O CACTO

Cheguei em casa, tomei o banho como de costume, liguei a televisão, olhei para a janela e vi o cacto no beiral. Perecia lindo, mas quem o teria colocado ali? Parecia que aquele cacto me olhava, espionava, tentando conhecer meus sentimentos mais íntimos. O telefone tocou, enquanto eu falava, o cacto tudo escutava, às vezes recriminava as mentiras que eu dizia.

– Você poderia vir para cá, meu amor, estou só, meu casamento está praticamente acabado, resolvemos dar um tempo, ele viajou e deve chegar amanhã à tarde – disse eu ao telefone.

Não demorou e a campainha tocou. Abri a porta do apartamento.

– Um cacto na janela? É seu? – perguntou ele.

– Não sei, quando cheguei já estava ali.

– Dizem que o cacto quando posto na janela traz muitas lágrimas ao seu dono.

– Esqueçamos o cacto, vamos nos deleitar com os momentos a sós.

O cacto ali permanecia. Estático, como se estivesse abobalhado com tudo o que via, ele continuava a me observar. Toda aquela sujeira, eu abraçada a um estranho, que havia conhecido há tão pouco tempo, praticando atos espinhosos ao meu casamento decadente. Estávamos nus e a cada beijo que eu dava no meu amante tinha a impressão de que os espinhos do cacto caíam um a um. Eu havia dado cinco beijos e cinco eram os espinhos caídos no beiral da janela.

– O cacto é uma planta que deve se manter em regiões secas, você sabia? – comentou pensativo.

Recusei a responder. Naquele momento percebi que meu casamento é que secava. Lembrei de todas as coisas boas que havíamos passados juntos, eu e meu marido. Onde estaria ele? Prometi que o esperaria e agora me via extremamente infiel. Incomodada com a presença daquela planta apaguei a luz da sala para nada ver, apenas sentir o prazer da carne. Mas a lua permanecia iluminando o cacto e ele sempre imóvel espelhando minha infidelidade.

"Meu Deus, afaste de mim este cálice! Insustentável vontade de trair! Saia daí, cacto maldito", pensei comigo mesma.

O telefone tocou novamente. Atendi. O interlocutor nada disse. Eu escutava apenas a respiração. Era uma respiração pesada, triste, doída. Olhei pelo espelho da prateleira e vi enrolados no sofá dois cadáveres entrelaçados, éramos eu e meu marido, traidora e traído. Rapidamente meu olhar percorreu o cacto na tentativa de colher alguma opinião. Já não havia nem mais um espinho sequer! Corri até a janela, peguei aquela planta insignificante que insinuava acusações terríveis contra mim e joguei na parede num ato de loucura incontrolável. Corri até a cozinha, peguei um canivete e estraçalhei por várias vezes o cacto. Eu gritava e estraçalhava e parecia que o cacto gritava também, ele gemia. A gosma do interior daquele vegetal inundava minhas mãos, meu colo, manchava de nódoa minhas roupas. Comecei a chorar. Olhei para o sofá, para contemplar meu amante. Ele não estava lá. Olhei novamente para o cacto destruído:

– AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Ouvi a sirene da polícia. Em minutos a porta estava entreaberta. A polícia entrou. Retirou o corpo retalhado de meu marido que ainda estava no chão. Colocaram em mim as algemas da solidão. Da porta da sala olhei para trás. Lá estava o cacto na janela com todos os seus espinhos. Dele minou uma gota de água, aliás, ele deveria estar cheio de água, assim como o meu coração. Brotou uma lágrima de meus olhos.

A lágrima caiu.

O cacto permaneceu solitário, assim como eu havia permanecido ao longo de uma vida inteira.

Sozinho, agora, naquele apartamento, o cacto morre lentamente, secando, secando e secando... Assim como eu nesta penitenciária.

Agnaldo Rodrigues da Silva
Enviado por Agnaldo Rodrigues da Silva em 29/12/2008
Código do texto: T1357408
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