Depois do Fim do Mundo
Chegou o momento de abrir a porta, ventilar a casa, sair da escuridão; mas não estava sendo fácil, e ela sempre soube que não seria.
Porque nesse momento, com a mão no trinco, ela tinha que vencer o medo. O medo gelado por tudo o que estava lá fora ainda entranhado nos restos dos erros cometidos e da humanidade ignorada.
Porque nesse momento a tristeza ainda a acompanhava. Aquela tristeza doída pelas coisas estúpidas que testemunhou, coisas cada vez mais estúpidas que marchavam em fila, e marchavam com orgulho nos passos e deboche nos lábios. Ela sabia que essa tristeza, quando abrisse a porta, teria que ser honrada, era um compromisso. E no sepultamento de todo o amargor, que cresceu como um câncer durante todo aquele tempo, ela teria que fazer com que se ouvisse mais do que choro e soluços.
Não, abrir a porta não era fácil. Porque nessa hora, assim que girasse o trinco, ela sabia: precisaria estar atenta. Algo virá junto da luz. E talvez ela fique tentada a achar que é só impressão, só devaneio, só poesia inútil, apenas um sonho bobo. Mas haverá algo nessa luz, sim. Terá de haver, ela sente profundamente que precisa ter. Uma coisa, qualquer coisa, algo que surja da frustração a que tudo estava reduzido.
Abrir a porta será um grande momento, ela sabe. Porque algo vai ter de ser diferente. Ela não poderá deixar, calada e vitimada pela repetição medrosa, que as mesmas coisas rastejem para dentro e sentem ao seu lado no sofá. Não mais, não de novo.
Chegou o momento de abrir a porta, ela não tem escapatória, e não é fácil. Mas ela gira o trinco mesmo assim... E por detrás da luz, que inundou a casa e a cegou por um instante, ela soube que um mundo novo estava prestes a nascer.