O caminho dos ursos

- Esqueci de alguma data comemorativa? - Indaguei ao me levantar pela manhã, quando vi o que Brooklyn estava preparando na cozinha do abrigo.

- Hoje começa a contagem regressiva - ela afirmou, me encarando por sobre os óculos.

- Já? - Indaguei, chocado. - Estamos aqui há três meses?

- Três meses hoje - suspirou ela. - Nossos mantimentos só devem durar mais uns 30 dias, se não começarmos a racionar.

- Então é hora de pôr os drones no ar... e torcer para que lá fora esteja seguro o suficiente para que possamos sair.

Jake saiu do outro quarto do abrigo, que dividia com Amber. Aparentemente ouvira a nossa conversa.

- Talvez não devamos usar os drones - ponderou ele. - Isso pode atrair a atenção dos Saqueadores.

- E o que sugere? - Questionou Brooklyn.

- Vamos lá fora, pessoalmente. Dar um giro pelas redondezas, tentar captar alguma estação de rádio...

- Você e Walter? - Ela cruzou os braços.

- Somos os únicos homens aqui - replicou Jake, em tom irônico.

- Justamente por isso, melhor não irem os dois - retrucou Brooklyn.

- Ei! Eu vou com o Walter - alertou Amber, surgindo do quarto passando os dedos pela cabeleira loura desgrenhada. - Afinal, eu sou a única aqui que tenho experiência prévia nesse parque florestal.

- Isso conta ponto - admitiu Jake. - Mas sugiro que vocês não se afastem muito do abrigo.

- A ideia é subir até o alto do monte Barrett, ver se conseguimos uma boa vista dos arredores, sintonizar alguma estação de rádio ou pegar sinal de celular - sugeriu Amber.

Jake pareceu sopesar as alternativas, mas acabou balançando a cabeça em concordância.

- Está bem. Mas, por favor, não corram riscos desnecessários; só podemos contar com nós mesmos.

- E não demorem - solicitou Brooklyn.

* * *

Saímos pelo acesso camuflado do abrigo subterrâneo. Ele havia sido construído junto a uma ravina, o que facilitava a eliminação de rejeitos. Seu proprietário original tinha em mente fugir de uma possível guerra nuclear, mas quando eu e meus parceiros o adquirimos para reformar, suspeitávamos que algo bem mais destrutivo poderia acontecer com a humanidade. Como uma mudança brusca nas condições climáticas, por exemplo, levando ao caos político e econômico. Mas nunca poderíamos imaginar que acabaríamos enfrentando uma invasão alienígena.

Enfrentar, aliás, não era bem o termo. A tecnologia dos invasores revelou-se tão imensamente superior à qualquer coisa que tivéssemos na Terra - inclusive nosso arsenal nuclear, que foi quase que imediatamente neutralizado - que poucos dias após os primeiros ataques dos assim chamados Saqueadores, toda a população do planeta pôs-se em fuga. Sim, porque os alvos primários dos invasores eram as cidades, as quais estavam sendo completa e metodicamente destruídas.

Eu, Brooklyn, Amber e Jake batemos imediatamente em retirada para nosso abrigo, que continha provisões para quatro meses, ao fim dos quais teríamos de começar a procurar outras fontes de alimento.

- Essa é uma região habitada por ursos - explicou Amber, enquanto seguíamos pela trilha que levava ao topo do monte Barrett, sob pinheiros que filtravam a luz do sol da manhã. - Normalmente, seria bom fazer barulho ao caminhar por aqui, para alertar os ursos da nossa presença. Mas não sei se na presente situação do mundo isso não atrairia outro tipo de atenção, mais indesejável do que a dos ursos.

- Fazer barulho para afastar os ursos? - Questionei. - Pensei que isso os atrairia.

- Não. Os ursos evitam contato, se puderem. Quando ouvem algum barulho estranho, como vozes ou música, geralmente se afastam. O risco de caminharmos em silêncio é topar com algum urso desprevenido, e assustá-lo. Um urso assustado, pode reagir de forma imprevisível.

Estávamos levando spray repelente de ursos, por precaução, e uma pá. Armas haviam sido consideradas arriscadas demais para uso, mesmo na floresta, por conta do barulho. Nada de atrair atenções indesejadas, como lembrou Amber.

Finalmente, chegamos ao topo do monte, cerca de uma hora e meia após termos saído do abrigo. Dali tínhamos uma vista privilegiada do entorno, que abrangia além do parque, o rio que o cortava, a rodovia interestadual e a ponte metálica mais adiante. Nossa primeira constatação, mesmo sem usar os binóculos que havíamos levado, foi que a ponte não existia mais. Havia sido esmagada, aparentemente por um único golpe, que a atingira bem no meio.

- Bem, isso explica porque não há nenhum veículo circulando pela interestadual - comentou Amber, desanimada.

- Significa que também teremos que encontrar outro caminho para voltar à cidade - ponderei.

Amber estava girando o dial do rádio portátil que havíamos trazido, mas só captava estática.

- Acho que não há mais cidade para a qual voltar - disse por fim. - Nenhuma cidade.

E, olhando ao redor:

- A temporada de pesca do salmão está para começar... acho que vamos ter que começar a pensar em fazer concorrência aos ursos e estocar comida.

E guardando o rádio portátil na mochila que levava às costas:

- Vai ser salmão, até que consigamos encontrar outra fonte de alimento.

Com o sol a pino sobre nossas cabeças, começamos a descer a trilha de volta ao abrigo.

- [31-05-2020]