Na Selva

Na Selva

por Pedro Moreno (http://www.facebook.com/pages/Pedro-Moreno/152433864809858?v=wall)

Perdido na selva por quatro dias, Rafael vê suas últimas esperanças em uma árvore. Seus frutos ele não pode identificar e quando mordidos deixam um amargor na boca, mas é melhor do que nada. Um barulho de riacho atinge os ouvidos do rapaz que logo sai a procura da água.

Uma nascente surgida por de trás de uma seringueira escoa uma água limpa e brilhante que corre por um caminho de pedras redondas. Rafael se ajoelha e sorve a água igual a um animal. Satisfeito de seus instintos primais, o rapaz deita sobre a relva para descansar.

O monomotor no qual estava sofreu uma pane e caiu em plena selva amazônica. Ele não tem certeza se está em terras brasileiras ou colombianas. Não que os perigos da floresta respeitem fronteiras, mas saber onde está parte da premissa de não estar mais perdido.

Logo a noite se aproxima mais uma vez e com ela aparecem os medos. Na selva intricada a luz da lua pouco ilumina o terror que é estar perdido. Felinos de médio porte, cobras e demais animais selvagens são um perigo real para quem se aventura nestas bandas. É difícil dormir e quando qualquer barulho estoura perto dele já o acorda.

Quando apenas o barulho dos grilos é ouvido, o rapaz abre seus olhos com calma e enxerga uma figura entre as árvores. Uma moça. Do no máximo 20 anos de cabelos pretos e feições indígenas, suas roupas indicam uma ascendência colombiana. Ele se levanta para se fazer enxergado, ela está descalça, se vira em direção ao coração da mata.

Rafael de sobressalto fica de pé. Corre em direção da moça que acelera o passo. A moça atravessa, uma árvore. Como se seu corpo não tivesse massa. O rapaz para de imediato e se vira para correr, mas ela já está na sua frente, com o rosto pálido e escaras em volta do pescoço. Com o susto ele cai, porém o terreno inclinado não garante que ele fique no lugar. Logo ele rola ladeira abaixo até ser atingido por uma árvore que lhe acerta o ventre.

Contorcendo-se de dor, o medo vence a injúria e faz Rafael se levantar para voltar a correr, mas o que ele vê o faz ficar paralisado no lugar. A imagem parecia ser de um sonho, mas pesadelo era a menção correta. As pessoas estavam desfocadas e as cores fora do normal, ainda sim era possível conseguir ver o que acontecia.

Naquela clareira o espectro da moça era arrastada floresta adentro por um homem forte vestido como militar e uma cicatriz no queixo. A curiosidade deu lugar ao medo e Rafael decidiu seguir os passos dos fantasmas até outra clareira. Ela foi jogada no chão e outros homens a seguraram. Eram sete no total. Eles a prenderam com cordas em estacas no chão. O rapaz atônito levou a mão a boca quando todos eles o viram. Pararam o que faziam e o fitaram por tempo indeterminado.

Rafael seguiu para trás e seu calcanhar encontrou uma pedra que o fez cair no chão batendo dolorosamente sua cabeça. Desmaiou.

Acordou com o sol a lhe esquentar a cabeça como se quisesse cozinhar seus miolos. Ao menos estava vivo. À sua frente a clareira com as estacas no chão confirmaram a história que ele viu.

O jovem se agacha junto ao chão e passa as mãos sobre as estacas, ainda há um pouco de corda cortada. Será que ela se soltou ou a soltaram?

Uma trilha segue em frente, parece o caminho mais provável que alguém tomaria caso tentasse arrasta-la ou a moça conseguisse uma fuga. Rafael decidiu seguir os passos. Mais a frente ele vê uma outra clareira, porém esta não é natural, árvores foram derrubadas e ao centro cinzas e destroços queimados.

Rafael chega ao centro da clareira e imagens fantasmagóricas do passado surgem mostrando que aquilo foi um acampamento, os homens estão bebendo ao lado da fogueira. Do lado do rapaz passa a visão espectral da moça, seus pulsos marcados sangram, assim como seus tornozelos. Sua roupa rasgada deixa um pedaço de seu corpo a mostra. Em suas mãos um galão de gasolina recém achado ao lado de uma barraca.

Em um só lance a garota acerta a fogueira e os homens começam a pegar fogo graças a explosão. A cena se desfaz e sobra para Rafael uma pilha de cinzas. Com a ajuda de um galho solto, o rapaz começa a mexer nas cinzas e encontra alguns crânios. Ele os enfileira e percebe que há apenas seis. Um deles não estava no momento do incêndio.

Olhando em volta, há um pedaço de pano rasgado preso em um arbusto. Um tecido camuflado igual aos dos outros homens. Rafael segue pela mata em busca da verdade e a acha na forma de mais uma visão fantasmagórica. Desta vez o homem restante estava com suas mãos no pescoço da moça até que ela desmaiasse. Ele passou uma corda por seu pescoço e a cena se desfez deixando Rafael novamente sozinho.

O rapaz olhou em sua volta e contemplou o sol que já se direcionava ao poente. Ao longe a figura espectral da moça parada em meio às árvores. Rafael se aproxima com cuidado. O medo lhe diz para não chegar perto, mas depois de tudo que esta moça sofreu ele não a culpa por ser um fantasma, qual escolha ela teve? Quando eles estão a poucos centímetros de distância um do outro, ele vê uma lágrima descendo pelo rosto dela. Instintivamente ele olha para cima e vê o cadáver da moça com uma corda em seu pescoço pendurado em uma árvore. Foi esse afinal o destino dela.

Rafael desce o corpo e oferece um enterro digno para a vítima. Quando termina ouve um farfalhar atrás de si. Quando se vira não tem tempo para reagir, é ele, o assassino da moça, que pula sobre o rapaz e começa a desferir socos contra seu rosto.

Ele tenta se esquivar como pode, na busca de tentar empurrar o soldado encontra uma faca presa em sua cintura, a arranca e crava em seu peito. Logo o assassino morre se debatendo contra seu destino.

Ainda coberto pelo sangue do agressor. Rafael senta no chão duro da floresta e vê a moça, que agora brilha e não tem cicatrizes. Seu rosto recomposto apresenta uma beleza angelical. Ela aponta para uma série de arbusto de folhagens vivas. O rapaz segue até o local indicado e encontra uma moto que provavelmente pertencida aos soldados. Nas bolsas laterais comida, água e gasolina. Em cima do tanque de combustível uma bússola.

Rafael suspira e olha para o local onde estava a moça. Ela não mais está lá. Pelo jeito hoje se salvaram duas pessoas. Ele sobe na moto e dá partida. É hora de ir para casa.