Suprueção
Então estava lá, eu, parado, olhando para coisas que não conseguia identificar, pessoas se entreolhando como se conversassem em pensamentos, pets guiados por controle remoto como se usassem uma guia invisível, casais tendo momentos de êxtase em roupas de astronautas em pleno parque durante o dia, conectados apenas por um fecho de luz, que vibrava e mudava de cor, mas sentados ali nada faziam, só permaneciam anônimos sob a cápsula de vidro escurecido. Difícil de compreender as coisas, as pessoas. Nas árvores pude ver micro caixas de som digital com o canto de passarinhos em tom mais alto do que o normal, que rompia o caos sonoro da cidade ao redor, em que os próprios passarinhos já não piavam, sequer voavam, porque não conseguiam mais se comunicar. Estava conectado naquele momento, mas eu não era daquele lugar, como pude parar lá eu não sei, eu sei lá. Me contive em perguntar que lugar seria o que eu me encontrava, porque as pessoas não andavam como faziam num tempo em que todos andavam entre si, fiquei aguardando um momento para saber como aquelas pessoas iam embora daquele parque, mas ninguém se levantava, ninguém saía do recinto pequeno que se movimentavam, as horas passavam, mas na verdade não tinha ninguém olhando seus relógios, não existia relógio, e nos pulsos era outra coisa, menos algo que marcasse o tempo. Percebi que à medida que o sol ia se pondo, as pessoas iam se vestindo com aqueles escafandros tipo astronauta, e eles iam ficando iluminados, mas as pessoas permaneciam no mesmo recinto que estavam, pareciam estar se divertindo, mas por qual motivo não saíam, eu não sei. Li numa palavra que surgiu de repente no ar: "Suprueção", mas que diabos seria isso, eu não sei. Supressão talvez. O ato ou efeito de eliminar uma parte de um todo. Seria isso, eu não sei. Mas estariam eliminando uma parte do que, de onde, eu não sei. Seria eu quem tivesse sido eliminado, talvez jazia, seria eu uma alma ali, sem meu escafandro iluminado, também não sei. Mas eu estava lá e de repente passavam por mim, indo embora, cada um no seu envólucro aceso por dentro, como se cada um assistisse sua própria tela de led, enxergando no escuro o caminho de voltar pra casa. Não consegui perguntar, ninguém me ouvia, ninguém parava para me ouvir. Os pets guiados por uma coisa no dorso, tudo muito estranho. Passou por mim todo tipo de gente, todo tipo de rosto, e um olhou pra mim. Um olhar olhou pra mim, olhos me viram, eu vi os olhos que olharam para os meus olhos. Só vi seus olhos e tentei ver seu corpo, igual a todos os outros escafandros, mas eu senti que alguém me viu, alguém realmente se importou em saber que eu existia. Tentei alcançá-la, ela se misturou entre outras roupas de astronautas cor de abóbora. Parei, fiquei atordoado, eu vi que alguém me viu e eu sabia que era uma garota, que, diferente de todos, ela estava sozinha. Eu não estava ficando maluco, talvez estivesse por estar naquele lugar estranho, mas estava lúcido. Voltei para o lugar onde eu estava, abaixo de uma árvore com caixinhas micros de som, agora soando o som de grilos e rãs. Não tinha para onde ir, nem sabia de onde vim, fiquei lá, quieto, sem escafandro, apenas quieto. O que eu deveria fazer ou para onde deveria ir, não sei. Pensei em adormecer, talvez fosse um sonho e ao acordar estaria de volta para a vida que eu julgo ser a minha. Acordei, que paz eu sentia, estava deitado de fato, sob a copa de uma árvore, não ouvia mais o piar dos passarinhos que saíssem de caixinhas micros de som. Fiquei ali por alguns instantes para me recuperar do pesadelo, então sentei sem dificuldades nem apoio, foi muito fácil, geralmente tenho que fazer um bom esforço, mas tudo bem, estava revigorado. Vi ao longe sob a copa da árvore alguém normal, com uma camisa pólo amarela, calça jeans apertada e tênis branco. Não estava longe, conseguia ver seus detalhes. Era uma garota, fiquei olhando pra ela o tempo todo e ela não saía dali, parecia estar perdida, estava inquieta, não parava de olhar pra cima, parecia insatisfeita. Estava sentado, um som muito agradável e baixinho tocava ao longe, eu acho, e eu não me sentia desconfortável, então fiquei observando a moça. Já era de tardezinha, o sol se punha agradavelmente, pensei sim em me levantar e ir até ela, quem sabe pudesse ajudá-la, talvez. E percebi que outras pessoas também estavam caminhando atrás de mim, mas elas estavam só de passagem, então passei pela bela garota e virei o rosto para olhar em seus olhos. Ela me viu, se exaltou, acenou e tentou falar comigo, mas não sei o que aconteceu comigo, eu estava dentro de um escafandro que seguia adiante sem parar nem me obedecer, me misturando entre outras roupas do tipo astronauta cor de abóbora.