FIM DE TUDO - DESESPERO

— Estou preocupada, J’Hy, as últimas medições estão mostrando uma atividade cada vez maior do buraco negro no centro do nosso universo. Para completar, nossas doze Estrelas Pilares estão perdendo força. O colapso total do nosso universo é apenas uma questão de tempo se não fizermos nada! Precisamos levar essa questão para o conselho imediatamente — falou a Matriarca ainda analisando os dados.

— Excelentíssima Matriarca, desde que as Estrelas Pilares foram construídas, com suas zonas de campo gravitacional interno e anti-gravitacional externo, o equilíbrio foi alcançado. Tudo o que precisamos é construir mais algumas estrelas pilares para revertermos esse quadro e reequilibramos as forças de retração do Big Crush** — argumentou Tiss’Aal.

— Excelentíssima Matriarca, se me permite, creio que os dados falem por si só. O fim do nosso Universo é inevitável. Estamos lutando contra as leis da física. Voto por construirmos uma Estrela Salvadora e saímos todos desse universo moribundo e irmos colonizar um novo - propôs Apokalip’Ttum.

Até então, a Matriarca seguia lendo o relatório, inclusive refazendo alguns cálculos, imersa em pensamentos, ignorando por completo o que os demais estavam falando.

Ela levantou aqueles seus olhos de brilho lilás-arroxeados e falou:

— Por favor, retirem-se. Nesse momento, preciso ler isso com máxima atenção. Quando convocar o conselho os senhores terão suas vozes devidamente ouvidas.

— Devo me retirar também, excelentíssima? — perguntou J’Hy.

— Você não. Preciso ouvir a experiência de um especialista quando vierem as dúvidas. Você poderia se sentar e aguardar um pouco?

— Com prazer.

A Matriarca voltou a fazer a leitura do relatório, fazendo mais algumas anotações.

Apokalip’Ttum e Tiss’Aal saíram do aposento um tanto consternados, mas não seriam loucos de deixar transparecer isso para a Mãe de Todos.

Ao percorrerem o longo corredor eles reiniciaram a conversa:

— Nunca vi a Matriarca tão preocupada assim! Se ela, A Toda Sábia, reagiu dessa forma com o relatório de J’Hy, imagine nossa população. O equilíbrio deve ser restabelecido a todo o custo!

— Tiss’Aal, meu caro, tenho a mais alta estima por você, mas discordo dessa posição. Já acreditei nela por muito tempo, mas creio que chegará um ponto em que ou nós sairemos desse Universo ou morreremos junto com ele.

— Apokalip’Ttum, você está ouvindo o que sai da sua boca? Irmos para onde!? Qual outro Universo você tanto fala!? Nossa raça iria sobreviver nesse outro local? As leis da física seriam as mesmas das que encontramos aqui? Todas as sondas que enviamos tanto para o buraco negro quanto para bordas externas nunca voltaram, elas são destruídas tão logo alcancem o alvo. O que te faz acreditar que haja algo ou algum outro Universo lá fora? Tudo o que temos é isso!

Apokalip’Ttum estava pensativo, encarando aquele céu branco intenso, com as outras onze Estrela Pilares a vagar pelo firmamento, com as suas cores tal qual um arco-íris em globos faiscantes a cruzarem pelo céu. Uma penumbra cinza, sugadora da luz, seguia nascendo no horizonte. Logo seria noite, e apenas o Grande Buraco Negro, ou melhor, seu horizonte de eventos seria visível.

— Somos uma raça de dragões espectrais-etéreos. Conseguimos sobreviver na superfície das nossas Estrelas Pilares desde que elas foram construídas antes do colapso da última galáxia. Milênios se passaram e continuamos aqui, firmes e fortes — complementou Tiss’Aal.

— Então você se lembra, meu caro, como é rápida a contração. Por mais que façamos contenções antigravitacionais, uma hora, a equação de Kyron muda e a retração será ainda mais abrupta. Estamos vivendo e percebendo os mesmos sinais daquela época. Eu não vejo mais para qual tamanho poderemos retrair e sobreviver. A própria equação de Kyron traz como variável a possibilidade de outros Universos e do Meio Entre Universos, que é de onde obtemos a conversão de matéria e energia para manter as Estrelas Pilares funcionando. Sabemos também que há um limite para isso, para que o equilíbrio da equação não mude e ocorra o Big Crush derradeiro.

— A teoria é muito bonita, Apokalip’Ttum, mas se lembre que nós trabalhamos juntos na construção das sondas. Eu queria encontrar esse outro Universo tanto quanto você. Tudo o que sabemos é que, de fato, há o Meio Entre os Universos, mas ele é muito mais hostil do que qualquer coisa que tenhamos construído. Quanto mais colocar alguém dentro e encarar uma viagem para um outro lugar totalmente diferente, seria suicídio para um indivíduo. Se falharmos assim numa proporção que você sonha, seria o genocídio de toda nossa raça.

Se der errado — Apokalip’Ttum enfatizou o se — mas, se der certo, será a nossa salvação por incontáveis eras.

— É um risco muito alto para corrermos, não acha? A vida ou a morte de trilhões estariam nas suas costas. Você seria capaz de viver com um peso desse, Apokalip’Ttum?

— Não. Porque se eu falhar, serei um dos primeiros a abraçar o destino derradeiro — seu olhar carregava uma escuridão tão grande que Tiss’Aal achou melhor encerrar a conversa.

— Bem, J’Hy e a Matriarca com certeza terão dados novos para apresentarem, não vamos nos afundar em divagações tão sombrias. Aguardemos a convocação da Matriarca.

— Sim, aguardemos.

Apokalip’Ttum e Tiss’Aal se despediram e saíram do Grande Palácio.

Ainda na sala do Trono, com as mãos sustentando sua cabeça, a Matriarca, de olhos arregalados, perguntou para J’Hy:

— O Big Crush é inevitável, não é? Pelo que percebi, ele ocorrerá ainda na nossa geração. E, qualquer alteração estrutural que fizermos poderá acelerá-lo. É isso? Por favor, me diga que estou errada…

— Mãe do Todos, A Toda Sábia, infelizmente, a senhora está certa.

A Matriarca lançou um olhar vazio para a noite que caía, iluminada pelo disco de plasma e que forma o horizonte de eventos do Buraco Negro***. O destino final a encarava:

"Decifra-me ou te devoro".
                                                                                                               PRÓXIMO>>
                                                                                                   
* imagem créditos: NASA/TESS;
** Big Crush: é uma hipótese segundo a qual o universo começará no futuro a contrair-se, devido à atração gravitacional, até entrar em colapso sobre si mesmo.
*** horizonte de eventos do buraco negro:  é a fronteira teórica ao redor de um buraco negro a partir da qual a força da gravidade é tão forte que, nada, nem mesmo a luz, pode escapar pois a sua velocidade é inferior à velocidade de escape do buraco negro.
Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 07/07/2020
Reeditado em 18/07/2020
Código do texto: T6998513
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