O passado em movimento

Joshua e eu havíamos conseguido consertado o velho projetor de 16 mm e convidamos a comunidade para assistir um filme. Era um documentário sobre as grandes cidades do mundo, produzido há mais de 60 anos, e portanto totalmente defasado. Mas como projetores e filmes de 16 mm haviam saído de moda muito antes da maioria dos presentes ter nascido, poder assistir a uma exibição cinematográfica já era motivo de grande satisfação.

- Antigamente, as pessoas costumavam ir a locais chamados "cinemas" - explicou Joshua, depois que os vizinhos acomodaram-se nos bancos e tamboretes que haviam trazido de suas casas. - E assistiam imagens em movimento projetadas numa tela.

Apontou para o lençol esticado na lateral do celeiro, atrás dele.

- Vamos tentar repetir essa experiência aqui, esta noite - prosseguiu, animado. - Inclusive, com pipoca!

Mary Ann e suas filhas, Celie e Netta, começaram então a distribuir tigelas de plástico cheias de pipocas pelas fileiras de assentos dos espectadores, enquanto Joshua prosseguia em sua preleção:

- Este é um filme sonoro. Sim, vocês poderão ouvir os sons, as vozes e a música daquela época!

- Como na tal televisão? - Indagou Luke, o filho mais velho de Murphy.

- Esse é um invento posterior... mas sim, mais ou menos como na televisão - assentiu Joshua. E para mim, que estava num estrado por trás das fileiras de assentos, a postos junto ao projetor:

- Pode começar, Zayne!

Esperei que Joshua tomasse assento na primeira fileira, ao lado da esposa e dos filhos, liguei o gerador à gasolina, e depois o projetor Bell & Howell. Um facho de luz projetou-se na tela improvisada, sombras, manchas, e depois números, até que o filme propriamente dito começasse. A plateia acompanhava as imagens em movimento com os olhos arregalados, ouvindo-se não mais do que o ruído do gerador e da trilha sonora do documentário. Quando os 50 minutos de projeção se encerraram e desliguei o gerador, vi que muitos, particularmente os mais idosos, estavam emocionados.

- Há quanto tempo eu não via nada assim... - comentou o velho Howard, ao se despedir. - Muito obrigado, rapazes!

- O senhor chegou a viajar para alguma daquelas cidades? - Indaguei.

- Não na época deste filme. Algumas, mas muitas décadas depois... é como fazer uma viagem a um mundo que não cheguei a conhecer!

- Imagine então para nós, que nunca nos afastamos mais do que alguns quilômetros desta comunidade - ponderou Joshua.

O velho Howard nos lançou um olhar que era um misto de pena e simpatia.

- E talvez ainda não seja seguro nos afastarmos muito daqui; talvez muitas gerações se passem antes que possamos nos aproximar novamente daqueles lugares. Não sabemos o que pode haver por lá agora, não sabemos se a Praga ainda continua ativa ou mesmo se resta alguém vivo.

Tocou no meu ombro e disse:

- Mas eu fico muito grato a vocês por essa oportunidade. E talvez, possamos repeti-la mais vezes.

- Certamente! - Animou-se Joshua. - Há alguns outros documentários que recuperamos da antiga escola da aldeia, se estiverem em boas condições poderemos exibi-los no futuro.

O velho Howard ficou pensativo.

- Só espero que não exibam documentários sobre guerras - declarou finalmente.

Ajeitou o chapéu na cabeça, e complementou:

- Essa é uma parte da história da humanidade que é melhor que as crianças não conheçam...

- [02-05-2020]