DESCONHECIDOS - 31

DESCONHECIDOS – 31

Rangel Alves da Costa*

“Sim, homem de Deus, fale, fale logo dessa tal profecia”. Disse Aristeu, balançando o doido pelos ombros e quase dando uns tabefes na sua cara para ficar mais esperto.

Mas Toinho retrucava: “Num sei não. E se a sombra aparecer novamente, agora como defunta, que é mais pior?”. “Eu mato ela de novo, jogo dessa vez um milhão de pedras, uma pedreira inteira, um rochedo se for preciso, mas conte logo essa história”, gritava nervosamente Aristeu.

“Se você tem tanta força assim porque não muda aquele rio de lugar e empata que aquele pescador que já vive lá continue no lugar e não faz de tudo pra que as pessoas que vão pra lá desistam de chegar e ficar pelas beiragens do rio?”. Disse o maluquinho, atiçando a curiosidade do profeta, que imediatamente perguntou: “E por que eu deveria fazer isso?”.

“Ora, mas porque senão muita coisa ruim pode acontecer. A água do rio pode ficar com uma cor diferente daquele azul-esverdeado bonito e ficar com uma cor sem cor, perder a cor ou ficar com uma cor escura de tristeza e sofrimento. O pior é que também pode ficar da cor de sangue, vermelho como o sangue de rio, mas que não é do rio é das pessoas que vivem nas beiragens dele...”.

“Mas quem lhe disse isso Toinho”, perguntou ainda mais nervoso Aristeu. “Já disse que foi a sombra. Às vezes a sombra saía um pouquinho da sombra e vinha me segredar essas coisas. Fazia isso porque dizia que logo logo ia morrer e não queria ter passado pela vida apenas fazendo maldade, e como ninguém podia ver nem ouvir ela, só eu, então ela vinha e me dizia essas coisas. Dizia que era pra cumprir seu tiquinho de bondade. A história toda ela não me contava não, mas dizia apenas isso que eu disse e umas coisinhas mais e que o rio era aquele com quase nome de santo e que fica por ali adiante...”.

“São Pedrito, Rio São Pedrito, foi esse o nome do rio que a sombra disse não foi? E que história é essa do rio ficar por ali adiante? Aquele senhor que estava com a gente na estrada disse que o tal rio fica muito distante, subindo serra e descendo serra, que dificilmente alguém conseguirá alcançá-lo caminhando...”. Falou o profeta, cheia de dúvidas e interesses.

Toinho esboçou um leve e misterioso sorriso e foi logo dizendo: “Mentira, tudo mentira. O rio é esse mesmo que você disse, Pedrito, mas num fica lá longe não. É tudo mentira daquele mentiroso. Mas acho que mentiu não foi por maldade não, mas por medo mesmo. Todo mundo aqui se pela de medo só de ver falar nesse rio. E porque dizem que chama má sorte pra o resto da vida quem diz que ele tá perto. Dizendo que ele é bem longe, então as coisas misteriosas e assustadoras também vão cada vez mais pra longe...”

“Ah, tá certo Toinho. Mas você disse atrás que a sombra tinha dito outras coisinhas, não foi mesmo? O que foi que ela disse?”. E de olhos arregalados, parecendo assustado, segurando no braço do profeta, o maluquinho falou baixinho, com a voz entrecortada: “Parece que você vai ter de perguntar a ela mesma. Olhe ali atrás, ela tá se levantado raivosa, com a cara mais feia do mundo, perecendo que tá com raiva de mim porque eu tava contando tudo. Ela vai levantar, ela vai levantar, tá levantando...”.

E rapidamente Aristeu pegou no chão uma pedra bem brande e jogou sem direção. E foi um alívio no rosto do maluquinho, que disse em seguida: “Foi bem na cabeça e esbagaçou com tudo. Agora duvido que ela venha de novo. Tô até veno uma nuvem negra se formar por cima dela e já está começando a arrastar. Essa nuvem negra deve ir pra outro lugar que não pra cima, onde estão as outras nuvens branquinhas. Se elas não vão lá pra cima, em direção ao céu, então... Lascou-se!”. E deu um abraço apertado no profeta, que achou melhor não rechaçar.

“Agora que ela já morreu para sempre você pode falar sobre as outras coisinhas, não é mesmo?”, indagou. “Sim, mas deixe ver se eu me alembro. Já sei, já sei. Com sua força você pode tirar aquele rio de lá ou mudar o caminho dele, mas primeiro tem que cuidar das pessoas. Aí é que tá o problema, pois quem vive lá vive muito feliz e quem vai chegar lá ou ficar por perto também. Todo mundo vai achar que ali é a maior maravilha do mundo, só que as águas do rio que parecem passar silenciosas e mansinhas, na verdade conhece a história de todo mundo, e porque já conhecia e também porque fica vendo aquilo tudo quando passa e retorna. Você sabia que as águas daquele rio vão e voltam pra o mesmo lugar e começa a correr novamente? Pois é, o rio sabe de tudo e conhece tudo. Mas é um rio bondoso e maldoso ao mesmo tempo. Bom demais e ruim até dizer chega. Então é o passado dessas pessoas, juntamente com o que acontecer por ali, que vai mostrar a cara do bicho e aquilo que passa mansamente quando molhar os desconhecidos então é que o bicho vai pegar. Mas nisso tudo tem um problema maior, pois a sombra também falou que nesse meio vai estar um começo de vida e uma vida vivida...”

“Uma criança e uma velha?”, perguntou o esbaforido profeta, quase com o coração saindo pela boca. E Toinho respondeu mansamente: “Num sei, só sei que nesse meio vai estar um começo de vida e uma vida vivida...”.

continua...

Poeta e cronista

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