Insônia Parte III
Demorou alguns segundos até meus olhos se ajustarem ao novo ambiente, embora Névari não tenha esperado tanto, pois me levava junto com ele apressadamente.
Eu não sabia dizer onde estava, parecia uma vila de casas iguais. Pequenas e escuras.
Algumas pessoas caminhavam de um lado a outro, numa feira gritante.
Estava escuro, não consegui ver a lua lá no céu, nem estrela alguma. O ar era denso, parecia uma fumaça.
Entrávamos e saíamos por umas vielas sujas, becos estreitos e mal cheirosos. Atravessamos uma ponte, mas antes de chegarmos numa plantação, Névari virou a esquerda onde havia um grande portão, como de castelos antigos.
- Espere aqui. – ordenou ele.
Eu não tinha mais coragem para fugir, de repente tudo ao redor pareceu mais assustador do que o homem misterioso. Eu podia escutar o rufar de asas sobre minha cabeça. Eram asas pesadas e bem maiores do que de uma águia, certamente.
Névari logo retornou e parecia muito preocupado com algo. Trouxe-me um manto e ordenou-me que me cobrisse com ele.
- Não vou usar isso! Leve-me de volta para casa agora! – eu gritei.
- Não será possível. – disse ele. – Não temos tempo para isso, Isabel.
Parei bruscamente. – Como sabe meu nome?
- Sei mais sobre sua vida do que você mesma. – Névari falou gentilmente. – Agora vamos.
Num movimento só ele me cobriu com o manto e guiou-me para dentro daquele portão. Eu não conseguia me mover debaixo de seus braços pesados, que me envolviam numa prisão.
Eu escutava mais vozes exaltadas, talvez uma discussão por baixo do manto que cobria minha visão. Sentia que as pessoas continuavam a caminhar apressadas e desnorteadas.
Uma ânsia crescia dentro de mim com furor, em meio aquela agitação perturbante. O cheiro forte daquele lugar me enjoava. Minha cabeça começou a doer um pouco, foi então que Névari afrouxou um pouco seu braço sobre mim. O que ele devia ser afinal? Como ele conseguia perceber o que acontecia em mim?
Será que tudo que penso é claro para ele como se falasse em voz alta?
Ele apressou o passo, talvez percebendo que eu não estava bem. Minhas pernas de repente já não tinham tanta força, minha respiração tornou-se difícil.
Descemos várias escadas até que em frente a uma porta velha paramos. Ele finalmente permitiu que eu retirasse o manto sobre a minha cabeça.
Uma mulher alta e muito magra surgiu. Seu primeiro olhar fora para Névari, um olhar doce, saudoso. Depois me observou com pavor como se eu fosse um fantasma.
- O que fez Névari? - sua voz pareceu mais um sussurro enquanto seus olhos perdiam-se em mim.
- Deixe-nos entrar. - com aspereza Névari me fez passar pela mulher abismada e fechou a porta com urgência.
Confesso que não consegui notar nada dentro do cômodo que me encontrava, mas sentei-me em algum lugar.
- Por favor, prepare para ela um pouco de chá de erva do mar. - Névari pediu, observando-me com cuidado.
A mulher sorriu ironicamente. - O que pensa que está fazendo? Já parou ao menos por um segundo para pensar nas conseqüências disso?
- Por favor, Elyn. - ele pediu.
- O que pretende fazer com ela agora? - ela indagou, mas Névari permaneceu mudo - Vamos entregá-la ao Lorde Murark!
- Jamais.
- Eu não posso acreditar no que ouço não me diga que as histórias antigas envolveram tanto sua mente que você começou a acreditar nelas? - Elyn gritou - Sabe bem qual é o destino dela, não sabe? Ela é de Murark!
Névari levantou-se, furioso. - Não são apenas histórias, Elyn. Você sabe tão bem quanto eu, você também esteve lá. - ele gritou mais alto ainda - Mais aquilo não irá se repetir, eu juro! Eu irei livrá-la da maldição, custe o que custar.
- Sabe o que irá custar. - disse Elyn parecendo muito infeliz - Farei o maldito chá, mas não servirá por muito tempo.
Eu queria gritar também, queria entender o que estava acontecendo. Mas meu corpo não me obedecia mais, eu nunca me sentira tão fraca.
O que quer que seja que Névari me dizia, tornou-se longe.
Senti a inconsciência arrastar-me para a escuridão. Tive sonhos estranhos e sentimentos aflitos tomaram conta de mim.
Pouco a pouco eu começava a sentir meu corpo novamente. Reconheci o rosto de Elyn e logo atrás dela estava Névari com seu olhar tenso. A mulher tocava minha testa gentilmente com algo bem quente, mas que não me incomodou.
- Está vendo, eu disse que ela ficaria bem. – resmungou Elyn.
- Como está se sentindo? Consegue ficar de pé? – indagou Névari.
- Por que estão falando coisas sem sentido? Quanto tempo eu dormi?
Elyn levantou-se - Há quase três dias.
O pavor tomou-me - Três dias? Não pode ser! Tio Edmundo deve estar louco, preciso voltar.
- Não comece com isso de novo. - implorou Névari.
Foi então que um som abafado soou. Não sei bem o que houve, mas de repente o lugar fora invadido por três homens enormes.
Eles tinham a mesma aparência nefasta de Névari e Elyn, mas sem duvida eram piores.
Antes que Elyn pudesse mover-se para fugir, um dos homens a atingiu com um chama que a prendeu numa prisão sem grades, somente fogo ao seu redor.
Névari segurou-me com força, tentando proteger-me.
- O que está fazendo guardião? - indagou um dos homens.
- O que é certo. - disse ele
- Sabe que não há como fugir de nós, se pretendes continuar com isso é por que é muito corajoso. - sorriu ironicamente um deles - Quero ver toda sua coragem diante do Lorde Murark.
Eu encolhi-me nos braços de Névari e em seu ouvido sussurrei - O que irá acontecer? Eu estou com medo.
Ele olhou-me dentro dos olhos - Eu a protegi até hoje, não irei lhe abandonar.
- Então irão juntos para as masmorras da Torre das chamas.
Não pude ver mais nada além de fogo ao meu redor.
Continua...