe muita coisa sobre Manoel Bastos. É claro que ela não daria aquelas informações de mão beijada. Tiraria proveito sobre elas. Se é que elas existiam.
- E como vou saber se está falando? Como vou saber se já esteve alguma vez com Manoel Bastos? – Pereira tinha de ser calculista. A mulher parecia ser inteligente.
- Ah, meu amigo, tenho muitas provas. Se duvidar da minha palavra, eu mostro pra você.
Pereira permanecia fitando-a profundamente.
- Que provas são essas?
- Digamos que são joias. E... algumas cartas.
- Cartas? Só isso?
Ela riu mais uma vez. Dessa vez foi uma sonora gargalhada.
- Não, só isso não. Eu sei que joias e cartas não provam nada. – disse encarando mais uma vez o céu. – Talvez eu possa te mostrar alguns vídeos.
- Vídeos?
- Sim, vídeos. Eu escondia câmeras enquanto a gente fazia amor e conversava. Eu gravei tudo isso sem ele saber. Eu ia chantagear ele, mas como o velho morreu, só me resta chantagear você.
Pereira esboçou um sorriso. Estava quase acreditando na jovem.
- Devo dizer que você é má? – perguntou Pereira irônico.
- Não, não deve. Não sou má, digamos que... sou uma aproveitadora.
Os dois bêbados que estavam sentados ao lado se levantaram e cambaleando, foram embora. Pereira observou bem os dois antes de continuar.
- E então, quanto vai querer? – enfim perguntou se rendendo.
- O que eu ganharia numa noite estrelada como essa. Concorda comigo que é uma bela noite?
Pereira não disse nada. Continuou fitando a garota de programa.
- Quanto ganharia?
Ela pensou bem parecendo puxar um valor do fundo da memória. Mas na verdade ela já tinha em mente o quanto pedir.
- Quinhentos reais eu falo tudo o que sei.
- Quinhentos? – explodiu Pereira.
Percebendo que tinha elevado a voz, olhou para os lados pra ver se ninguém tinha ouvido. Mas não havia nenhuma pessoa na rua. Só o dono do bar poderia ter ouvido.
- Sim. Creio que ainda estou pedindo pouco. Porque tem cada coisa...
- Está bem, eu pago. Mas não tenho o dinheiro agora.
- Não tem importância. Juros existem, não é?
Pereira se controlou pra não pular no pescoço dela.
- Pode dizer. – disse controlando a voz.
- Bem, no principio era o verbo... brincadeira. – ‘’Ela já leu a bíblia?’’ – O que eu tenho pra dizer é interessante. Em uma de nossas conversas na cama, ele me contou um pouco de sua vida. Disse que nascera uma criança pobre, filho de um ambulante e de uma doméstica. Ele sempre falava que tinha uma cabeça brilhante e sempre tirava as notas mais altas na escola. Mas isso era o de menos. Ele me contou que usava de sua inteligência para chantagear pessoas, e como era pobre, era assim que conseguia aquilo que queria comprar.
- Sim, isso é verdade. – interrompeu Pereira prestando muita atenção. – Continue.
- O que me surpreendeu mais, foi quando ele me disse que envenenou seus pais, simplesmente porque tinha vergonha, ou melhor, tinha nojo deles.
Pereira assumiu uma expressão séria. Bruna continuou.
- Seus irmãos descobriram o que ele tinha feito e o abandonaram. Mas ele nunca teve medo de ficar sozinho. Chantageou um professor seu e ficou morando com ele até ficar mais velho. Esse foi o mesmo professor que o pôs na faculdade de medicina. Daí pra frente todo mundo já sabe o que aconteceu.
Ela parou de falar e Pereira ficou esperando mais. Até ali ele já sabia tudo.
- Não tem mais? – perguntou querendo esganar aquela jovem.
- Tem, tem. Tem mais sim. Eu só estou querendo lembrar a forma como ele me disse uma coisa. – ela pensou um pouco e depois de um breve espaço de tempo pareceu lembrar o que era. – Ele me disse, ‘’eu consigo promover a discórdia até entre o papa e os seus fiéis’’.
Pereira estava abismado.
- Mas a história não para por aí. – continuou. – Ele me contou que conheceu sua mulher na faculdade e fizera ela se apaixonar por ele. Mas... ele me disse que só se casou com ela para ter filhos e depois judia-los. Ele era muito mal, detetive.
Pereira assentiu. Estava começando concordar.
- Ele me disse também que matou sua mulher aos poucos. Isso me deixou preocupada e foi nesse ponto que pensei parar de visita-lo. O que ele poderia fazer comigo?
- E você parou de ir? – Pereira permanecia atento.
- Fui só mais uma vez. E foi nessa vez que ele me contou uma coisa que me deixou curiosa.
- O que foi?
- Depois de transarmos, ele me disse que tinha planos. Que estava velho e precisava se divertir um pouco. Ele disse algo como, ‘’fazer meus filhos e parentes de marionetes’’.
Pereira estava cada vez mais surpreso.
- Me contou que era capaz de inventar um assassinato pra os fazer voltarem para a mansão. Certamente que voltariam, pois teria muito dinheiro no testamento. Foi então que ele falou de fazer uma brincadeira com seus filhos, fazendo uma caça ao tesouro, que na verdade era uma forma de criar discórdia entre eles. Ele disse que adoraria ver isso de camarote.
- Ver?
- Sim, foi o que ele disse. Enfim detetive, - disse se levantando – é só isso. Acho que foi de grande ajuda. Se puder disponibilizar o dinheiro dentro de uma semana, eu agradeço.
Pereira se levantou e estendeu a mão para ela.
- Foi de grande ajuda sim. Pode esperar que os quinhentos reais vão estar na sua mão dentro de sete dias.
- Obrigada. Agora tenho que ir.
Ela o observou mais uma vez antes de virar as costas e ir embora. Ele ficou observando o rebolado dela e sentiu vontade de brincar com aquela bunda perfeita.
‘’Inventar um assassinato?’’. ‘’Ver de camarote?’’.
Pereira tentou não acreditar naquilo que estava acreditando.
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Pelo andar da carruagem, postarei os capítulos mais rápidos, já que dei uma boa adiantada na história.
Mas por enquanto postarei a continuação sábado(01/09)
Continuem acompanhando porque é daqui pra frente que as surpresas virão.
Obrigado a todos!