Ordem do Templo
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Ordem do Templo
por Pedro Moreno
John Hills inspirou lentamente a fumaça do cigarro enquanto observava a triste Londres ficar ainda mais depressiva engolfada pela noite. Sua missão hoje era muito importante: Visitar a Ordem do Templo dos Deuses Antigos. Apesar do nome pomposo, para John era apenas uma sociedade secreta baseada em troca de favores, assim como a grande maioria. Nada demais.
Porém seu chefe insistiu bastante para ele vir de encontro com eles. Ao que tudo indica, tal Ordem está com medo do que a sociedade inglesa pensa a respeito de sua existência, logo decidiram abrir as portas para a imprensa e demonstrarem que nada têm para esconder. Quando John foi designado, a princípio, não gostara muito, porém poderia ser algo importante para sua carreira. Qualquer futura menção à Ordem traria seu falaria sobre o trabalho dele.
O jornalista expeliu a fumaça lentamente enquanto admirava a entrada da Ordem. Uma porta dupla com batente de mármore e inscrições em Grego adornavam a belíssima recepção. John seguiu até a campainha e a tocou ouvindo o barulho ressoando, poucos instantes depois um rapaz vem abrir a porta.
Vestindo um terno azul e um broche com o símbolo de uma coluna grega clássica, o rapaz saúda o jornalista com entusiasmo. Sua roupa e cabelos são impecáveis, assim como seu discurso de agradecimento ao dono do jornal por ter mandado um dos seus melhores empregados. Pura besteira. As falas dele são tão ensaiadas quanto a pose feita pelos membros para a primeira foto que John tirou logo em seguida. Para o retrato, os membros ficaram em fila e sorriram, parecia tudo irretocável. Desde a iluminação, até a pose realizada, cuja qual facilitou o enquadramento de todos com a bela decoração do imóvel.
Como ficaria uma semana, John levou bagagem e apossou-se de um dos quartos para visitas. Depois de ter guardado tudo, ficou avisado que seria dado um jantar em sua homenagem. Assim como a foto, o evento se demonstrou perfeito. Os talheres estavam alinhados tal qual toda a falácia daqueles membros que parecem ter passado por uma sessão de lavagem cerebral.
Havia algo estranho.
Eles não tinham defeitos. Nenhum coxeava quando andava, ou sofria de alguma gagueira, nem ao menos cicatrizes e arranhões podiam ser vistos. Eram como se fossem seres humanos desenhados para serem perfeitos. Até sua forma de sociedade era espantosa, não havia líderes ou sacerdotes. Todos trabalhavam em setores diferentes da civilização, sem ao menos “repetir” empregos. Havia um coveiro, um jardineiro, um advogado...
Espantoso, até, era o hábito de leitura deles.
Todos liam. Entre as tarefas executadas dentro da Ordem, sempre sobrava um tempo para a leitura. Se a humanidade pode ser qualificada por seus leitores, o potencial deles é incrível. Depois de dois dias maravilhado com tudo, John resolveu ir à biblioteca localizada no térreo. No cômodo adornado por prateleiras de madeira de lei, permaneciam centenas de obras dos mais diversos autores. Enquanto lia os títulos, o jornalista sentiu falta de alguns livros importantes em qualquer coleção digna de nota.
Onde estaria O Banquete? Cadê Assim Falou Zaratustra? Será que eles não gostam de O Capital? Os títulos passavam pela cabeça de John e formavam um cenário preciso do tipo de leitura encontrada: Romances. Todos ficcionais e sem qualquer motivação filosófica ou política. Até as obras de filosofia grega foram deixadas de lado, apenas Homero figurava nas distintas prateleiras. Era o primeiro indício que algo estava fora dos padrões.
Quase no final de sua estada, John fumava do lado de fora, quando viu um dos membros da ordem praticamente sumir em um dos corredores. Perplexo, e sentindo a curiosidade a lhe morder o calcanhar, o jornalista girou rápido os calcanhares e seguiu até o local. Tratava-se um corredor formado pela parede e uma escada que dava acesso ao primeiro andar, caso continuasse em frente atingia a cozinha. O rapaz parece não ter ido ao outro cômodo, tendo visto que não teria como passar pelas janelas diminutas do refeitório. Também não era possível, e muito menos lógico, ter sumido no ar. A resposta de tantas perguntas pairava naquele corredor, era só questão de encontrar.
Enquanto esquadrinhava o chão, John lembrava que não havia encontrado nenhum lugar de reunião. Afinal se eles eram um templo, deveria haver algo, como um altar talvez, onde pudessem se reunir e venerar seja quais Deuses antigos eles veneravam. Nestes momentos, o jornalista ficou pensativo nas poucas informações que tinha a respeito deles. Não sabia nem quais Deuses Antigos eram esses dos quais eles falavam, muito menos tinha visto alguma cerimônia de cunho religiosa.
John encostou na parede e sentiu esta mover-se um milimetro. Com a mão fechada em punho bateu contra seu apoio e retornou o típico som de algo oco. Seu coração disparou com a possibilidade de ter encontrado a resposta para tantas dúvidas que lhe ocorriam, suas mãos buscavam, frenéticas, algum botão ou alavanca que por fim colocaria um ponto final no mistério.
Seus olhos pararam diante de um quadro, ao toque ele não se movia. Com a mão espalmada no centro da gravura, John empurrou e o quadro cedeu para dentro da parede, poucos segundos depois abria-se uma passagem até então secreta, ao ver o ocorrido, o jornalista já imaginava sua foto na primeira página dos jornais. À sua frente desnudou uma escada feita de mármore, a cada sete degraus uma luz de emergência conferindo luminosidade apenas para não tropeçar.
O caminho era em círculos e conforme descia o calor aumentava consideravelmente, apenas o som compassado dos seus passos ressoavam naquele mar de silêncio envolto na escuridão. Quando o suor já lhe descia o rosto, John chegou a um corredor estreito e abafado, o calor já era por demais insuportável, porém se ele quisesse uma boa história era bom continuar descendo. Haviam símbolos pintados nas paredes em diversas cores, a estrutura lembrava um diálogo onde cada pessoa usa uma cor para identificar. O jornalista não pode reconhecer que tipo de escrita era. Continuou seguindo até chegar à uma câmara ampla com diversas colunas iguais às gregas. Do lado esquerdo jaziam diversos ternos, enquanto do lado direito alguns robes de cor vermelha com capuz.
Já sabendo que não poderia ser pego, John escondeu suas roupas em um dos cantos da câmara e vestiu o robe com o capuz. Caso alguém o visse poderia confundi-lo com algum dos membros, o que o daria um tempo maior de fuga caso precisasse. Quando terminou de se vestir, rumou para um amplo arco à frente. Havia uma cortina feita de pano grosso cortado em tiras, ao passar por ela, o jornalista percebeu o perigo que entrara.
A câmara era o dobro de tamanho em relação à anterior, no centro uma cratera enorme que parece ter sido obra de algum meteoro. No meio desse buraco uma pedra redonda e de cor azul escuro pousada e imóvel. Ao redor da cratera, em volta de John e por todos os lados, membros da ordem se espalhavam observando a imensa rocha no centro do local.
Todos estavam vestidos com robes, alguns eram vermelhos iguais ao do jornalista, porém haviam vestimentas negras que compunham a grande maioria. Aqueles vestidos de vermelhos deveriam somar no máximo umas vinte pessoas, enquanto ao resto eram mais de trezentos. Grande parte deles deveria morar nos subsolos, já que não havia espaço para tantos dormirem na superfície.
Apesar do medo, seria impossível voltar atrás. Era melhor John se misturar e depois pensar em uma forma de sair. Um dos membros se vira em sua direção, como se o encarasse. Uma gota de suor passou pelas costas do jornalista, mas este não se moveu. O encapuzado continuava voltado em sua direção como se esperasse algo dele, John olhou para os lados e reparou que as pessoas faziam uma fila. Ele balançou a cabeça como se tivesse esquecido desta parte do ritual e virou-se como os outros faziam.
Todos começaram a andar devagar e em silêncio. John olhou para baixo e reparou que eles passavam a mão na rocha e em seguida saíam do recinto. A posição do jornalista era boa, não seria um dos primeiros a sair, logo poderia trocar suas roupas sem estar na visão dos demais. O problema é que ele seria um dos últimos e não sabia ainda como iria embora sem levantar suspeitas.
Porém havia algo mais imediato para se preocupar.
Todos as pessoas com robe da cor vermelha paravam em frente à rocha. Apesar de não ter ideia do que poderia acontecer, as chances de ser desmascarado eram imensas. John precisava pensar rápido no que faria. Tentou se afastar para que os outros seguissem sem ele, porém eles ficavam parados esperando-o voltar a andar. Ele não podia falar, se não seria denunciado, a cada passo que dava, mais perto da pedra ele chegava. Quando enfim alcançou a enorme rocha azul, tentou passar reto, porém um dos encapuzados com a cor vermelha o puxou para a pequena fila que formaram.
A respiração de John estava totalmente descompassada. Quando todos saíram, só sobraram os que vestiam vermelhos Todos se viraram para o centro e John acompanhou. A pedra era de um azul magnífico, na superfície era translúcida, sendo possível ver uma segunda camada de cor com várias ranhuras brancas, como raios no meio da noite.
O jornalista deu um pulo quando a pessoa ao seu lado entregou-lhe uma adaga, até agora ele só tinha olhos para a pedra e nem percebera que todos agora portavam uma lâmina idêntica à que recebera. Ele pegou e arma e manteve a cabeça baixa e ficou esperando.
Todos ao mesmo tempo cortarão seus pulsos e derramaram sangue sobre a pedra tingindo-a de vermelho. John também o fez evitando suspeitas. O líquido derramado procurava cobrir o objeto por inteiro, ignorando lei da gravidade ou trajetória. O jornalista ficou assustado como as coisas prosseguiam, havia algo estranho naquela pedra. Não era um simples minério à sua frente.
O sangue a cobriu por completo e começou a penetrar em poros que não existiam na superfície da pedra. O lugar inteiro tremeu quando o liquido atingiu o núcleo fazendo a rocha girar muito rápido em seu próprio eixo. Uma fumaça vindo do interior da pedra cobriu-a e então ouviu-se um barulho de explosão. O estampido deixou John atordoado e este mal podia crer no que vira.
Cinco Titãs.
Pareciam humanos, se não fosse pela altura e brilho que emitiam. Lembravam representações de deuses gregos por suas vestes que incluíam sandálias e togas. Suas expressões e corpos eram severos, porém irradiavam uma beleza fora do comum. Um desses deuses tinha uma coroa feita de louro adornando sua cabeleira branca, ele agachou-se para encarar os visitantes e falou em uma língua desconhecida, quando terminou de falar, outro estampido e fumaça tomaram conta da câmara e tudo voltou ao silêncio.
Todos saíram, John conseguiu se esconder e foi o último a ir embora, não sento visto por ninguém. No outro dia voltou ao jornal e disse ao editor tudo o que vira. Este nunca acreditou. Dizem que o jornalista tentou vender sua história para vários lugares, porém desistiu quando sua família o ameaçou de internação em um hospital psiquiátrico.
Hoje, John Hills vive na Ordem do Templo dos Deuses Antigos.