Uma noite de Chuva
Apolinário soprou a fumaça do cigarro de palha, de pernas cruzadas sobre o velho banco de madeira do lado de fora da casa. No mesmo lugar onde fora fincado no chão pelo pai há mais de 50 anos. O quintal imenso deixava o vento brincar de arrastar as folhas secas das arvores que mudavam suas cores pelo frio do inverno. Apolinário tragou novamente a fumaça e desta vez deixou sentir no interior, fez uma abertura oval na boca e a fumaça exalou. Uma corda dependurada no galho seco do cajueiro branco chamava a atenção, na ponta um arco com um nó e uma amarga lembrança. Novamente o cigarro vai à boca e um flash-back surge como uma tela que se abre ao léu. Mostrando no interior da casa ampla Leonice a filha mais nova recebendo de José Lourenço seu namorado, as alianças que celebram o noivado, um ano após se conhecerem. Estão presentes além dele os pais do noivo e Dona Salustina sua esposa. Os filhos Baltazar e Belchior chegam depois aboiando e tocando um berrante que ecoa na imensidão daquela data de felicidade, varias pessoas se adentram no coro das palmas de parabéns pra você e viva os noivos, tantos presentes e abraços que uma lua no céu brilhava feito sol. Um trovão repentino traz o velho de volta a angustia do presente, uma lágrima brota com um nó que desce feito caroço de abacate engolido com grãos de cristais. O vento medra na linha do horizonte turvo e chega feito passarinho voando dentro da casa, a janela bate com força e as fotos de cima da prateleira de tábuas azuis vão parar em baixo dos seus pés. Um novo flash-back se apossa da memória sofrida e Dona Salustina aparece sorrindo com o vestido verde, florido como a primavera que ela dizia ser a mais linda das estações. De pé ao lado do pilão pequeno de pisar carne para paçoca rodeada pelos filhos e a afilhada Marinalva. O fotografo com a paciência de docente infantil fizera todas as vontades e todas as fotos que a egolatria exigiu. Outra rajada de vento invade a casa aberta e um barulho de louça caindo se ouve claramente. Outro trovão treme a terra que exala o cheiro característico do encontro com a água. A chuva que há tempos não passava por ali caí valente em forma de pequenos cubos de gelo, a perspectiva se perdeu nublada diante da visão, o vento ainda mais forte invade novamente a casa bate as portas que em teimosia voltam a se abrir, assim são as janelas deixam escapar roupas e utensílios sem cobrarem paradeiros de ida. Apolinário catatônico de cabeça baixa tem as mãos entrelaçadas na tentativa de proteção e descuida de propósito das outras partes que são violentamente apedrejadas pelo granizo. Um raio clareia a escuridão repentina e parte o cajueiro que segurava a corda, o estrondo abala a casa e uma telha se desprende caindo a poucos metros de onde está. A fúria da natureza parece não ter fim e o vento que estava agressivo adquire ainda mais força, invadindo mais uma vez o interior da casa, as janelas que resistiam são arrancadas e lançadas contra a porta que não resiste e vai rodopiar no meio do quintal, outro trovão ribomba com mais intensidade e o tremor na terra assina um risco sinuoso na parede lateral da casa que acaba de perder as telhas que bailam no vento feito avião de papel. Ao sentir que o fim se aproxima Apolinário vai chamando um a um dos seus filhos e por ultimo a esposa amada.
– Que foi homem, cê ta ficando doido é? -Ai minha Nossa Senhora eu tive um pesadelo horrível! Meu Deus! – Calma meu véi vamo curtir a chuvinha baruiando gostoso na telha que amanhã é dia de encher as cova de feijão. - Deus seja louvado, Deus seja louvada, livrai-nos de todas as tentação senhor! – Salú, bem que nois podia enroscar um tiquim né, aproveitar a chuvinha! – Ah!Larga de fogo véi pra frente.