DESCONHECIDOS - 2
DESCONHECIDOS – 2
Rangel Alves da Costa*
Aristeu, o profeta, foi batizado um dia com o nome de Febrônio Melênio dos Santos. Nunca soube da origem deste nome e nem porque os seus pais o haviam escolhido para colocar no único filho homem nascido.
Não sabia das motivações desse nome, contudo a estranheza e até feiúra dele foi o que motivou a primeira revolta do filho em relação aos pais. O pior é que colocaram o nome num composto de Febrônio e Melênio e depois só chamavam o pequenino de Nonon. Ao ouvir esse Nonon sendo pronunciado, o menino só faltava correr e arrancar as tripas dos pais. Arrancar e comer, lógico.
Foi crescendo sem aceitar de jeito nenhum essa identificação pessoal e se perguntavam qual o seu nome dizia que era Aristeu. Certa vez um indivíduo disse que Aristeu era nome feio demais, então o menino avançou sobre a pessoa e quebrou-lhe três dentes.
Sentia-se completamente perdido no meio em que vivia, achando-se muito acima da mentalidade interiorana daquelas pessoas. Tinha que sair das escolas onde era matriculado porque passou a querer ensinar aos professores, contestar todas as lições conservadoras que eram repassadas e de vez em quando obrigar que a coitada da professora sentasse em seu lugar para ouvi-lo falar sobre a realidade do mundo.
Daí que nem os professores nem os colegas suportavam tal situação e assim Aristeu, como se autodenominava, ia sendo expulso de escola em escola. E de todas elas saiu sendo conhecido como o rapazinho maluco, o doido varrido, o profeta do impossível. Disso tudo só gostou do profeta, pois quanto ao restante fez muito menino comer terra, sofrer grandes hematomas e as meninas ficarem sem boa parte dos cabelos.
Como consequencia de tais proezas, reclamações de toda sorte e acrescentando-se o fato de que ele cismou expulsar o padre e os políticos do lugar com uma velha garruncha, alegando que todos eles faziam parte de uma corja que só pensava em enganar o povo através do desvirtuamento das palavras divinas e das promessas políticas nunca cumpridas, verdade é que o pai decidiu interná-lo num centro psiquiátrico.
No momento que o pai, na companhia de mais cinco amigos que pareciam gigantes, tentou agarrá-lo às escondidas para amarrá-lo e encaminhar para tratamento, astutamente ele se desvencilhou e propôs um acordo amigável. E disse que só estava propondo aquilo porque queria, senão duvidava que a cidade inteira, que só tinha frouxos, conseguisse lhe botar as mãos. Ao menos uns vinte eu mato, prometeu, mostrando uma gilete que carregava atrás da orelha.
O acordo amigável consistia em cortar de uma vez por todas as relações familiares. A partir daquele momento era como se Febrônio Melênio jamais tivesse nascido naquela família, pois um novo homem, chamado Aristeu, o profeta, ia seguir seu destino.
E qual o destino dos grandes profetas? Manejar multidões e tê-las a seus pés, convertidas que estarão pela força da palavra, segundo ele mesmo dizia com olhos brilhando mais que tudo e mãos alvoroçadas cortando os ares.
Mas disse que ninguém pensasse que ao sair de casa fosse viver perambulando pelas ruas, como errante ou vagabundo. De jeito nenhum, pois se desejava ser o profeta que atrai multidões deveria primeiro se preparar para tal. Desse modo, ofereceria a si mesmo um longo período de preparação em algum mosteiro que o quisesse receber como oficiante leigo, onde adentraria no mundo do conhecimento das mais altas questões religiosas, filosóficas e do interesse geral da humanidade.
Foi aceito por um velho religioso que gostou do seu discurso à primeira vista. Talvez seja uma ovelha que o bom Deus enviou para se juntar ao nosso rebanho, pensou. E assim Aristeu conviveu com os velhos livros, dogmas e preceitos durante três anos, até que começou a querer ensinar ao superior do mosteiro, pregar sobre pecados velados que havia dentro daquelas paredes, querer revirar o mosteiro de pernas pro ar.
“Mas esse homem está completamente louco, doido de pedra, vergonhosamente insano. Quero-o fora daqui imediatamente. Joguem-no das alturas até que caia para sempre nas funduras!”. Foi a ordem dada pelo superior.
Como o mosteiro ficava em cima de uma montanha bem alta e num dos lados havia um penhasco que descia como verdadeiramente abismo em direção às águas de um rio, o pobre do Aristeu foi jogado lá de cima.
Conseguiu sobreviver e após querer fazer mil revoluções pelo mundo recolheu-se solitariamente numa caverna encravada numa montanha num lugar bem distante. Ali não queria ser visto nem receber ninguém. Mas logo passaria a ter a mente atormentada por outros desconhecidos.
continua...
Poeta e cronista
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