Um de nós
As pessoas o chamam Brayden, embora esse não seja o seu verdadeiro nome. Mas disseram que lembrava alguém que tinha esse nome, um desportista do passado. De qualquer forma, ninguém conseguira pronunciar direito seu nome quando ele aparecera por ali, três anos atrás, e agora só o chamavam de Brayden.
- Brayden!
Ele parou de mexer no motor que estava na bancada e virou-se quando o chamei.
- Olá Norton! - Saudou-me, limpando as mãos num pedaço de estopa. - Ainda não está pronto, como pode ver...
Falava com um sotaque engraçado, que diziam ser da gente dos Exteriores. Eu não sabia se isso era verdade, já que nunca havia falado com ninguém de lá, exceto talvez o próprio Brayden. Mas nem ele afirmava ter vindo dos Exteriores; de onde ele exatamente provinha, era um mistério.
- Vimos uma nave descer no planalto, parece ser da gente dos Exteriores. Quer ir lá dar uma olhada? Talvez sejam do seu povo.
Brayden pareceu-me nervoso. Enxugou o suor da testa com as costas do braço.
- Como eles estavam vestidos... viu se usavam uniformes?
Na colônia, havia quem achasse que Brayden era um desertor dos Exteriores, mas a roupa que ele usava ao chegar ali era um simples macacão cinzento de serviço e botas condizentes, nada militar. Sequer portava qualquer arma e dizia ser contra elas.
- Não vi ninguém descer; talvez estejam esperando que alguém da colônia vá até lá. Quer dar uma olhada, de longe?
Ele balançou a cabeça, afirmativamente.
Descemos até um ponto nas montanhas onde podia-se visualizar discretamente todo o planalto. A nave, um modelo pequeno com aparência gasta, estava pousada placidamente no meio de um campo de relva alta, agitada pelo vento. Ao redor dela, três vultos em roupas escuras pareciam conversar. Passei os binóculos que havia levado para Brayden.
- E aí? Reconhece os tipos?
- São da Companhia - replicou, sem tirar os binóculos da cara. - Talvez estejam atrás de mim, seria arriscado eu aparecer.
- Você trabalhava para essa Companhia? - Indaguei.
Brayden balançou negativamente a cabeça, após baixar os binóculos.
- Não. Eu sou propriedade deles.
Toquei no ombro de Brayden, que estava com uma expressão vazia.
- Ei, ninguém aqui vai deixar que te levem; você nos ajudou muito com seus conhecimentos, melhorou a vida de todos. Você é um dos nossos Brayden.
Disse-lhe que se escondesse nas minas abandonadas, até que a nave partisse. Caso ela demorasse por ali, alguém da colônia iria levar água e comida para ele. Obedeceu, sem questionar.
Dois homens da tal Companhia acabaram indo até a colônia, conversar. Disseram que procuravam um "sintético", como o descreveram, uma criatura desenvolvida em laboratório.
- Ele se faz passar por homem, embora não seja um - afirmaram. - É muito inteligente e muito valioso. Se puderem nos dar alguma pista que nos leve à sua captura, serão muito bem recompensados.
O dinheiro dos Exteriores nada significava para nós. E para os artefatos e serviços práticos que precisávamos em nossa rotina diária, Brayden havia se revelado um excelente provedor. Agradecemos a oferta, e os forasteiros acabaram partindo, decepcionados com nossa pouca receptividade.
Sintético ou não, ele agora é um de nós; não importa quem seja. As pessoas o chamam Brayden.
- [04-11-2020]