O Enigmático conhecimento da casa maldita
Quem entrasse naquela casa misteriosa não mais poderia sair! Assim diziam aqueles que moravam pelas redondezas.
Ela tinha uma aparência sombria e as persianas das janelas esquálidas sempre permaneciam fechadas, assim como as próprias janelas. Mas o que mais assustava, o que mais suscitava arrepios naqueles que passavam por ela, era um estranho desenho que ficava na porta frontal já bastante desgastada. A figura era o Baphomet – uma criatura semi-humana e andrógina, confundida com Pã ou até mesmo com o Diabo da tradição cristã – que foi bastante cultuada pela Ordem dos Templários( organização de monges guerreiros surgida na época das Cruzadas da Idade Média, com temática baseada em ritos místicos e conceitos filosóficos do cristianismo mesclado com a cultura dos povos do Oriente, principalmente os árabes).
Pouco se falava da casa, apenas que pertenceu a um rico comerciante turco. Este era um grão-mestre da Ordem de Molay e que há muito tempo não freqüentava as lojas maçônicas. Tornou-se “adormecido” como muitos maçons definem aqueles que não mais praticam os habituais ritos.
(Entre os ritos de mais relevância estão os: York, originado em 1777 na Escócia, tem quatro graus; Moderno Francês, surgiu na segunda metade do século 18 na França, possui sete graus; Escocês Antigo e Aceito, foi desenvolvido a partir do Rito da Perfeição, criado em Paris no ano de 1756 e possui 25 graus, posteriormente elevado a 33 graus).
Estranhamente ele foi assassinado por um de seus melhores amigos que havia, supostamente, enlouquecido após ter retornado de uma expedição à Europa, mais precisamente da França. Durante um período muito prolixo, nunca se soube a razão para que ocorresse essa fatalidade ao proprietário da casa e nem o porque do enorme temor que expelia qualquer um que ousasse entrar nela. E muitos anos se passaram sem que ninguém entrasse naquela casa maldita.
Num dia chuvoso e úmido, um estudante das belas artes que estava em viagem escolar, perdeu-se do grupo enquanto este passeava pelos arredores umbrosos da casa. Ele estava perdido dos seus colegas de classe e andava desorientado, caminhando por um bosque cheio de ciprestes e carvalhos. Caminhando aparentemente sem noção do provável perigo que o perseguia, ao longe ele viu a casa, mas nada de nefando foi notado por ele, pois ao mesmo tempo que pingos finos de chuva caiam incessantes sobre os olhos dele, o tempo não ajudava a distinguir muita coisa, já que estava bastante nublado.
De súbito, a chuva aumentou gradativamente num tempo muito curto e ele nada visualizando como opção para se refugiar além da casa, correu em direção dela. Após ter subido a pequena escada que havia na parte inferior do piso do terraço externo, chegou à porta e deu de cara com a esfíngica imagem. Infelizmente ele não tinha nenhum conhecimento de ocultismo, pois saberia que naquela casa – pela simples presença do Baphomet como imagem visível aos olhos alheios – certamente que ela era permeada por seres elementais, demônios conjurados e todo tipo de casta do mundo inferior. O estudante achava apenas que o desenho era compatível ao visual lúgubre da casa.
Bateu diversas vezes e nenhuma resposta foi dada; cansado de esperar e vendo que a chuva não diminuiu nem um milímetro de água em relação à quantidade que aparentemente fosse cair, tentou achar um outro local para entrar. Vasculhou pela parte traseira da casa, pelas laterais e descobriu que não havia outra forma de entrar a não ser pela porta na qual ele já havia experimentado. Novamente ele bateu na porta, ninguém respondeu. Em um momento de cólera pela sua frustração de estar a muitos minutos à espera de recepção, acabou por arrombar a porta com um chute pesado e eficaz... o que viria seguir pouco importava, o que ele queria realmente era um abrigo quente e seguro, além de fugir dos temores que acompanham a noite( ela estava por vir).
Quando a porta foi aberta, um odor insuportável de algo pútrido exalou de repente e subiu até as narinas do falso inquilino. Rapidamente ele saiu de perto da entrada, mas sem antes de ter deixado totalmente aberta a porta, para ver se o eflúvio da terra molhada prevalecesse acerca da desagradável atmosfera que o interior da casa possuía.
Passados alguns minutos, ele percebeu que conseguia suportar o aversivo aroma( que até tinha diminuído) e entrou tão depressa quanto havia saído antes. Agora imerso em trevas ele estava, pois iluminação alguma tinha no interior da casa, e mesmo com a porta aberta, pouco se podia enxergar com o brilho desbotado do sol que ofegava por entre as nuvens cinzentas. Tentava-se abrir as janelas, mas elas permaneciam imóveis ao esforço de qualquer homem. Sorte que na mochila que carregava desde o início de sua jornada acadêmica, tinha uma pequena lanterna. Ele a tirou da bolsa com o intento de encontrar algum sinal de eletricidade na casa( isso era de fato pouco provável). Assim que acendeu a lanterna, enormes sombras dos objetos e móveis que estavam perto do foco incidente de luz foram projetadas nas paredes e um certo pavor começou a nascer no coração do estudante.
A escuridão e o silêncio absoluto da casa eram de dar nós em nervos de aço; uma intensa sensação de perigo dominou todo o ambiente. Mas, incrivelmente, paralelo a esse estranho e inquietante mistério que perturbava seu espírito, surgiu uma curiosidade de tentar entendê-lo. E o jovem rapaz perambulou um pouco pelos pisos brancos e sujos, aparentemente de sangue, enquanto sua mão tremia ao ver excêntricos objetos desconhecidos aos costumes da atual década em que vivia. Pareciam que foram feitos num tempo imemorável, além de serem incompreensíveis à análise cerebral, os objetos tinham um cheiro de antiguidade.
Caminhando na imensidão escura ele acabou por encontrar algo que parecia ser um gerador, mas esse era muito esquisito e tinha um pequeno botão que foi apertado pelo moço. Um barulho meio vocalizado guturalmente começou a soar por todo canto e recanto da residência. Então, uma luz cintilante e extremamente rubra iluminou tudo, só que a intensidade era tão extrema que nenhuma cor era percebida, só a vermelhidão. O próprio senso de direção foi afetado. Mesmo com a percepção afetada, ele observou que haviam diversas portas distribuídas em diversas regiões, paralelas em cada diagonal dum corredor bastante amplo. O que era aquilo, uma câmara ritualística?
As portas pareciam estar trancadas, porém ao verificar no trinco de uma, ficou óbvio
que era apenas a ferrugem que dificultava a sua entrada. Com um pessimismo intuitivo, abriu uma porta que estava semi-aberta. Repentinamente, um enorme vulto ergueu-se por entre a penumbra do cômodo e avançou sobre o observador atônito. Este foi arremessado uns dois metros de distância e bateu fortemente a cabeça no chão(que se umedeceu dum líquido esvermelhado)...
Muitas horas – talvez dias ou semanas – após o ataque, o receptador da ação acordou e sentiu-se leve, como se o corpo estive paralisado e sua forma etérea assumisse a partir de então; os movimentos eram lerdos e extraordinários. Enquanto que se acostumava com essa nova espécie de sensações uma gélida ventania na espinha congelou seu ser. Ao olhar para trás, o vulto estava parado, estático, sem esboçar movimento apenas aparentando dizer algo, no entanto, sua voz parecia um sussurro vindo dum pesadelo tenebroso.
Eis o que dizia a figura informe:
– Tu não deverias ter entrado neste lar maldito! Os segredos mais ocultos acerca da existência do homem estão guardados aqui. Com eles é possível destruir todas as convicções, todas as leis rijas da moralidade e da ética vigente; tudo o que já foi aceito como verdadeiro. Tudo o que é dominante no mundo lá fora não passa de calúnia mórbida; as verdadeiras verdades estão escondidas neste lar nefasto. Mas se isso chegar às pessoas lá fora, ignorantes e estúpidas como são, haveria uma grande catástrofe no meio religioso e humanitário, a relação social acabaria, pois o poder contido nessas verdades deveria ser de um só e esse tomaria todas as forças somente para si. Essa foi a causa da minha morte. Meu ex-amigo sabia das minhas descobertas e das minhas intenções negras de dominação hipnótica/sobrenatural que eu poderia exercer sobre a humanidade. Vendo que minhas motivações eram egoístas e ambiciosas, acabou comigo com um ato funesto; matou-me sem remorsos e dúvidas... porém acho que ele deveria ter sido digno de vanglórias, mas acabou por enlouquecer sem razões aparente. Quem um dia está diante das Verdades certamente irá enlouquecer! Somente eu e ele sabíamos disso e isso deveria ter sido enterrado aqui; minha alma vagando está por esta casa e sempre tento manter energias repelentes para inibir a entrada de qualquer mortal. Mas tu quebraste o silêncio, foi longe demais e como prometi a mim mesmo que os conhecimentos aqui contidos jamais serão revelados, aprisionei tua alma neste sombrio lar.
O rapaz ficou pasmo, profundamente angustiado e tentou relutar a decisão do espírito. Com a voz baixa, num tom pusilânime, quase sem forças, ele implorou:
– Olhai para meu âmago, pois percebo que vos seis capaz e verás que nunca tive a menor intenção de me satisfazer com as verdades ocultas da vida. Não sabia nem da história a respeito dessa casa, o que eu queria era um abrigo para me proteger da densa chuva que caía. Eu te suplico, deixe-me ir por favor! Nada será dito por mim depois. Deixe-me ir embora!
– Lamento! Realmente não havia maus intentos em tua alma, mas agora tarde é! É impossível que tu retornes ao mundo. Disse o vulto.
– Mas por quê?! Perguntou desesperadamente o rapaz.
– Não percebeste ainda? Tu estás morto! – respondeu a sombra antes de desvanecer-se completamente.
E essas foram as últimas palavras que ressoaram no interior da casa, que agora voltou a ficar totalmente preenchida pelas trevas e pelo silêncio.