Insônia Parte II
O vento tornava-se cada vez mais forte, batendo no meu rosto com brutalidade.
Meus cabelos voavam enlouquecidamente.
Seu uivo cortava as árvores, numa corrida sem fim para lugar nenhum.
Eu sentia-me mergulhada num lago profundo e a cada instante eu ficava mais longe da superfície.
Eu queria gritar bem alto, como se todo meu devaneio de repente terminasse.
Será que o abismo entre a loucura e a sanidade era bem grande? Creio que não. Devia ser haver apenas uma pequena linha invisível que as separa. Eu havia atravessado.
De um lado a outro, só havia penumbra ao redor. Eu estava perdida, não fazia idéia para onde ele poderia ter ido.
Já poderia estar bem longe.
E se tio Edmundo acordasse? O que pensaria, ou melhor, o que diria se me encontrasse ali?
Eu precisava voltar para casa, uma sábia voz gritava dentro de mim.
Pouco a pouco o impulso violento que me moveu até a rua as 3:00 desaparecia. Posso até dizer com certeza que começava a sentir o sono chegando.
Em que estava pensando? Por certo eu imaginei tudo. Tudo mesmo. Nada daquilo devia ser real.
Começava a cogitar sonambulismo ao voltar para casa.
Foi então que um som mais alto que o uivo do vento tocou em mim.
Um animal piou lá no céu escuro, um som agudo e profundo que fez doer-me a alma.
Precisei voltar. Observei cegamente o rufar de asas pesadas, até que uma águia enorme cortou a rua bem diante de mim.
Eu devia estar enlouquecendo realmente, pois antes de tocar o chão, não havia mais garras e sim pés. O enorme animal de asas pretas e ostentosas transformou-se no homem misterioso.
Novamente estava presa naqueles olhos traiçoeiros e frios, incapaz de correr ou gritar. O homem, ou seja, lá o que ele for, aproximou-se de mim. Eu sabia que não deveria estar ali, tinha uma certeza inexplicável de que ele poderia me fazer mal.
- Não lhe farei mal nenhum. - disse ele, como se eu tivesse escutado meu pensamento. Nada consegui responder.
Eu deveria ter continuado na cama, esperado desesperadamente o sono chegar. Maldita hora em que observei através daquela janela!
- Fez o que devia fazer não se culpe. - disse ele com uma voz baixa - Nos encontraríamos de qualquer forma, sendo hoje ou não.
- O que está dizendo? - minha voz soou histérica e fraca, enquanto a sua era uniforme e firme.
- Sou Névari, guardião da Torre das Chamas e servo fiel do Lorde Murark. - fez uma elegante reverência, mas suas palavras não pareciam agradá-lo. Muito menos a mim.
- O que? Quem é Murark? E que Torre das Chamas? Onde fica isso? Você é louco?
- Sou Névari, guardião -
O interrompi, já que ironicamente ele deixava-me sem mais explicações. - Não quero saber o que você é, já vi o que fez e não imagino como consegue fazer aquele truque. Preciso entrar, já é tarde demais.
Com uma velocidade incrível ele estava diante de mim. Sua mão extremamente gélida segurou meu braço bruscamente.
- Realmente é tarde demais, precisa vir comigo. - disse ele.
Eu sorri debilmente, ele não podia estar falando sério. Tentei sem resultado me libertar de sua mão, mas ele parecia feito de pedra.
- Eu juro que vou gritar! - rosnei para ele.
- Ninguém conseguirá te escutar, eu garanto.
De repente eu me senti tão pequena, tão frágil. Ele parecia mesmo aquela águia e eu era sua nova presa.
- O que você é? - sussurrei, sentindo algo quente rolar dos meus olhos.
Seu rosto contorceu-se numa máscara de horror, seus olhos perdidos cresciam abismados. Havia nele um passado tão negro que foi fácil de perceber.
- Eles logo estarão aqui, precisamos ir agora. - ele alertou, tentando focar-se novamente.
- Eles? Quem?
- Outros como eu, ou piores talvez.
Meu pânico crescia em cada palavra dele, meu peito ardia como uma brasa viva.
- Me deixe entrar então, eu não tenho nada a ver com isso. - eu implorei
Ele sorriu, e quase pareceu gentil. - Você tem tudo a ver. Todos aguardam você, não há nada que desejem mais.
Névari segurou minhas mãos, embora eu tentasse libertar-me desesperadamente. Eu acho que gritava nesse momento, mas nem mesmo eu conseguia escutar minha voz.
- Olhe nos meus olhos e apenas para mim. - sua voz pareceu ecoar dentro de mim.
Eu não tive escolha, não podia fugir mesmo. E um circulo perfeito ao nosso redor surgiu, então fora tomado por chamas.
O fogo estava muito próximo, mas de alguma forma não nos queimava. Precisei olhar para ele e somente para ele, como havia dito.
Meus olhos não enxergavam mais nada, apenas Névari e as chamas crescentes que faziam meus olhos arderem.
Eu não entendia o que estava acontecendo ou o que iria acontecer, também não sei precisar quanto tempo durou, mas quando findou eu não estava mais em frente de casa, naquela rua vazia.
Continua...