Inocência Roubada

Era pouco mais de onze horas da noite. O baile de domingo havia acabado, e a garota precisava ir pra casa. Tinha pouco mais de quatorze anos, mas gostava de sair com os amigos. Podia se parecer com uma garota qualquer, dessas dadas a pequenas farras sexuais, não fosse um detalhe: tinha pavor de fazer sexo com um estranho.

Costumava ir a essas festas não tão formais assim, usar roupas mais sensuais como a pequena saia preta que usava agora, mas era extremamente romântica. Não beijava nenhum garoto que não se portasse como um cavalheiro com ela, e jamais havia sequer pensado em fazer sexo. Se considerava muito jovem para tal coisa. Sonhava com o momento ideal, a pessoa certa. Fazia mil e uma fantasias sobre como perderia sua virgindade.

Esperou as amigas para saber se alguém iria com ela parte do caminho. Não tinha medo de andar sozinha pela cidade, mas gostava de caminhar conversando, pois ajudava a tornar a distância menor. Ninguém esta noite iria na mesma direção que ela. A única amiga que morava perto da sua casa e costumava freqüentar o mesmo baile que ela estava doente, e não havia saído hoje.

Decidiu ir embora sozinha mesmo, já estava acostumada com o caminho, e nunca acontecia nada de perigoso a essa hora, pois as ruas ainda eram bem movimentadas, e resolveu seguir um caminho um pouco diferente esta noite.

Angélica morava na região do centro, gostava de freqüentar os bailes do Matosinhos. Sempre ia embora passando pela rua que segue junto com o rio, até chegar a entrada da rotunda da Maria Fumaça, mas dessa vez resolveu pegar um caminho um pouco mais curto. Passaria pela linha, assim chegaria mais rápido, além de sempre ter gente lá a essa hora também.

Foi embora, andando tranqüilamente, cantando baixinho suas músicas prediletas, todas de funk. Usava uma pequena sai preta, uma blusinha listrada de preto com branco. Tinha um cabelo loiro artificial bem claro, pele morena bem clara, e os cabelos pouco abaixo dos ombros, meio ondulados, soltos. Usava uma sandália preta, que incomodava um pouco para pisar nas pedras da linha.

Pensava nos conselhos de sua mãe até agora. Não entendia como ela podia se preocupar tanto. Era claro que a cidade era violenta, mas não tanto quanto se falava. As únicas pessoas que tinham que se preocupar eram aqueles que traficavam ou ficavam devendo, e esse não era seu departamento. O máximo que fazia era fumar um cigarro escondida de sua mãe, mas tinha a leve impressão de que ela já desconfiava, apenas não havia dito nada. Ainda.

Pensava em todos aqueles comentários de “cuidado com quem você anda”, “olha o que você vai aprontar na rua, hein” e coisas do tipo. Não gostava desses comentários, e gostaria que a mãe confiasse mais nela. Não acreditava nem mesmo que a filha era virgem.

Andava despreocupada, pensando na vida. Tinha um cigarro na pequena bolsinha preta de tricô, junto com um isqueiro que carregava disfarçada. Ascendeu o cigarro, deu um trago profundo, e continuo caminhando, pensando em sua mãe e nos seus sermões. Com tantas garotas lindas e perfeitas andando na cidade, porque justamente ela seria a escolha da vez de algum marginal? Não tinha, na verdade, nada que pudesse chamar a atenção de nenhum marginal, afinal, se fosse pra fazer algo e se sujar, que fosse com alguém melhor, não é?

Estava andando pela linha desde que saíra da praça, e agora estava no único pedaço de caminho sem nenhuma iluminação. Um caminho de não mais de 10 metros, em uma pequena curva, entre uma casa e um grande morro. Deu uma tragada mais forte, apertou o passo e continuou em frente, mas nem se deu conta disso. Quando se está com medo, as ações passa a ser automáticas.

Quando entrou na parte mais escura deste pequeno trecho, ouviu um pequeno estalido atrás de si, e virou-se para ver o que era. Nada. Sua mente, ela imaginava. Já havia visto em um programa de tv antes que, quando se está nervoso, a mente aplica brincadeiras pra descontrair, ou algo do tipo, nem se lembrava agora. O importante era apenas que não havia ninguém ali.

E realmente não havia, até que ela novamente olhou para frente. Estava lá, de pé, na sua frente, como se tivesse surgido do nada aquele homem. E que homem, pensou. Era forte, musculoso, usava uma calça bem larga e folgada, uma camiseta dos Lakers e uma bola de basquete na mão esquerda. Era simplesmente o garoto mais bonito que já vira na vida. Tinha os cabelos curtos, quase raspados, e um pouco espetados. Não tinha barba, e não dava pra ver a cor dos olhos no escuro. Mas dava para ver que tinha a pele bem clara, na verdade, pálida.

Mas, agora que o encanto inicial passou, a garota voltou a si. O que aquele homem fazia ali, surgido do nada? Provavelmente, devia ter fumado um baseado, era isso. Continuou andando, e passou pelo homem, que não aparentava mais do que uns 25 anos.

Foi surpreendida com um aperto forte no braço. Era aquele homem, que a segurava forte, e nem mesmo olhava pra ela. Ela pode perceber que ele parecia estar farejando algo, provavelmente estava drogado.

Foi então que ela percebeu que o homem tinha uma faca que estava retirando do bolso. Pensou em gritar, mas poderia faze-lo ficar nervoso, e aí seria seu fim. Ele levantou a faca e colocou bem debaixo de seu pescoço, apertando. Angélica podia sentir o aço gelado começar a cortar, leve e dolorosamente.

A última coisa que lhe veio a sua mente foi sua mãe dizendo para não ir ao baile hoje, que estava com um pressentimento ruim. Foi interrompida do pensamento quando sentiu o homem levantar a sua saia com a mão e chegar até sua calcinha. Sua mãe duvidava que era virgem, e de agora em diante sentia que não seria nunca mais. Em apenas um segundo, pensou em todas as oportunidades de perder a virgindade que havia deixado passar, e viu todos os seus sonhos de como perde-la se desfazerem diante de seus olhos.

O homem colocou um dedo por dentro da sua calcinha e a tocou, como se a examinasse. Farejou novamente. A garota já estava assustada, apavorada. Imaginava todos os horrores que a aconteceriam agora, e começou a se arrepender de muita coisa. Deveria ter transado todas as vezes que teve chance, deveria ter fumado maconha com seus amigos. Podia ter enfrentado a mãe e mostrado que fumava. Podia vender seu corpo pra comprar todas as roupas que gostaria. Deveria ter falado que estava apaixonada pelo rapaz de sua escola.

O homem farejou novamente, e sorriu levemente. A garota sentiu um leve alívio, e depois foi dominada pelo pânico. Havia sentido uma dor muito intensa, seus olhos começaram a se fechar, e adormeceu.

Abriu os olhos, estava em sua cama. O dia raiava claramente, tranqüilo. Usava seu pijama de sempre, a cama desarrumada como de costume, o quarto iluminado pelos raios de sol. Tudo estava de volta ao normal. “Maldito sonho”, pensava, se acalmando.Tudo havia acontecido a muitos anos atrás, mas os pesadelos ainda a perseguiam. Agora, era hora de rezar, era um freira, e deveria se purificar novamente para voltar aos céus, pois sua pureza foi arrancada violentamente.

Eduardo Setzer Henrique
Enviado por Eduardo Setzer Henrique em 27/09/2006
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