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[22:32] Artur sentiu um clarão atrás dele. Era como se tivessem instalado (em milésimos de segundos) um refletor na janela do quarto. Tentou se virar para ver o que era, mas levou imediatamente as mãos aos olhos, que ardiam como banhados em pimenta, devido a tamanha intensidade das luzes. Se virou novamente, deitou a cabeça na mesa do computador e simplesmente aguardou.

[22:40] Artur acordou, como que numa ressaca. Achou a cama empoeirada demais e logo percebeu que seu computador tinha sumido, os móveis estavam cobertos com um pano anti-maresia. Olhou para trás, nada tão diferente, porém… diferente. Estranho... sem muita cor, sem muita vida. Nada capaz de explicar, por enquanto. Esfregou os olhos, coçou a garganta… ouviu vozes aflitas de gente que tinha acabado de entrar pela porta da sala. Reconheceu a voz da mãe mas sua voz parecia rouca, exausta… “essa semana podemos tentar um bairro novo… a gente leva um gravador e as últimas fotos dele, e o pôster…Não podemos esquecer o PÔSTER!”a voz de sua mãe era trêmula, chorosa… Artur parou por instantes levando a mão até as orelhas como xeretas fazem quando querem ouvir melhor as conversas dos outros. “O que vocês vão gravar nos bairros?!!” berrou, num tom quase debochado, mas curioso.

 

Um silêncio completo se fez. Todas as pessoas na sala ficaram mortalmente mudas…

 

Algo como uma xícara caiu no chão e se espatifou e logo em seguida um outro barulho – muito mais forte e estrondoso – de GENTE que desabou no chão. Artur se levantou assustado, gritando: "MÃÃÃÃEEEE!!!??". Mas antes que pudesse continuar a frase ou dizer qualquer outra coisa, seu pai e seu irmão invadiram o quarto onde estava. Primeiramente eles pararam com olhos arregalados, como quem vê um fantasma. Logo em seguida sua mãe veio, cambaleando. Parecia muito mais velha… Todos estavam mais velhos. Tremendo ela foi até ele, chorando e sorrindo, segurando seu rosto; "Meu Deus é mesmo você…!! Do jeito que eu deixei… do mesmo jeitinho… você não envelheceu nada!!" e o agarrou em prantos.

 

 

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Os outros dois em seguida vieram e o abraçaram com força e muitas lágrimas. Também tiveram aquela mesma – estranha – atitude de primeiramente tocá-lo no rosto, incrédulos, encarando-o nos olhos. Mas depois vieram abraços calorosos e alegria; Artur estava apático, não conseguindo acompanhar o turbilhão de sentimentos contidos ali. Mensagens eufóricas no telefone, gritos… "POR FAVOR, GENTE, CALMA… OLHEM PRA MIM, O QUE ACONTECEU? EU DESMAIEI???". Outro silêncio, desta vez… um silêncio constrangedor… "Filho… onde você estava?", perguntou seu pai. "Ué, eu tava aqui. VOCÊS NÃO VIRAM AS LUZES? Vocês tinham saído pra ver aquele filme, eu fiquei aqui no quarto e..." – Sua mãe deu um passo firme e o pegou pelos pulsos, olhando-o nos olhos. "Artur… você… Você estava DESAPARECIDO, filho…!!! Desaparecido desde 2018 e agora estamos em 2023!". Artur se sentou na cama... fechou os olhos tentando encontrar sentido naquilo. "ONDE VOCÊ TAVA!?” – Perguntou seu irmão. "Gente, quem é esse cara?!", diante desta pergunta seus pais quase riram… "É seu irmão, passaram-se 4 anos Artur. Ele é 4 anos mais novo que você e agora…meu Deus… Agora vocês parecem ter a mesma idade!!", disse seu pai, numa fala que a princípio tentava ser objetiva, mas do meio pro fim era pura emoção. "Eu... eu… eu estava aqui. Eu tava BEM aqui e vieram... as luzes… e… eu cochilei um pouco!”. – Artur tentou se levantar e sentiu como se as paredes encolhessem em volta dele… Olhou a janela, todos encararam a janela também, levando as mãos aos olhos e gritando de desespero… a claridade veio outra vez.

 

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[14:23] “Artur… Artur… ei cara, sou eu”. – O homem aparentava quase cinquenta anos. Ele o segurava e tinha lágrimas nos olhos. Artur olhou em volta, estava num hospital. “Te achei, meu irmão… ACHEI VOCÊ!!! Falaram-me pra eu desistir mas eu nunca desisti!”. O homem chorava e o abraçava. “O que aconteceu…?”, “Tente ficar calmo… Estamos tentando despistar os repórteres. Cara… Quando você se foi, de novo… tudo mudou. Todo mundo viu… A nave e você…” “Quem é você? E minha mãe, meu pai…?”, Artur estava quase desmaiando outra vez. “Sou eu… seu irmãozinho. Bento… o Ben. SEU Ben! Fique comigo!”

 

Mas, meu irmão ainda é um adolescente!”.

 

Artur olhou pro lado, para a janela do quarto, desta vez sentiu algo se aproximando, um zumbido, sentiu algo morno, pacífico. Porém a boa sensação passou rápido… Ouviu um estrondo, todos ouviram… Pessoas correndo por todos os lados. Ben se afastou como se fosse empurrado por uma força invisível. Artur viu em seu rosto o pânico e um ar de quem perdia suas últimas fichas. Artur tentou alcançá-lo com as mãos… Quando percebeu que estava completamente amarrado na cama, pelo próprio Ben. “Desculpe irmão, é uma tentativa!” Soldados armados começaram a entrar aos montes no quarto. Formaram uma espécie de escudo em sua volta. Pareciam formar um verdadeiro Front de guerra para protegê-lo. Contra um “inimigo” tão rápido que mal se podia enxergar. Era uma luz forte, intensa como o sol. Os escudos se levantaram, disparos foram dados… E o Artur… Foi sentindo muito sono outra vez…

 

Jamais haveria controle…

 

O mundo ia ficando mais velho e mais velho… cada vez que Artur conseguia, rapidamente… despertar por algum tempo e olhar as horas. Seu redor envelhecia, seus amados não estavam mais lá. Ele surgia entre um sono e outro. Eram hospitais, e depois bases do governo e do exército. Depois… eram restos de cidades destruídas… abandonadas. Cada vez mais destruição, cada vez mais vazio e tudo sem fazer o menor sentido. As luzes continuavam chegando… Ele sabia disso; outra vez, outra vez, outra vez… E ele sempre sentindo aquele cansaço. Com a Terra em silêncio e o mundo vazio ele podia ver a nave de longe, antes que emitisse o zumbido e a luz ofuscante. Artur não lutava mais contra aquilo. Apenas fechava os olhos… Sempre sentindo… sono demais.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 20/10/2024
Reeditado em 20/10/2024
Código do texto: T8177585
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