O RAPTO DE TAMARA
A luz me cegava, não conseguia ver o que era. Nos poucos momentos em que eu não estava incapacitado de ver a sua grandiosidade tentava decifrar o que ali havia. O som ensurdecedor não me deixava pensar, estava apavorado. Sentia um líquido quente escorrendo pelas minhas calças, eu já não era tão novo para esses “deslizes”, mas não me importava. Apenas me importava com ela: minha irmã, Tamara.
Senão fosse pela lua não poderia afirmar que era noite. A luz iluminava todo o campo em sua imensidão, e junto dela, ventos fortes sacudiam tudo que encontravam pela frente. Havia um cafezal e ele se movia, dançava num ritmo rápido, não sincronizado. Vi que não estava mais sobre o chão, estava a meio metro dele, de longe via a silhueta de Tamara, eles estavam a levando; ela flutuava em direção a luz gigantesca e eu gritava o nome dela. Meu grito era uma mistura de choro com raiva, batia os braços, tentava nadar no ar, mas todo o meu esforço era em vão. A frustração naquele momento era arrasadora, já havia a sentido antes apenas em pesadelos daqueles que se tenta correr, mas não saímos do lugar, que se tenta gritar, mas não possuímos voz. A sensação de impotência me dava calafrios, me torturava. Esse medo era válido não apenas porque eu era um pré-adolescente medroso, era porque sentimos medo em situações que não podemos (ao menos) nos controlar.
Um barulho ainda mais alto surgiu, a luz se intensificou e vi cores jamais vistas, não tinha como explicar. Depois desse show em que era eu o único espectador, a luz se apagou, o som se cessou, desapareceram como num filme de ficção científica com seus efeitos especiais. Cai do meu vôo, mas não me machuquei; descobri pelo impacto do meu corpo no chão que não se tratava de um sonho, tinha isso como uma carta na manga a todo o momento. Pensar que tudo não passava de um pesadelo me confortava, pois após ele, tudo estaria bem, minha irmã estaria salva.
Deitado naquele chão de terra, entre as (não muito belas) pequenas árvores de café, fiquei alguns minutos. Percebi que não escutava o som dos insetos que viviam por ali. Esperava respostas, ainda tinha esperanças de que voltassem e falassem:
“Desculpe o incomodo. Não era essa a pessoa que queríamos raptar.”
Com meu humor sarcástico voltei para minha casa, já se passavam das 23:00 horas. Ninguém me viu chegar, fui para meu quarto (queria ficar só). Não conseguia pensar, o som deve ter bloqueado algo em meu cérebro, mas não entendia; sentia-me muito bem. Sempre quis não pensar pelo menos por um determinado tempo, essa nova deficiência me dava o poder de não ficar triste ou desesperado com o rapto de Tamara. Deitei-me e pude dormir como nunca antes tivera dormido, foi a melhor sensação que senti em minha vida.
Fiquei completamente surdo pelas duas semanas seguintes. Tentei sem sucesso contar para todos o que tinha acontecido, mas ninguém me compreendia e eu não sabia a língua dos surdos-mudos, então resolvi esperar. Voltava ao cafezal todas as noites e nunca mais vi um sinal de luz, de som, de nada! Sabia que não estava louco, sabia o que tinha visto, só não sabia explicar. Foram as duas semanas mais estranhas que vivenciei até eu vir para essa cidade.
Continua...