Para John Xumin L.

Vovô Xum sempre nos contava histórias daquele lugar. Parecia incrível. Ele contava que as naves de seus antepassados podiam voar sem medo de cair. Se caíssem, teriam grandes mares; mares da cor azul que iriam absorver o impacto e protegeriam os tripulantes. Os mares, dizia ele sorrindo, eram como as camas em que os deuses antigos se deitavam. Eram do azul mais forte, como as esferas da Colônia Vitória... Estou na parte inferior de uma plataforma no subúrbio de Angelicus 1. Nada aqui é agradável, o ar é impuro demais e cada segundo diante desses vagões cinzentos é um minuto a menos nos muitos quatro anos de vida que ainda pretendo ter. Para isso é preciso me concentrar, a missão é simples: inverter a rota dos vagões espaciais que ligam metade das colônias. Simples até o que vou descobrir daqui a poucos minutos. Para inverter o trânsito dos vagões seria preciso explodir uma 02.B23 do lado de dentro das capotas. Não havia monitoramento, exceto os guardas do setor superior ao que eu estava. Foi preciso respirar muito daquele ar para me manter ali escondido até o momento certo. Seria fácil. Era entrar, plantar e sair. Depois era apenas acioná-la e nenhum carregamento daquelas armas chegaria ao seu destino. Mas não seria daquela vez que meus quatro anos viriam. A plataforma mantinha uma defesa contra qualquer transmissão, seria impossível acionar a 02.B23, a não ser que eu entrasse também dentro das capotas e lá de dentro completasse a missão. Desde o início eu sabia. Mas ainda assim, o sorriso do vovô me alimentava. Eu não conheci aquele lugar chamado Terra, meu lar sempre foi a Eterna Marte. E Marte hoje está se perdendo, suas colônias em guerra só demonstram a frágil espécie que somos. Estou enviando esta última mensagem a vocês amigos da Colônia Vitória, peço que a repassem para John Xumin L. que ainda reside na querida Marte. Cumpri minhas missões como soldado e honrei meu céu vermelho. Aos poucos, nossos cronômetros vão chegando ao fim. Esta é a vida. Desde o momento que pisei naquele solo, meu destino se caminhava ao encontro do dia de hoje. Queria ter um mar agora, me jogaria nele, me deitaria feliz na cama dos deuses. O tempo acabou, Marte vive.

Vitor Romano
Enviado por Vitor Romano em 01/08/2020
Código do texto: T7023110
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