A JORNADA.
Os testes iniciais foram promissores, o compartimento quântico comportou-se dentro do que os cientistas haviam planejado. De início, os testes feitos com pequenas cobaias tiveram grande sucesso e repercussão. A desconstrução molecular ocorreu perfeitamente, tanto quanto o retorno da cobaia e a sua recombinação molecular, o projeto era ambicioso, os interesses com a sua conclusão e sucesso eram enormes. Havia chegado o momento de fazer testes mais ousados, ir um pouco mais fundo, embora, inicialmente Alfred fosse contrário a colocar um ser humano no compartimento quântico, estava tentando a fazê-lo, o único porém, era a falta, ou, medo dos possíveis candidatos. Dos nomes previamente escolhidos, militares selecionados, nenhum queria ser voluntário. Houve um momento de grande tensão entre os envolvidos no projeto, uma vez patrocinados pelo comitê global, o mesmo exigia relatório e progresso o quanto antes.
Portas Abertas foi uma iniciativa do próprio Alfred, o renomado cientista especialista em física de partículas, com base em pesquisas e estudos aprofundados, de anos e anos, teorizou ser possível a viagem no tempo. Tanto para o futuro como para o passado. Alfred dizia que o passado, presente e futuro acontecem simultaneamente, ele dizia ainda que o tempo e espaço era uma espécie de círculo dentro de outros círculos. Esferas girando dentro de outras esferas, cada uma representando uma camada dimensional do tempo e da realidade. A princípio sua pesquisa foi dada como loucura, no entanto, com o avanço do campo quântico, os novos computadores, as novas descobertas, notou-se que era realmente possível. Foi uma longa jornada para os cientistas até provarem que os seus cálculos e teorias estavam corretas. O que para o século vinte e um era apenas material para filmes de ficção científica, agora, no alvorecer do século vinte e dois, tomou formas concretas. O governo único mundial viu com grande interesse as pesquisas de Alfred, injetando grandes quantidades de equipamentos e recursos financeiros no projeto.
Até então, apenas objetos inanimados foram enviados para outro tempo. Enviar alguma coisa para o futuro era menos complexo do que para o passado. Surgiu então a ideia, do próprio Alfred, em enviar pelo compartimento quântico camundongos de laboratório. Sem nenhuma objeção da equipe envolvida, a sua ideia foi aceita, testes foram feitos. Primeiro enviaram a cobaia para um mês no futuro, depois, um mês no passado. Aparentemente, o teste havia sido um sucesso. A única questão era saber exatamente para onde o camundongo foi enviado. Alfred também sugeriu que a cobaia, possivelmente, possa ter visitado realidades paralelas no futuro e no passado. A incerteza da localização dessa cobaia no futuro ou passado, se em realidades alternativas ou não, pesou para que os possíveis candidatos desistissem da ousada viagem. O tempo para conclusão da pesquisa estava findando, o compartimento quântico foi redimensionado para um homem adulto, faltava apenas o candidato para o último teste. Se acontecesse dentro do esperado, o projeto seria concluído e entregue a liderança do governo único mundial.
Alfred estava muito ansioso naquela manhã de quinta-feira, o prazo terminava na segunda, até o domingo o relatório final deveria ser entregue, ou todo o financiamento do projeto seria cortado.
Na reunião feita ao final da tarde, Alfred tomou uma decisão drástica que pegou a todos de surpresa, pois o nome do candidato apresentado foi o seu próprio nome. Como criador do projeto, ele se sentiu na responsabilidade de mostrar para todos que não havia perigo na viagem. Depois de um longo debate entre a junta de cientistas, houve um consenso e aceitação no nome de Alfred como a primeira cobaia humana a viajar no tempo.
Os últimos cálculos foram feitos, ajustes no compartimento quântico, parâmetros definidos para uma incursão, primeiramente, no passado. Alfred retornaria um ano antes, exatamente em 2168, quanto ao local onde ele apareceria, era uma incógnita, havia apenas teorias de possíveis lugares. Essa indefinição no projeto foi o principal motivo para outros candidatos desistirem, porém, Alfred estava determinado na viagem temporal, desejava conhecer profundamente a extensão do seu projeto, por ele mesmo, ainda que lhe custasse a própria vida. Alguns colegas mais próximos de Alfred dizem que aquilo era loucura. Ele estava tenso, nervoso, no entanto, convicto de sua decisão e não voltaria atrás por nada.
A máquina quântica se utilizava de matéria escura para romper o tecido do espaço tempo, criando dentro do compartimento quântico um pequeno buraco de minhoca, que, seria estabilizado por matéria negativa, permitindo que um humano passasse por ele sem ser esmagado. Por baixo das roupas de Alfred, foi colocado uma vestimenta especial, de um material raro, que, tal como as moléculas de seu corpo, seriam transportadas pelo portal e reagrupadas do outro lado, de forma perfeita, única e instantâneamente, um ano antes, em algum lugar dentro daquele quadrante, o tecido do espaço tempo se romperia em uma luminosidade azulada possibilitando a passagem do cientista. Alfred não levava consigo nenhum material tecnológico, nada, exatamente nada naquele primeiro teste, se bem sucedido, repetiram o teste com alguns equipamentos. Em teoria era isso, quanto a realidade do feito, Alfred seria o primeiro a correr o risco de descobrir se de fato funcionava. O líder do governo único global havia autorizado a remoção do chip implantado na fronte da mão esquerda, para que o mesmo não interferisse no equipamento. Todos os humanos listados como cidadãos do governo único, obrigatoriamente tinham tal implante controlado pelo governo único.
Tudo pronto na tarde daquela histórica sexta-feira...
Alfred posicionou-se dentro do compartimento quântico, a pressão arterial estava normal, batimentos cardíacos também. A máquina foi ligada, o temporizador ajustado em um ano antes. Alfred deveria aparecer em algum lugar dentro de um raio de cinco quilômetros. Quanto ao local exato, ele não tinha certeza. A única coisa que os testes com as cobaias revelaram é que não haveria o risco de seu corpo se reagrupar dentro de uma parede de concreto, por exemplo. As moléculas e o reagrupamento aconteciam apenas em espaço livre.
— Pronto Alfred. Disse o responsável pelo equipamento.
— Sempre. Respondeu o cientista tentando disfarçar o nervosismo e medo.
O último botão foi acionado. Raios azuis começaram a se formar nas extremidades do compartimento, luzes que alternavam entre o azul e o violeta. Aos poucos, a luz ia se intensificando e tomando o corpo de Alfred. A sensação era de uma pequena coceira no corpo, algo muito discreto. De repente, ele sentiu como se o seu corpo fosse sugado para dentro da luz azulada e violeta, como se um ímã poderoso o sugasse para trás. A sensação durou poucos segundos. Alfred fechou os olhos devido a intensidade da luz. Cerca de um minuto depois, toda aquela estranheza havia se passado. Alfred abriu os olhos lentamente... O susto inicial fez seu coração disparar, o teste havia dado certo. Ele estava em uma pequena rua sem saída, rua antiga, de paralelepípedo. Quanto ao sucesso de ter voltado no tempo era indiscutível, no entanto, havia a incerteza do tempo. O que ele de pronto percebeu é que o seu retorno não havia sido um ano antes, aquela rua, as casas, tudo enfim, o ambiente não representava o século vinte e dois, muito pelo contrário. Alfred não queria admitir que ele havia retornado não um ano antes, mas, talvez um século antes. O tempo corria contra ele, era o momento de descobrir tudo sobre aquele lugar antes do horário programado de seu retorno.
Ao que parecia, Alfred havia retornado ao século passado, em uma das antigas cidades abaixo do bloco tecnológico e das modernas cidades verticais. Tão rapidamente sentiu a diferença na atmosfera, o ar puro em seus pulmões, a brisa fresca soprando em seu rosto. Casas simples de alvenaria, que somente viu nos livros de história. À frente, figuravam veículos antigos, de motores a explosão, movimentados por compostos, na época conhecido como gasolina, álcool ou diesel, combustíveis fósseis derivados do petróleo. No início do século vinte e dois os combustíveis fósseis foram substituídos por um composto atômico chamado de elemento "N", que geram energia quase infinita, aliado às tecnologias de reaproveitamento e recuperação de força, os novos motores quânticos de energia "N", em nada pareciam com aquele tipo de veículo barulhento trafegando a sua frente, tudo inicialmente pareceu-lhe assustador e extremamente perigoso, como se uma aberração estivesse ali. Outro detalhe eram as suas roupas, em nada parecia com as vestes dos transeuntes que avistou. De início, Alfred ficou receoso, temeu sair de onde estava, teve medo daquela sociedade, julgada pelos arquivos de história como anarquistas e violentos. Depois de um tempo de observação e análise, resolveu caminhar um pouco pela cidade, não queria se afastar do quadrante de segurança. Uma vez fora, ficaria preso naquela época.
A estranheza e medo deu lugar à curiosidade. Já não era o Alfred assustado, as pessoas que passavam por ele pareciam não se importar com a sua presença bem com as roupas diferentes. Apenas algumas pessoas que olhavam sem fazer qualquer comentário. Era necessário coletar dados, soltou as minúsculas esferas de sondagem que ocultamente trouxe sem avisar a equipe. Voando numa altura razoável, fariam a varredura de todo o quadrante colhendo uma infinita quantidade de dados em todas as escalas possíveis, retransmitidas em um pequeno receptor, que também trouxe às escondidas da equipe. Certamente que a sociedade diante dos olhos de Alfred não parecia em nada com o que aprendeu na academia científica. Muito pelo contrário, aquelas pessoas não se comportavam como anarquistas, nômades ou qualquer outra coisa. Eram simplesmente seres humanos normais vivendo suas vidas, com a diferença de não serem monitorados o tempo todo pelo governo único. Talvez, aquela sociedade dita como arcaica, viviam em uma liberdade maior. Tais observações pesaram no coração de Alfred. Ele estava agora no limite de tempo para o retorno e do quadrante de segurança, tentado a conhecer e explorar mais. Ele sabia que se retornasse, certamente não voltaria, bem como o seu projeto sairia das suas mãos para o controle absoluto dos militares.
Um minuto depois do compartimento quântico ser ligado, das luzes tomarem o corpo de Albert e fazê-lo desaparecer, era o momento de reiniciar o equipamento e trazê-lo para o seu próprio tempo. Na contagem do presente de Albert havia se passado apenas um minuto. No entanto, no passado, para onde ele foi transportado, em teoria, deveria ter passado um dia inteiro ou mais.
— Tudo pronto? Disse o responsável pela operação do compartimento quântico.
— Dentro dos parâmetros diretor, cálculos ajustados e máquina calibrada...
— Ao meu sinal. Um... Dois... Três... Pode religar.
A magnífica máquina que revolucionaria o mundo foi acionada, as luzes azul e violeta tomou o compartimento quântico. Ao apagar-se, o espanto geral, não havia ninguém, Albert não retornou como planejado. O diretor bem como toda equipe ficou perplexa, mexendo nos controles, revendo cálculos e anotações, tentando entender o que deu errado. O complexo tecnológico contava com a presença do representante do governo único global e o representante da cidade vertical. Figuravam também militares de altíssima patente do governo único. Todos na expectativa de que Albert retornasse com os dados requeridos dele.
O diretor do complexo e responsável pelo equipamento não sabia exatamente o que dizer. Considerando que eles não tinham o exato conhecimento de onde estaria Albert no passado, pressupondo os locais e o alcance da máquina era para ele ter retornado. A única resposta plausível dos cientistas era de que Albert estivesse fora do alcance da máquina no momento de acionamento do retorno, ou, algum defeito no equipamento. Uma vez dentro do quadrante estabelecido, com os implantes dentro de seu corpo, era para ele retornar instantaneamente. Uma enxurrada de questionamentos foram feitos sem obter uma resposta plausível. Somente um cientista considerava com relutância a insistência de que, talvez não fossem erros de cálculos ou qualquer outra hipótese. O cientista sugeriu que Albert não retornasse por vontade própria, talvez ele não desejasse mais retornar. Todo o seu empenho na criação do equipamento não era exatamente para colaboração do governo único, e sim, dele próprio, de seus interesses pessoais. Foi cogitada a possibilidade de enviar alguém para procurá-lo, mas quem... Ninguém queria arriscar, uma vez que a imprecisão do local onde ele supostamente estaria era cada vez maior, colocar outra pessoa no compartimento correria o risco de perder outro membro importante. O projeto portas abertas estava fechado, sem o seu criador, era apenas uma porta trancada pelo lado de dentro.
Alfred marcou um perímetro de perigo, o exato quadrante onde ele não poderia pisar. Caso o fizesse, retornaria para o seu tempo. Alfred conhecia como ninguém a história, sabia que a liberdade oferecida pelo governo único com implantes e controle, não era liberdade.
Havia muito a ser feito para evitar que aquela sociedade se tornasse na sua.
No passado Alfred era apenas um fantasma.
Quanto ao estabelecer naquela sociedade seria tão mais trabalhoso que a criação da própria máquina. Com todas as informações privilegiadas dos dias vindouros, ele sabia exatamente o que deveria ser feito para obter pleno sucesso em seu plano.