Memórias futurísticas
Julien abriu os olhos e estranhou o ambiente. Estava sentado em uma cadeira numa sala repleta de objetos estranhos com aparência tecnológica, alguns flutuando, movidos por alguma força desconhecida. A sua frente uma bela mulher vestindo uma roupa prateada que ele jamais havia visto.
— Onde estou? — murmurou Julien.
— Num laboratório de inteligência artificial. Eu sou a doutora Sarah Ramos, responsável pela criação de híbridos humano-robôs neste departamento, muito prazer!
A doutora estendeu sua mão a Julien, que admirou seu formato feminil com belas unhas vermelhas, como que prontas para serem cravadas em sua pele. Segurou a mão por instinto, pois se lembrava que era assim que se cumprimentava mulheres as quais não se tem muita intimidade e em situações formais, embora não compreendesse o sentido de toda aquela situação.
— Bem, Julien, é natural que esteja confuso — disse a doutora — Não é à toa que você está aqui... Você é um dos híbridos criados neste laboratório. Suas memórias não são acontecimentos reais, foram implantadas em seu cérebro por um chip... São simulações altamente realistas da vida no planeta Terra de muitíssimo tempo atrás. Mais especificamente, você se lembra de ter vivido em uma época próxima aos anos 2000 depois de Cristo.
Neste momento, tudo estava ainda mais incompreensível para Julien, este era seu nome, isso ele sabia, anos 2000, sim... Internet, TVs LED, smartphones... Isso ele se lembrava... Mas quem ele era? Não saberia dizer.
— O quê? Sou um humano-robô? — perquiriu Julien, estupefato.
— Sim. Você se recorda apenas do seu lado humano porque é isso que está na sua memória, e também porque você só passou a ter vida quando abriu os olhos nesta sala a alguns minutos atrás. Veja isto — Sarah moveu sua bela mão e um objeto parecido com uma caneta veio até ela — Não se assuste!
A doutora apontou o objeto para Julien, e ele sentiu como se algo estivesse se movendo em seu peito. Então, ele percebeu uma pequena abertura se tornando cada vez maior... Subitamente, seu coração saltou para fora do corpo e ficou flutuando na altura do seu peito. Julien ficou um pouco assustado, mas não sentia dor. As sensações eram levemente agradáveis.
— Está vendo, este é o seu coração! É bem parecido com um coração humano e, de fato, há uma multiplicidade de células biológicas nele, as quais estabelecem conexões com outras inumeráveis células robóticas, que são incrivelmente complexas.
O coração retornou para seu peito e a abertura se fechou. Ele sabia que isso certamente causaria a morte em um humano e, embora ele se sentisse muito humano, ainda estava vivo.
Julien percebeu que sua roupa era bem parecida com a da doutora, toda prateada e com alguns detalhes em preto. Seu peito abrira e o coração saltara, mas a roupa continuava intacta, não havia sangue nem estava rasgada.
— Essa roupa é constituída por microestruturas inteligentes, que são programadas para serem confortáveis e funcionais, ela se adapta a qualquer tamanho e se regenera constantemente — disse a doutora.
— Você deve estar pensando — ela prosseguiu — que tudo isso é uma espécie de mágica e que este objeto na minha mão é uma varinha de condão. No entanto, tudo isso é o resultado do progresso tecnológico de muitos milhares de anos. Estamos no ano 27.530 d.C, século 276, uma distância e tanto do século 21, não é mesmo?!
Nesse momento, em um canto da sala, uma figura masculina começou a aparecer. A princípio, pareceu a Julien se tratar de um holograma, mas logo a figura ganhou carne e osso, ou sabe-se lá que matéria sólida.
Um velho com uma longa barba branca, então, foi na direção de Julien e Sarah.
— Este é o doutor Marcius de Toledo, chefe deste departamento científico — disse Sarah — Ele veio de muito longe, mas só precisou de alguns segundos para chegar aqui, graças à maravilha do teletransporte!
— Olá, é um prazer conhecê-lo, Julien! — disse Marcius.
Julien apertou a mão do doutor, tentando adivinhar o significado de sua chegada.
— Sarah, preciso falar com você em particular! — disse Marcius.
Os dois se dirigiram a um canto da sala, enquanto Julien tentava imaginar sobre o que eles falavam.
Depois de alguns minutos, eles se despediram. Sarah voltou para perto da cadeira onde Julien estava sentado.
— Adeus, Julien! — exclamou o doutor Marcius, enquanto sua imagem se tornava novamente um holograma, até desaparecer.
— Julien, houve uma mudança de planos — disse a doutora Sarah — Precisaremos de você no século 21.
— O quê? Como assim?
— Não há tempo para explicações... O que posso dizer é que você não se lembrará de nada do que aconteceu aqui, mas será melhor assim, de outro modo você seria infeliz.
A doutora moveu sua mão novamente, e o objeto parecido com uma caneta veio até ela. Assim que ela o apontou para Julien, ele fechou os olhos. Então, novamente, ele abriu os olhos e pôde ouvir:
— Pronto, Julien, sua manutenção mensal terminou, pode se levantar!
— O quê? Mas quem é você?
— Quem sou eu... Sou a doutora Sarah, sua dentista, lembra? — disse a mulher, rindo.
— Claro que me lembro — disse Julien, e se levantou para ir embora.
Desde então, Julien tentou por muitas vezes evocar em sua memória se conhecia alguma Sarah, além da dentista. Algo nele dizia que sim, mas ele jamais poderia se recordar.