Em território naraghi

Os naraghi haviam terminado os reparos no sistema de navegação, danificado durante o combate. Contudo, no assento outrora ocupado pelo navegador humano Tarum, ainda havia vestígios de sangue: um lembrete de como era perigosa a nossa situação, a bordo do cruzador inimigo.

- Se formos interceptados por alguma nave da Terra, corremos o risco de sermos abatidos antes de explicar o que estamos fazendo aqui dentro - comentei com Jeff, enquanto ele se instalava no assento do navegador.

- E se souberem que estamos ajudando os naraghi a voltar a uma de suas bases, provavelmente iremos a corte marcial - avaliou Jeff, fechando cuidadosamente o cinto de segurança de três pontos. - Melhor eu fazer esse trabalho direito, para ninguém mais sair ferido.

- Ou morto - retruquei.

Jeff voltou-se para o comandante naraghi, que acompanhava a cena ao lado do oficial de ciências.

- Estou pronto - declarou.

Aram, o oficial de ciências, ajustou o capacete negro de interface neural sobre a cabeça de Jeff, que fora raspada para o procedimento.

- O sistema é intuitivo, não é necessário um treinamento prévio - explicou. - Tudo o que terá que fazer é selecionar visualmente a base naraghi desejada e traçar o curso no espaço virtual. Quando a nave entrar no hiperespaço, você poderá desconectar e só reconectar antes do processo de saída do hiperespaço.

Na ponte de comando do cruzador, tomamos nossas posições de decolagem e pouco depois o piloto naraghi nos levou da superfície de Irghan-V até o espaço sideral. Quando atingimos a distância de segurança para o planeta, a propulsão de dobra foi acionada por Jeff, após ter selecionado uma base naraghi limítrofe à zona neutra. O comandante ordenou que se mantivesse silêncio no rádio, já que não desejava atrair a atenção de eventuais naves terrestres que pudessem estar na região.

- Estamos no curso previsto - informou Jeff após desconectar-se do sistema e abrir o cinto de segurança.

Pelas telas de observação da ponte do comando, via-se agora apenas o cinza turvo do hiperespaço.

* * *

O cruzador emergiu do hiperespaço no interior do sistema binário Nalthro, onde os naraghi haviam instalado uma base em Buzir-F, lua rochosa externa do gigante gasoso Buzir. Buzir orbitava próximo o bastante de Nalthro-B, o sol alaranjado secundário do sistema, para permitir que a lua ostentasse condições de habitabilidade, tanto para terrestres como naraghi. Ao menos desta vez, não precisariam descer da nave usando trajes espaciais, embora a temperatura média em Buzir-F estivesse pouco acima do ponto de congelamento da água.

Pouco depois do pouso, os naraghi descobriram que a base fora abandonada às pressas.

- Não me importaria de finalizar a carona por aqui - comentei com Jeff, após tomarmos conhecimento das novas.

- Por isso tracei um curso para cá - explicou-me, enquanto aguardávamos o desfecho da nossa situação na cabine que nos fora cedida no cruzador. - Eu sabia que com o avanço da frente de batalha, um posto avançado como Buzir-F seria um dos primeiros que os naraghi abandonariam. O problema é que a ocupação do sistema pelas forças terrestres ainda não ocorreu.

- Você cumpriu a sua parte no acordo - relembrei. - Trouxe-os até uma das bases deles; portanto, agora deveríamos ser soltos, ainda que para sermos abandonados nesta lua.

- O problema é que não há outros humanos em Buzir-F para me render - ponderou Jeff. - Eles não têm como seguir viagem sem mim... mas talvez eu possa negociar a sua liberação. Em troca, sigo com eles para mais dentro do território naraghi.

A ideia de ficar sozinho numa lua gélida dentro do espaço naraghi, não era exatamente o que eu chamaria de animadora. Todavia, e eu tinha que reconhecer isso, soava muito mais seguro do que prosseguir viagem numa nave inimiga para um destino desconhecido.

Jeff estava fazendo um sacrifício por mim, e eu tinha que ser grato a ele por isso.

[Continua]

- [21-11-2020]