O ACHADO NÃO É ROUBADO, E O PREÇO DA HONESTIDADE
Conheço milhares de pessoas que nasceram e morreram sem acharem nada na vida. Isto é, acabaram na miséria, pois levaram uma vida minguada de muitos sofrimentos, por isso, não teve mais do que uma existência insignificante.
Em contrapartida, conheço muitos sortudos que se deram muito bem durante as suas breves vidas, sendo assim, acharam coisas demais. Ou seja, a sorte era tamanha que esses agraciados recebiam tesouros valiosos no conforto de suas próprias casas. Esses presentinhos que valiam milhões chegavam milagrosamente de todos os cantos do mundo. Além disso, eram enviados por pessoas anônimas, onde não era possível descobrir a identidade do bom samaritano caridoso.
Francamente? Nunca achei nada! Aliás, minto! A única coisa que achei na vida, foi uma nota de 01 dólar, e, mais nada. Esse achado foi há muitos anos, na minha inocente juventude. O episódio de sorte marcante aconteceu no meio de uma enorme multidão que participava de um grande e caloroso discurso de um candidato à presidência da república. Candidato este que representava a grande massa de trabalhadores, classe esta a qual eu era um defensor ferrenho. Por isso, discutia fervorosamente como se discute um bom futebol, mas sempre puxando a sardinha para o meu lado favorável, é claro.
Então, ao avistar o dinheiro, olhei para um lado e para o outro, vi que ninguém estava olhando. Abaixei, e, imediatamente, como um gato, apanhei aquela nota de um dólar. Embolei a cédula e fechei bem forte a mão para escondê-la disfarçadamente. Observei mais um pouco, e vi que ninguém sentira falta daquela cédula sagrada. Logo, o próximo passo era enviar despistadamente a mão no meu bolso e ocultá-la secretamente. Além disso, aquela a nota estava sofrendo com aquele aperto forte e trêmulo da minha mão. Pois, estava embolada e amassada como aquele único dinheiro que um bêbado segura fortemente em sua mão para tomar a sua bebida predileta.
Entretanto, repentinamente, lembrei que o pai sempre dizia: achado não é roubado, porém, é extremamente necessário devolver ao verdadeiro dono, de bom grado, tudo aquilo que encontrou. Depois disso, senti um grande remorso, por isso, aquela nota queimava cruelmente a minha mão, como se fosse uma batata quente. Dessa maneira, eu precisava livrar daquele maldito dinheiro, o quanto antes, para aliviar a minha grande angústia, pois, estava envergonhado e sofrendo muito.
Eu estava espremido no meio daquelas pessoas que gritavam e aplaudia o discurso fervorosamente. Assim sendo, não tinha a menor ideia, de quem era de fato, o dono daquela nota. Então, olhei todos a minha volta para ver se alguém dava algum sinal de que estava procurando algo. Mas, todos estavam de corpo e alma inteiramente ligados apaixonadamente naquelas belas palavras proferidas pelo nosso futuro presidente, um digno representante classe trabalhadora.
Aliás, esse nosso presidente falava a mesma língua da gente, comia o que agente comia, também bebia até aquelas cachaças bravas a que agente bebia, dado que fora um trabalhador comum e até desemprego como nós. Além disso, sofria o mesmo tipo de preconceito, isto é, ser chamado de encrenqueiro, analfabeto e trapaceiro, e que ainda não gostava de trabaiar, por isso, vivia procurando vida fácil.
Sem achar uma saída, pensei em devolver a nota para o chão, ou seja, colocá-la exatamente no mesmo lugar aonde fora encontrada. Entretanto, imaginei que aquela multidão bastante animada fosse pisotear tanto aquela nota, até destruí-la.
Então, esperei uma pausa do discurso, que vem logo em seguida, também esperei acabar aquela chuva de palmar que durou uns longos 5 minutos. Quando tudo estava calmo e com absoluto silêncio, ergui a mão para cima e gritei bem alto com toda força e ar que estava nos pulmões: de quem é essa nota? O grito foi tão que ecoou naquele espaço fechado como se tivesse falando em um potente auto-falante. A multidão levou um grande susto. Logo após, a única que me lembro, foi que todos vieram para cima de mim.
Depois disso, não me lembro de mais nada. Segundo informações que tive mais tarde de terceiros, todos tentaram agarrar aquela nota, ao mesmo tempo. Dessa forma, fui pisoteado e massacrado por aquela grande multidão, consequentemente fiquei ali no chão inconsciente, praticamente morto. Além disso, pisotearam mais algumas pessoas próximas de mim, além do mais, a selvageria foi tamanha que destruiu completamente aquela humilde cédula.
Apesar de ficar vários meses completamente, paralisado do pescoço para baixo, devido os traumas graves que tive, inclusive na coluna. Isso está longe de ser a marca mais profunda desse triste episódio. Por milagre, superei o trauma físico e hoje estou bem fisicamente, pois, recuperei todos os movimentos que havia perdido de uma hora para outra.
Na época, os médicos disseram que nunca mais eu iria andar novamente, por isso, orientaram aos meus familiares para providenciar uma cadeira de rodas definitiva. Além de outros cuidados paliativos, é óbvio. Segundo o médico isso me dava alguns dias de vida a mais. Eu ouvi toda a conversa, apesar de, somente mexer os olhos. Ouvi claramente, quando o jovem médico disse em tom descontraído e com a maior naturalidade do mundo para a minha mãe. Senhora, nesse caso específico, a morte teria sido um alívio para ele. Vi, e ainda lembro como se fosse hoje, quando a minha mãe virou o rosto para baixo e chorou baixinho.
Entretanto, contrariando todos os maus prognósticos médicos, isto é, a sentença de morte certa. Um dia comum, como os outros, pulei daquela cama hospitalar e saí andando normalmente, pois, eu não queria mais ficar ali, dado que, já estava abrindo feridas profundas no meu corpo de tanto ficar deitado numa mesma posição. Ou seja, as temidas escaras de decúbito.
Por fim, o dilema incurável, e também muito doído que carrego comigo desde aquele dia, é o fato não saber! Mas, ao mesmo tempo, de saber de forma clara intuitivamente! O porquê? Daquela multidão agir daquele modo. Pois, ora, penso que todos julgaram que eu era um correligionário do partido que estava distribuindo dinheiro. Ora, imagino, que todos ali, isto é, cada um dos presentes naquele discurso, ao mesmo tempo, tivesse perdido o único dólar que recebeu, logo na entrada, como a compra de seus respectivos votos. Enfim, gostaria de saber toda a verdade e também o motivo que levou toda aquela gente vir para cima de mim.
FrasesFeitas % FilosofiaColoquial 12/10/21
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