Uma vida a menos

Ele vagava a passos lentos pelo beco escuro de uma rua desconhecida. Fugia de alguma coisa terrível, somente perceptível à intuição mais funesta. Enquanto caminhava pela sujeira, deixava pegadas na poeira do chão; sua respiração anelava a cada olhar pávido que, vez por outra, percorria as paredes estreitas da rua infinita. Parecia que a negridão do céu desabava inteira sobre a face amedrontada do sujeito incógnito e o vento sibilava pelo ouvido atento; as sombras aumentavam pelos cantos... o sujeito acelerava a passada (que ecoava como uma marcha rítmica) com receio de parar e voltar o percurso desse interminável beco.

Adiante os gemidos dos gatos, o som de vidros quebrando, o ruído nas latas de lixo atordoavam ainda mais a mente já assombrada pelo íntimo temor que sentia naquele dia. Quanto mais caminhava, mais estreito ficava o beco; um clima claustrofóbico percorria-o inteiro, suas pernas tremiam desde o início, o suor descia pela testa caindo nos olhos que se recusavam a dar uma única piscada; os lábios secos – entreabertos – inspiravam com dificuldade oxigênio, enquanto que em suas narinas penetrava um fétido cheiro de carniça. Enfim viu um lampejo ao fundo, correu alucinado esperando sair do perigo que sentia naquela rua. Quando chegou percebeu que ali no chão encontrava-se uma pequena lamparina emitindo uma chama azulada. Para sua infelicidade, a chama extinguiu-se com uma rajada fria de vento que soprou repentinamente pelas costas do andarilho. O sopro trouxe em si uma pesada sensação de pânico sobrenatural. Os gatos calaram-se dando voz aos gritos agudos dos morcegos que voavam lá no alto.

Dizem que o homem, quando está prestes a morrer, em qualquer situação, pressente de maneira inconsciente sua última hora, pois o pensamento sem controle é capaz de viajar pelas bordas do tempo futuro (aquele em que há probabilidade de se efetivar) através do movimento das partículas atômicas que se movem quase que na velocidade da luz. Mas o que aquele indivíduo sentia era algo percebido na própria exterioridade imediata, o próprio meio o ameaçava. “A Morte se espreita no escuro”. Porém não sabia para onde fugir, pois estava encurralado naquela rua. Cansado e já prevendo o desfecho de seu fadário, ele se ajoelhou rogando pela sua vida; seu coração palpitava pela carne, sua vista não conseguia distinguir uma simples forma na treva que aumentava em sua volta. Ouviu um som de folha seca sendo pisoteada... seu cérebro inflamou! A última e única coisa que consegui ver foi um brilho metálico flutuando em meio à escuridão; sentiu uma lâmina fina penetrando-lhe a garganta, sua boca se afogava em sangue.

As luzes das casas se acenderam e o pobre ser agonizava estendido no chão feito um animal desprezado; as portas se abriram e todos viram lá, jogado, a vítima assassinada. – Banal! Todo dia isso acontece. “Depois a gente vê no noticiário”, e ninguém socorreu o desgraçado. Todos voltaram para seus lares, enquanto que na calçada da rua o corpo morto empalidecia no frio; as luzes das casas se apagavam uma a uma ao som longínquo das sirenes.

Marcell Diniz
Enviado por Marcell Diniz em 31/12/2009
Reeditado em 05/06/2012
Código do texto: T2004545
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