Capítulo 1 - Retorno ao Lar

Capitulo 1

Retorno ao Lar

Anos se passaram desde que o último a estar naquele lugar, agora inóspito e amaldiçoado, pudera ver por sob as nuvens, as assombrosas montanhas negras refletindo o brilho matutino do primeiro dia da primavera. Uma pessoa a qual esse cenário era familiar, agora, poderia novamente erguer os olhos para aquela estonteante paisagem. Eram as cordilheiras das montanhas Grampian, nas terras orientais à nordeste da Escócia. O renome e a história por trás das roupas surradas e rasgadas claramente ainda foram levados em conta para a transferência do outrora aclamado professor Scott Schaller, juntamente com a vigésima sétima colônia, vinda da fronteira continental mais antiga da Terra Segura.

As botas de couro remendadas várias vezes nunca o incomodaram tanto quanto naquelas intermináveis seis horas. Para quem já ouvira em algum anúncio arcaico o nome do professor Schaller e ainda guardava algo desse passado distante na memória, das duas uma: ou possuía um interesse louvável em escrever uma biografia do trabalho cientifico mais revolucionário da era novíssima, a qual nunca fora escrita nenhuma, ou era tão velho quanto os arquivos empoeirados das bibliotecas dos salões de Aristóteles. Na verdade, apenas quem rememorava seu nome era o próprio tempo.

O tempo era implacável para todos. Mesmo até para os gigantes de rocha que Schaller lembrava na infância ansiar escalar por dentre as fendas e dobras dos paredões abissais das montanhas. Ele imaginava-se no pico da maior delas, a leste das cordilheiras. Entre os lagos azuis do planalto e os campos cinzentos de vegetação rala. E como se lembrava, os campos sempre cresciam na direção dos afluentes do abundante Lago Avon. E as pedrinhas reluzentes, as quais o jovem quando criança teimava em jogar na janela da senhora Wolf, sempre se escondiam nas margens dos riachos.

Em todo final de tarde, quando a rabugenta senhora cansava de gritar e resmungar com a voz rouca devido às décadas de fumo, ele e seus pequenos amigos travessos a enlouqueciam. Os pequeninos aproveitavam o fato da propriedade da idosa ficar a poucos metros das estufas submersas da família Schaller. Ali era um local perfeito para o menino peralta e precocemente brilhante em termos de ciência treinar tiros ao alvo. Ciente dos truques de um bom e preciso lançamento de pedras. Infelizmente para ele e seus amigos, a brincadeira sempre acabava com os puxões de orelha de sua mãe, Eileen.

Nada que se viria ali, depois de 78 anos, era ao menos semelhante ao que o professor Schaller se lembrava. A visão agora inóspita e sem vida do antigo Vale Oculto de Brandwich, e das pontes aquíferas de cristal dourado, outrora magníficas, era, de fato, assombrosa. Era isso que os novos habitantes da Arca escocesa Banshee poderiam enxergar dos colossais vidros que, a partir do instante em que lá chegassem, delimitariam suas vidas, por muito tempo. Como o diretor da SEntinel, Max von Golden, expressava a todos nas telas bipolarizadas das emissões de transferência, quando questionado sobre a crueldade e insensibilidade dos métodos de manutenção adotados

– As Arcas são sua casa! Somente aqui vocês estarem seguros! –

Mas esse novo transporte não perturbava o professor Schaller mais do que o fato do que sua transferência ter se dado separadamente dos outros botes colônias. Geralmente, os transportes sempre ocorriam em uma única viagem conjunta dos botes, com todos os passageiros se reunindo no bote principal. E era de se estranhar ainda mais a atitude dos homens que o conduziriam até a Banshee. Aonde já se virá os encarregados dos transportes não proibirem o embarque dos pertences e artefatos dos passageiros? Como também insistirem para que se fosse checada a presença de toda e qualquer coisa que eles tivessem na sua antiga “casa”, até a menor das anotações? Perguntou-se. Afinal, constatado contaminação radioativa na transferência, todo o pessoal transportado seria automaticamente removido, inclusive os agentes da SEntinel que os transportassem.

Schaller se encontrava definitivamente confuso e sem nenhuma teoria a respeito. Quando logo em seguida sentiu um pequeno solavanco e a temperatura do bote começara lentamente a aumentar, sequência que lhe era bem familiar. O suor no rosto, escorrendo pelas lâminas dos óculos polarizados, advinha dos 38,5 C° de temperatura no interior do bote. Necessários para o hiperesfriamento dos condutores. Emergindo da escuridão agonizante, da qual todos os transportados às novas áreas eram submetidos, o bote, com seus crescentes solavancos metálicos, indicava que todos haviam por fim chegado a entrada da Arca.

Como parte da norma, deveriam parar por alguns minutos para a recalibração atmosférica, antes de seguirem para o sentido central das edificações. Mas isso não aconteceu. Os solavancos pararam e indicaram o aumento da velocidade do bote. De certo isso não fazia sentido. E o professor Schaller buscava, no pouco de vivacidade que ainda o restava, entender essa estranheza por adventos da lógica. Para tal, ele deveria deixar de lado o seu ego, que apontava para a possibilidade de tudo aquilo não passar da curiosidade pessoal de um oficial da SEntinel, sobre a teoria da fusão eletrônica ou sobre a formulação do princípio de Schaller-Van Wood, explicando assim as especificidades da sua transferência para a Banshee.

– Quanta bobagem – Resmungou, virando o olhar para os primeiros níveis do desconcertante complexo de cristais da Arca.

– Ninguém em plena lucidez me deslocaria por quase um continente de terra e poeira para unicamente adquirir conhecimento acadêmico! – Pensou consigo mesmo, perdendo a atenção com a beleza dos flashes azuis e violeta do domo cintilante, a centenas de metros das plataformas mais altas que se podia enxergar.

A condução dos novos habitantes se dava sempre da mesma forma, acontecia periodicamente com veículos robustos similares a carros em formato cilíndrico chamados de botes. Eram revestidos de um metal escuro e fosco, que pelo que Schaller ouvira mencionar-se nos corredores dos setores de pesquisa, se tratava de uma liga de ouro, titânio e outro metal encontrado nas missões Aurora. Precisamente sintetizado em rochas do Cinturão de Asteroides. Não era sem razão. Pois o revestimento era praticamente impermeável às radiações Kahn, de mais alta energia, semelhante ao quartzo de durítio que revestia as Arcas. Já a propulsão desenvolvida para os botes somente seria possível por meio de circuitos compactos supercondutores, para os quais esse metal exótico também veria a calhar. Schaller o chamava de Esquisitrôncio.

Com a matéria prima para a manutenção dos botes se tornando cada vez mais escassa, toda essa conjuntura era imprescindível, não podendo falhar em momento algum. E isto servia de justificativa para a SEntinel manter as diretrizes ancestrais de transporte dadas após a construção das Arcas. A nenhum dos passageiros era permitido olhar ao redor durante o transporte até a entrada da Arca, ou se quer ativava-se qualquer dispositivo ou botão que emanasse luz de dentro dos botes durante a viagem. Assim nada fitaria a percepção de quem quer que fosse que estivesse a bordo, nem mesmo a dos pilotos, que reordenavam o trajeto sempre automaticamente por meio da sincronia exoneural.

Era uma carnificina de regras animalescas e com pretextos duvidosos, e o velho professor Schaller esperava com certa inquietação a chegada ao prédio central, para em fim observar o horizonte para além das lâminas cristalinas do complexo. No prédio central, os recém-chegados moradores deveriam receber as boas vindas do “tirano da vez”. Estava claro para ele que essa era uma transferência extraordinária. Sua testa franzida deixava claro que ele não iria descansar até receber uma explicação que fosse do seu agrado para aquela cerimônia. Justo no dia em que não conseguiu resolver o paradoxo de Montgomery-Black, como havia previsto. Seu humor não estava nada agradável.

Prédios e mais prédios, era o que se conseguia ver pelas diminutas janelas no teto do veículo, que a essa altura era evidente que carregava não menos que uma dúzia de pessoas. Contabilizando o instante desde que adentrou na Arca, ao tempo da recalibração atmosférica e a adaptação a luminosidade dos cristais, até quando as cápsulas de preservação foram desligadas e abertas, e a iluminação no interior do veiculo ativada. A reação de muitos continuava a mesma dos primeiros a passarem por essa experiência bizarra. Estado de pânico e confusão ainda sobre penumbra.

Paulatinamente a luminosidade branca e ofuscante dos domos de vidro cristalino penetrava pelas telas do teto e das laterais do bote, e os passageiros puderam finalmente abrir seus olhos e conhecer quem viajara aos seus lados. Claro que isso não importava. Desse modo a sentença primordial do código de ética da SEntinel se manteria, “DESAPEGO TOTAL A TODA MATÉRIA DE ORDEM HUMANA, POIS ASSIM SOBREVIVEREMOS”. A maioria dos poucos homens influentes e intelectuais que ainda viviam, não compactuava nem um pouco com o domínio atroz exercido pela Sentinel em todo o planeta.

Outros que não eram influentes, mas também desejavam uma nova forma de organização para a população mundial, eram perfeitamente personificados pela imagem de um jovem, também passageiro do bote, discípulo do emérito engenheiro Daniel van Wood, último ganhador do Prêmio Nobel de Física, no ano de 2139. Jovem esse que já havia lido e relido, entusiasmado e enfeitiçado pela obra genial dos cientistas escoceses, artigos e livros antigos, sobre o projeto científico fracassado mais audacioso e revolucionário do século XVII. Essas obras, esse legado, Schaller relutava em recordar. Essas lembranças eram o ventre da angústia e do arrependimento de toda uma vida dedicada à ciência, que impediam o velho cientista de ter uma noite se quer de sono, nas quase sete décadas que se passaram.

Por uma notável coincidência, o jovem aluno de Wood e o professor Schaller se localizavam alinhados na disposição das cápsulas, de forma que seria inevitável, ao recobrarem a visão, o contato visual entre os dois. O prédio central estava a algumas milhas à frente, na plataforma mais elevada da Arca que, a essa altura, já prendia a atenção de todos no bote. Mas no ambiente silencioso e fúnebre de dentro do veículo, agora normalmente iluminado, um pequeno ruído se destacou e ressoou nas paredes metálicas e seladas, que mais pareciam compor a estrutura de uma jaula.

–Professor Schaller? – Questionou baixo e levemente agitado, quase como um grunhido, o ainda sem fôlego aluno de Wood.

– Sim. Conhece-me? – Respondeu surpreso, o velho cientista.

– Fui orientando do Doutor Wood na universidade, ele me falava muito do senhor e do seu trabalho. É um enorme prazer conhecê-lo, senhor... Digo, professor. – Colocou o atônito menino, que pela pouca expressão corporal e aparência franzina de não mais que 20 anos de idade, fez Schaller recobrar lembranças de si mesmo nos tempos de juventude, livre das rugas e da bengala que o ajudava a manter-se de pé.

– Faça-me um favor, me chame de Scott. Você, aluno de Wood, tem nome? – Perguntou-o, com feição de curiosidade a situação inusitada de alguém lembrar-se de quem ele já fora.

– Ah... Sim! Chamo-me Rawson, senhor, Barry Rawson, senhor... perdão... Scott!

O gaguejante e sem jeito garoto de cabelos desarrumados e sotaque engraçado, provavelmente oriundo da Europa Oriental, por poucos segundos fez o aposentado professor recordar da adolescência e de suas trapalhadas ao ser apresentado a Mestres e Doutores da Universidade de Ciências de Edimburgo. Em muitas vezes gerando gargalhadas ao se pronunciar por seus modos simples e não sofisticados. Barry, aparentemente apenas o causou um leve sorriso no canto da boca, quase imperceptível. Mas também, quanto mais se observava o falar e os agires do recolhido jovem, Schaller reconhecia nele a projeção como em um espelho, da personalidade e das manias do seu antigo amigo e discípulo nos tempos da academia, Daniel van Wood.

Com van Wood, Schaller dividiu a bancada da Academia Real Unida de Ciências por 17 longos anos, além de em Edimburgo. Nem sempre em momentos de concordância e camaradagem a respeito de uma teoria ou outra. Na verdade eram poucos os dias em que os dois não discutiam. Sem dúvida era a imagem de seu antigo pupilo, com alguns anos a menos e um pouco menos de uso de pente de cabelo, que voltava dos mortos, ironicamente acanhado, para contar a sua história de idolatria ao seu ídolo de colegial.

Os dois estavam inquietos, principalmente Barry, que girava a cabeça em círculos medonhos enquanto batia os pés agitadamente no piso. Os sons dos botões de alerta, semelhantes aos de um xilofone; se ouviam sopapos do freio nas subidas às plataformas de entrada; eram claros também gemidos macabros de um ou outro passageiro, ainda em estado de confusão mental. Sentia-se a inquietação no ar resfriado, porém abafado do bote. Barry tentava controlar-se, enrijecendo-se e respirando profundamente, inutilmente.

Ouvindo aqueles sons de bips e plugs em toda parte, vendo aquelas pessoas desconhecidas ao seu redor, algumas com identificações de laboratórios e ainda de jalecos, indo com elas para onde ele não sabia bem, e ainda vivenciando o encontro com quem sempre sonhara conhecer. Sua inquietude e ansiedade não permitiram que Schaller, observando tamanha impaciência à sua frente, abrisse a boca para tentar acalma-lo antes que:

–Professor Scott, por que estão nos levando para o prédio principal? Não devíamos ter parado ao entrar na Arca? – Perguntou Barry, engolindo a própria saliva rapidamente e em tom enfático.

– Não posso lhe responder Barry, pois sei o porquê. Mas tente se acalmar. Logo chegaremos ao prédio principal. – Falou Schaller, serenamente e em baixo tom.

Tudo era muito ilógico. As transferências só ocorriam em um período de três meses, e Schaller tinha acabado de voltar a colecionar os seixos turquesa no jardim da nova casa, na Arca de Nuremberg, a Freya. Todo o seu material de pesquisa, livros e papéis, foram grosseiramente exigidos para também serem levados ao novo destino. E de todas as Arcas próximas, fora conduzido a posta entre o platô do Great Glen e o vale das Grampians, na região exata onde o professor nascerá e vivera, até durante a graduação na academia. E sem falar na aparente urgência de serem levados ao diretor da SEentinel responsável, onde na maioria das vezes se deixava um tempo para os passageiros vomitarem e se descabelarem.

A ornamentação no interior da Arca era esplendorosa e diferia sempre de uma para a outra, mas o caminho do bote a plataforma antigravitacional do centro era sempre o mesmo. Definido de tal maneira que cruzava as outras bases elevadas a centenas de centenas de metros do solo cor de marfim e textura polida, tornando a viajem uma apreciação à beleza das construções flutuantes. Enquanto se encaminhavam para a chegada ao prédio do diretor, ouviam-se suspiros e viam-se expressões de espanto, e metade dos passageiros que Schaller e Barry podiam ver estavam boquiabertos com as bases suspensas da Arca. Essa parte sempre lembrava a Schaller um painel holográfico de publicidade que vira com o seu irmão aos dez anos de idade. De crianças em um castelo de férias da agora inexistente, Disney. Era realmente similar, mas um tanto menos colorido, pois tudo era metálico ou cristalino lá dentro.

O seu instinto perspicaz o dizia que alguém o queria ali para alguma coisa, e rápido. Mas não tinha ideia de quem, ou para quê. Assim como um rato suspeita do espreitar de um gato, Schaller suspeitava dos responsáveis por aquela ordem de transferência, e das tramoias que podiam novamente estar a fazer contra ele, o responsável seria alguém da SEntinel. A SEntinel era a maior organização de líderes e pesquisadores da humanidade, a mais brutal e misteriosa que existia, ou que já existiu, e também era dela a administradora de todas as Arcas, bem como das transferências.

– PIIIIIIIIHHHH! – Soou o estridente e insuportável alarme vindo de trás do bote, o qual a frequência era tão forte que, em três segundos acionado, dois passageiros vieram ao chão como que atingidas por um feixe beta no peito, agonizando e se debatendo de dor.

–Senhoras e senhores, por favor, se acalmem... – Comunicava serenamente o oficial de transporte na cabine dos pilotos com a voz sintética de um computador, quando fora bruscamente interrompido.

– Calma? Vocês querem nos matar, seus idiotas? – Berrou Barry, incrivelmente revoltado e enraivecido, pelo desconforto de sentir na pele o infortúnio da primeira viagem a esses moldes.

–Controlo-se meu jovem. Ponha a língua dobrada atrás dos dentes, e tape os ouvidos. Logo passará. – Ponderou Schaller, com uma expressão cômica no quanto da boca mais acentuada que a anterior, ao ver a cena.

– Desculpe-me... – Falou, Barry, agitadamente, enuanto balançava a cabeça positivamente para a recomendação de Schaller. A visão do garoto raquítico e inocente, se rebelando ao ponto de partir para talvez a agressão ao oficial, foi em si muito mais alarmante que o próprio som cortante do dispositivo de alarme.

–Senhoras e senhores... – Voltava a anunciar o oficial.

–É sempre assim? – Questionou Barry à Schaller, com voz de desprezo.

–Não. Estão bem mais gentis que da última vez – Instantaneamente, um feixe de luz avermelhado e ofuscante, com alguns centímetros de diâmetro, veio do sentido oposto do veículo em direção ao rosto do professor Schaller, calando-o em um susto.

– Por gentileza Scott, não se comunique com nenhum passageiro. Atente às orientações de desembarque. Tenha um bom dia. – Disse a voz do oficial. Estranhamente simultânea ao próprio oficial que informava o protocolo de chegada e descida. Provavelmente a voz fora gravada para ser transmitida no momento em que falasse, o mesmo imaginou. Alguém ali não ia muito com sua cara. Ao ficar quieto, o estranhamento veio a sua mente. A gravação o chamou por seu primeiro nome.

–... E assim se fará o desembarque, preparem-se ao verem a luz azul, atentem aos painéis até o elevador. Não façam perguntas desnecessárias. Tenham um bom dia.

– Barry, nessas horas que eu adoraria já ter pedido ao almirante Heath uma passagem para Marte – Cochichou Schaller.

Contudo, as condições de sobrevivência em Atlas eram péssimas. Sem contar com o realocamento em andamento para as crateras mais ao norte do monte Olimpo, devido a tempestade solar do último ano, e a grande possibilidade do almirante Seymour Heath, participante da comissão de notáveis na Terra e um dos chefes do Projeto SSD na Lua, já ter batido as botas. Schaller nunca viu sentido algum em batizar a primeira colônia humana em Marte, com o nome do titã amaldiçoado por Zeus a sustentar o céu pela eternidade. Nada criativo. Dava a entender que Marte seria a fronteira final da humanidade, porém, até aquele momento, de fato o era.

Então suavemente o bote reduziu sua velocidade e a luz azul anunciada pelo oficial focou intensamente dentro do bote, e as portas metálicas se abriram de baixo até em cima. Em segundos, as dores de cabeça e nos olhos causadas pelos reflexos do gigantesco domo da Arca se iniciaram em todos do grupo. A temperatura aumentou levemente, como no amanhecer de um dia no início da primavera na Flórida. Logo se ouviu:

– Sigam os painéis. Sigam os painéis. Sigam os painéis... – Diziam pequeninos robôs em forma de barris humanoides, agitadamente após o desembarque, andando de um lado para o outro em direção ao elevador da plataforma mais alta, para o prédio central.

Nem se precisou esperar muito para as dores nos olhos cessarem. Toda a cidade flutuante se desenhou, e era de fato magnífica. Os relâmpagos e os feixes, azuis, violeta e prateado rebatiam-se e se misturavam no vidro da gigantesca semiesfera, até a distância que se conseguia enxergar. E por mais acostumado que estivesse com o imensurável tamanho da Arca, Schaller ainda perdia o fôlego. Uns 100 metros à frente, o cenário da cidade se dividia por um cilindro fino de cristal prata estendido até o topo da Arca. Se encontrando dentro o elevador para plataforma central, solitário, e no meio da calçada esculpida em esmeraldas onde desembarcaram.

Barry em todo o trajeto entre os pequeninos robôs e a trilha retilínea do caminho a ser seguido, não fez um se quer barulho, parecendo ter sido congelado, perdendo até o êxtase inicial de conversar com seu ídolo. Perfeitamente compreensível. À dois passos da comporta quadrangular do tubo cilíndrico e transparente que levava ao elevador embutido no mesmo, Schaller pode perceber no longínquo do horizonte o pico da maior das montanhas negras através da abobada cristalina. Minúsculo e cor de púrpura. Fora ali, ou melhor, na base da Ben Macdui, que sua família morou em uma humilde e isolada casa, esculpida das pedras dos próprios rochedos da montanha, de frente ao Lago Etchanchan. Lago que fazia a alegria dos poucos moradores das planícies verdes, na época da migração do salmão arco-íris. Schaller devaneou, voltando a essa época. Mas por pouco tempo:

– Professor Scott, o senhor está bem? É a paisagem não é? – Perguntou-lhe Barry, com um leve cutucão em seu braço esquerdo.

–Novamente, Scott! Preste atenção às orientações! Entre no elevador! – Ordenou um dos robozinhos, puxando-o na altura da sua panturrilha, com o seu curto braço mecânico em direção à porta do compartimento onde todos os passageiros já estavam, menos Schaller e Barry.

–Sim, Barry. Perdi-me nos pensamentos. – Respondeu Schaller, já se dirigindo ao elevador, guiado pelo pigmeu de metal.

Ao por os pés a centímetros do elevador, o ambiente novamente já mudara, e a temperatura voltou rapidamente a abaixar assim como ocorreu no bote. A porta vítrea se fechou verticalmente de baixo até em cima, e os robozinhos ficaram ali, parados, do lado de fora.

– Senhoras e senhores, pedimos para que não se movimentem dentro do elevador. Próxima parada, prédio central. Tenham um bom dia! – A voz não saia de quanto nenhum, mas era igualmente irritante a voz dos metálicos pigmeus no desembarque.

Só estava piorando, e agora os grotescos robozinhos aparentemente também foram programados para reconhecer e falar com o professor Schaller, igualmente como foi no bote. Certamente ele não teria um bom dia, decididamente não um dia normal.

Pedro Felix
Enviado por Pedro Felix em 27/05/2020
Código do texto: T6960058
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