O Direito das Almas
Nasceu no interior do Brasil há duas décadas e meia, Zé do Norte. No dia do seu nascimento, choveu e fez sol. O casamento da viúva! Viúva Dona Maria Benta, que paria Zé do Norte. E não acompanhou o enterro do marido. Hoje ela faz a mesma penitência. Todo o dia de visitas, vai ao presídio visitar o filho, Zé do Norte. Condenado há uma década e um terço por um crime que cometeu.
Que sina de Maria Benta! Primeiro o marido João do Sul que com sua peixeira, matava e foi morto, sem ver o filho nascer, tampouco acompanhar seus passos. E uma mãe, viúva, não conseguiu impedir que o filho seguisse os caminhos do pai. Ainda menino Zé do Norte, matava os cachorros dos vizinhos que atentavam as menininhas de sua rua. Na sua juventude, conheceu Chicão louco e o craque! De aviãozinho passou a ser mula, de mula a consumidor. Matou e roubou pra alimentar o vicio. E sua mãe dona Benta coitada! Sempre ouvindo noticias do filho, perdido na marginalidade ainda jovem. Deixando um rastro de terror e pânico pelos caminhos da vida.
De menor ainda Zé do Norte conheceu na roda do pico: Marina. Pelo nome notou ser filha de gente fina. Sem estudo tentou e conseguiu compor um poema pra Marina. Que até hoje, ela em noites enluaradas, as véspera de visitá-lo na prisão, chora ao reler as linhas de Zé do Norte. O poema só não tinha a sua letra por que ele não sabia nem ler tão pouco escrever. Mas ele ditou pro Tiquim estas palavras:
Marina olhos azuis, da cor do céu, da cor do mar.
Seu beijo tem sabor de mel, e desejo de te amar.
Passo noites em claro, sonhando com seu calor.
Marina, rosa do meu jardim não vivo sem seu amor!
Zé do Norte até que passaria por bom poeta, mas, contudo sua profissão foi outra. Hoje dona Maria Benta já não chora só, seu pranto de mãe tem a companhia do choro de outra mãe. A mãe de seu netinho Zezinho. Que não se sabe do seu destino: será poeta, ou será cantor? Sonhos e planos pra Zezinho, e para seu pai Zé do Norte? Quem sonha? Quem tem planos? O governo? A sociedade?
Ninguém sabe!
Hoje dona Maria Benta, Marina e Zezinho. Aguarda Na fila de visitas. Três gerações e um só destino: o interior da casa de detenção. Porém naquele dia eles não verão Zé do Norte, por que numa briga acirrada ele foi esfaqueado por mais de cinco vezes. Não suportando os ferimentos e sangrou até a morte. E assim como seu pai o João do Sul, Zé do Norte morreu! Deixando uma viúva e um filho...
Dona Maria Benta, no adiantar de seus anos, busca forças e resignação para amparar a nora viúva e o netinho órfão de pai. Questionado a si: até quando as Almas não terão direito? Pois o vazio que invade o peito de cada ser, faz com que muitos fraquejem e encontrem nas ilusões dos vícios a fuga para seus medos. Seja no Sul, seja no Norte...