OS GATOS DA RUA MORTA
Todas as noites eu acordava com o miado dos gatos. Nunca tive a coragem de me levantar e ir até a janela para verificar o que estava a acontecer, tudo mais parecia coisa de assombração que simples animais felinos que desfilavam abaixo do sobrado onde eu morava. O miado dos gatos tinha um quê de mistério, uma sofreguidão escondida que soava como um pedido de socorro, como pessoas desesperadas que gemem as dores da alma. Não eram todos os dias que os gatos soltavam seus miados, sempre que os faziam era nas sextas-feiras, contudo o mais curioso é que eu acordava com os miados. Havia sextas-feiras em que eu não dormia, ficava à espreita, deitado na cama à espera dos murmúrios, porém nada acontecia. Eles adivinhavam que tinha alguém à espera deles, que poderia descobrir o segredo que escondiam pelas noites escuras de nossa rua. Não nego que a situação metia-me medo, principalmente porque nunca gostei de gatos, sempre os achei falsos e imprevisíveis. Passava os dias já pensando na noite, como seria enfrentar mais uma vez o assombro dos miados dos gatos da Rua Morta. Morta rua. Ninguém por lá passava, nem pessoas, nem animais. Mas, os gatos são animais! De fato. Cheguei a pensar que fossem alma de gatos que por ali passavam nas noites frias, no entanto essa foi uma das mais ridículas idéias que tive ao longo de minha vida. Gatos, gatos, gatos da rua morta... Apareçam! Gritei da janela. Era fim de tarde e o crepúsculo estava lindo, há muito tempo eu não via o pôr-do-sol, por isso me lembrei de minha infância, dos meus irmãos e dos meus pais. Não nego que também me lembrei do Teleco. Ele era o meu cachorrinho, meu melhor amigo, esteve comigo por quase dois anos e depois teve um fim muito misterioso. Eu e Teleco estávamos no quintal brincando, corríamos, pois ambos éramos levados. Apareceu um gato e Teleco correu atrás dele, entraram no bananal. Fui atrás e chamei pelo meu cachorrinho diversas vezes, mas ele nunca mais voltou. Sumiu o Teleco. Acho que o gato o devorou e depois fugiu. Maldito gato. Agora ele voltou para me buscar. Não, não, eu não vou deixar esse gato pegar-me. Quem sabe eu poderei encontrar o Teleco caso deixe esse gato preto me pegar, esta foi uma idéia de gênio. Não era apenas um gato que me atormentava noite afora, eram diversos miados de gatos diferentes. Malditos gatos, gatos da Rua Morta. Joguei um casaco no lombo e fui até a loja de fantasias, comprei uma de padre, cheguei em casa e a vesti, depois peguei um copo de água benta e rezei três vezes o Credo. Mas, eu não sei rezar. Inventei as palavras, não interessa só sei que rezei. Tirei a roupa, embebi com álcool e aticei fogo. Fiquei despido esperando os gatos. Eles não apareciam. Apareçam gatos! Malditos gatos. Gatos da Rua Morta. Tomei uma dose de água. Água benta não, foi de água destilada. Cochilei e peguei no sono. Lentamente fui despertando com os miados, miados leves, sonoros, assombrosos. Levantei e corajosamente corri até a janela. Lá estavam eles, os gatos. Eram milhares de gatos pretos peludos que andavam contornando o sobrado e eu os via pela janela dos fundos que dava acesso somente àquela rua morta. Tentei ver Teleco no meio dos gatos, não o vi. Bateram na porta. Abri. Era o negro gato. Pulou em cima do meu corpo, depois entrou outro gato, e outro e outro, eram milhares a invadir o meu espaço. Lamberam todo o meu corpo como se eu fosse carniça, depois saíram como se nada tivesse acontecido. Daí para frente os miados cessaram e nem mesmo os gatos pretos vinham mais quebrar a monotonia de minha solidão. Apareçam gatos! Malditos gatos. Os gatos da Rua Morta.