Vem queimando a nave louca

Caminhando ao lado do tradutor Askuwheteau e acompanhados pelos outros cinco moicanos, o major Ippolit Tikhonovich afastou-se do sítio onde caíra a Pioner-I. Após meia hora de caminhada pela floresta, na qual os nativos pareciam estar se orientando unicamente pelo sol (e ele pela bússola de pulso), saíram num descampado junto a um pequeno rio, onde viam-se plantações de milho e mais à frente uma grande paliçada para a qual apontou Askuwheteau:

- Nossa aldeia, Otenana!

Algumas mulheres índigenas que faziam a colheita do milho, pararam o trabalho para olhar a passagem do grupo, cochichando entre si. Como não sabia o que poderia ser considerado ofensivo para aquela cultura, o major evitou olhar diretamente para elas, mas percebeu que usavam vestidos longos enfeitados com miçangas coloridas, sobre perneiras de lã.

- O que quer dizer Otenana? - Indagou o major.

- "Aldeia de cima". Para não confundir com a "aldeia de baixo", que era uma outra aldeia que ficava abaixo na correnteza do rio - explicou Askuwheteau.

- O que houve com a "aldeia de baixo"? - Indagou o cosmonauta.

- Foi queimada pelos nossos inimigos, os mohawk - replicou o tradutor, muito sério.

O major perguntou-se onde andava a polícia canadense que não interferia naquela barbárie, mas achou melhor calar-se.

Um grupo de nativos aguardava a chegada de Askuwheteau e seus homens. Dentre eles, destacava-se um homem de grande estatura, cabeça quase que totalmente raspada, exceto por um tufo de cabelos decorado com penas na nuca. Sobre a túnica nativa, ele usava um casaco vermelho com botões dourados, de corte militar. E nas mãos segurava uma arma longa, que lembrava um rifle.

- Aquele guerreiro com o arcabuz é o nosso chefe, Pannoowau.

A atenção do major, contudo, foi logo atraída por outro homem que estava ao lado de Pannoowau: era jovem, apesar da barba curta, branco, e vestia uma batina negra.

- O chuckopek é o padre Jacquet Laurent - antecipou-se à pergunta Askuwheteau. - Ele veio viver entre nós para tentar nos converter à sua religião.

O major ergueu os sobrolhos. Ainda havia missionários tentando catequizar os índios nos sertões do Canadá?

- Pelo seu comentário, o padre Laurent não está tendo muito sucesso - disse o cosmonauta.

- Nós somos um povo guerreiro - replicou Askuwheteau. - Dar a outra face e perdoar os nossos inimigos não é muito do nosso feitio.

- Faz sentido - redarguiu diplomaticamente o major. - No meu país, respeitamos a autodeterminação dos povos e não tentamos impor nossa cultura a eles.

- É uma boa política - assentiu Askuwheteau.

Pararam em frente ao comitê de recepção. O cosmonauta e o padre encararam-se com estranhamento, embora fossem os únicos europeus ali. Askuwheteau começou a falar em língua nativa com o chefe Pannoowau, enquanto os demais ouviam em silêncio respeitoso. Finalmente, o tradutor voltou-se para o major e disse em francês:

- O chefe Pannoowau quer saber se você veio das estrelas, já que caiu dentro de uma.

- Não era uma estrela... é mais como uma canoa, só que de metal. Com ela eu pude viajar pelos céus, antes de cair aqui.

Pannoowau lançou um olhar feroz para o padre e falou algo em língua nativa. O padre balançou a cabeça negativamente e respondeu no mesmo idioma. Pannoowau não pareceu satisfeito com o que ouviu.

- O que o padre disse? - Indagou o cosmonauta, apreensivo.

- Que estrelas não caem do céu - replicou Askuwheteau.

- [26-09-2020]