NÚMERO DE SÉRIE T10

“T” é a inicial de outro psicopata que levou-me ao inferno sem dizer-me ao certo se voltaríamos logo.

A autora.

Olhos azuis como um celeste céu inexistente; não há pupilas, apenas riscos que não são das írises; são belos e profundos! Olha-los, apenas dez destes no mundo, é ter a chance de contemplar o maior furo ético já veiculado a sociedade. São homens raros e a custo de bilhões dos cofres particulares das grandes industrias da robótica que atualmente tomam conta dos mercados mais rendáveis do globo. São homens de proveta, com genes modificados e criados sem mãe, sem pai; sem vida própria. Apenas experimentos que deveriam de serem descartados antes de chegarem a adolescência. No entanto, um deles foi levado antes de chegar a câmara de gás que o mataria por sufocamento com CO2 puro, igual aos dez deles a criança morreria em questões de minutos sem clamar por nada, já que estaria sedado. A responsável técnica e articuladora de todo o projeto não conseguiu resistir ao descarte desumano das crianças. Então, levou consigo um deles e o criou como seu filho, depois de se desligar de todo o projeto Série T.

O menino cresceu e tornou-se um homem de presença e determinação, como sua mãe de criação sempre quis que ele fosse, algo semelhante com sua personalidade forte e incansável. Quando adulto, sua mãe antes de morrer lhe revelou tudo o que diz respeito ao projeto que deu vida a Tom Walker. Então fica claro o porquê tem excelente aptidão física sem ter volumosos e excêntricos músculos, pensamento ágil, insônia continua sem resposta fisiológica que deveria deixa-lo doente, cicatrização anormal (fatores fisiológicos atuantes em menos de dez segundos e por isso cicatrização total em horas). Seus genes foram retirados e em seu lugar posto o de bactérias anaeróbicas com mutação respectiva. Mas é um homem como outro qualquer e que sente saudades de sua mãe na mansão que vive.

É noite, uma jovem de cabelos curtos e franjão cobrindo parte dos olhos veste um casaco azul com capuz, é uma peça velha e aparentemente muito usada por se mostrar desgastada. Usa uma camisa preta e calças largas de mesma cor, seus pés descalços deixam a ver uma perna normal, de carne e osso e outra feita de metal inoxidável com circuitos de LED. Sua pele é pálida, sem vida assim como seus olhos com olheiras crônicas. É magra e de andar calmo. Suspira olhando para uma gaveta cheia de frascos ampolas. Tem uma seringa permanente com apenas troca do dispositivo de injeção do liquido. Encaixa um dos frascos e repõe outra agulha. Injeta no musculo da sua única coxa feita de si mesma.

O quarto onde reside é pequeno, mais ou menos organizado. Mas o banheiro é imensamente limpo. Toma em mãos seu celular que vibra, é um modelo clássico se comparado à alta tecnologia de holograma presente nos dias em que se encontra. Sabe muito bem disso, foi projetista de robótica e aparelhos portáteis. Passa umas fotos e encontra uma em especial, um jovem de idade mais velha que a sua; moreno, cabelos lisos e curtos, pouca barba, olhos amendoados e bem negros, quase sem fundo. Rosto delgado. Ela sorri; no entanto, ao si virar com os braços cruzados mostra um rosto imensamente sério vendo o mesmo homem a sua frente; deve ter entrado pela janela aberta (para não dizer: arrombada) pelas costas dele. Ele é magro, alto, e mostra olhos azuis inexistente em todo o mundo.

- O que faz aqui, Tom?

- M, estava pensando em mim? Diz ele sorrindo, no chão uma poça de óleo cor cinza se forma advindo da manga de seu casaco. Usa roupas pretas.

- Não me chame por M. tenho nome: Mel-i.

- Tudo bem. Mel-i. estava ou não pensando em mim?

- Sabe muito bem que luto todas as artes marciais que existem. Se não sair por onde veio te jogo deste andar! Diz ela ainda mais rude e com as mãos livres, percebe-se que a direita é prótese com tecnologia igual a de sua perna.

- São cinco andares, a queda não é lá essas coisas! Diz com ar de humor e assim aproxima-se mais. – Preciso que conserte meu braço, estou perdendo muito óleo e se continuar assim terei meu sangue injetado na prótese e morrer por hemorragia.

- Não diga aquilo que sabe que já percebi, fui eu quem projetou toda a prótese quando me solicitaram uma prótese para o filho da dona da indústria onde trabalhava, a senhora Lindha Walker, que tinha perdido o braço esquerdo num acidente de carro.

- Eu vou morrer se você não consertar a prótese. Diz ele tirando seu casaco, seu braço mecânico está ensopado com o óleo.

- O que queria com minha pesquisa do T10? Meus chips que tornariam essa quimera de células bacterianas e humanas em humano por completo? Por que apenas não me pediu para lhe dá-los? Faz um ano que não nos vemos e você me vem aqui para lhe consertar! Está enganado, vai morrer nos meus pés. Diz se aproximando e estando ambos frente a frente recebe uma tapa. – Eu sempre soube que você era T10, e mesmo assim projetei todos os três chips para serem implantados em você! Não precisava ter o roubado de mim e me deixado ser jogada daquele jeito da sua indústria. Confessa com os olhos almejados por lagrimas quentes que ela limpa com a mão de metal frio.

Ele não sabe o que dizer, quer seu braço consertado.

- Por que não pediu a sua equipe para te consertar?

- Você possui a senha de voz.

Ela tinha esquecido deste detalhe, e como foi demitida da indústria levou consigo todos os seus projetos e tecnologia. Leva os dedos a trava que desconecta a prótese a ele. Ela assovia uma melodia de ninar e com isso o dispositivo se solta. Tom sente um pouco de dor. Ela fecha a circulação elétrica e de óleo, deixando a de sangue travada com uma película de emergência. Tem em mãos o dispositivo.

Visualiza por uns segundos o vazamento, é apenas uma peça ligada aos fios de LED que modula a saída de fluido óleo no sistema, como está desabilitado o óleo corre descontrolado. Ela retira a peça e com isso o “pinga” de óleo cessa. Mas tem de limpa-lo. Senta-se numa mesinha com um abajur com foco, o direciona a peça disposta. Pega uma caixa de ferramentas para concerto do circuito e no fundo a peça que precisa para repor a danificada. Começa com o processo. Tem vários lenços sujos com o óleo tirado com auxílio de um removedor. Em menos de uma hora a prótese deve estar pronta para reenxerto. Tom ao seu lado fica impaciente a vendo trabalhar meio calada sentada com as costas recurvadas.

- Você mudou desde a última vez que nos vimos, ano passado. Diz ele remexendo nas páginas de um álbum de capa verde jogado aos pés da cama. Olha fotos de Mel-i quando jovem, menina e algumas ao seu lado. Era muito radiante, de cabelos longos e semblante de ser vivo. Diferente de hoje.

- Mudei sim. E tudo começou na noite em que fui enxotada da indústria sem meus projetos. A câmera de segurança que tinha acesso do meu laboratório te gravou levando-os. Meu prazo para a entrega do projeto tinha se esgotado e eu não tinha nada em mãos. Sai com minhas coisas, perdi minha casa e por isso tive de voltar para esse apartamento velho que morava nos tempos da faculdade de engenharia robótica. Tomei um porre no bar que íamos, fui atropelada e perdi minha perna, minha mão, alguns órgãos internos. Quem diria que acabaria usando as minhas próprias próteses! Há, e meu olho direito também é prótese.

Termina seu discurso com a peça limpa e pronta para continuar a funcionar, insere-a no seu dono. Está perfeita.

- Como me achou aqui?

- Para onde mais você viria se não aqui? Sem emprego e sem dinheiro. Tinha de estar aqui consertando peças de robôs velhos e próteses para aqueles que não podem pagar uma manutenção da própria indústria.

- Agora suma da minha frente! Diz ela com aquele mesmo olhar de raiva e voz rude. Como alguém que tanto amou pode ter acabado com sua vida?! – Espere, me diz: como ficou o uso dos chips? Já está em seu cérebro?

- Sim. Mas não funciona, ainda sou o mesmo. Vê: meus olhos estão da mesma cor.

- Mas ainda está na sua cabeça?

- Sim.

- Ok. Entrega-lhe seu celular velho mostrando um arquivo de áudio. – Quando chegar a casa olhe esse arquivo, são as correções do chip.

- Por que gosta tanto de mim? Pergunta ele tomando o celular e acariciando sua mão, coisa que ela não quer.

- Não gosto! E se tocar em mim te joga do prédio! Dirige-se a porta, a abre para que ele saia.

- Quanto te devo?

- Minhas memorias de noitadas de safadeza como você é o suficiente para me matar de arrependimento mais cedo ou mais tarde. Agora vá!

Ela não espera mais nenhum segundo e fecha a porta na sua cara. Ela deita-se na cama e fica por mais um fim de dia olhando para o teto. – Eu teria implantado os chips e os feito funcionar! Não precisava ter me roubado. Cochicha para si.

Em cassa, Tom sentado na cama, se encontra limpo e olhando os arquivos do celular. Há muitas fotos dela e dele juntos. Há também a senha musical de sua prótese e o arquivo dito por Mel-i. Ele visualiza, é um arquivo de áudio. “Eu te amo”.

Logo sente uma forte dor de cabeça que se estende por alguns segundos. Sua íris é de um verde intenso. Como todos os projetos de Mel-i são protegidos por senhas auditivas, este também não poderia ser diferente, a única diferença é que o veículo não são sensores de metais e sim as próprias células nervosas que conduzem o arco reflexo da audição humana. T10 é apenas Tom. Um homem especial, porém, agora comum como outro qualquer.